Populismo penal legislativo: o direito penal como ilusão de proteção para os agentes de segurança pública

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5 O DIREITO PENAL COMO ILUSÃO DE PROTEÇÃO PARA OS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA

           

O direito social à segurança está definido em nossa Carta Política de 1988, em seu Artigo 06º, ademais, Batista (2017), lembra que tal direito está sedimentado como direito fundamental, necessário para o desenvolvimento do homem e da sociedade. Mais à frente, ele nos lembra que o reconhecimento de tal direito está presente em diversas normas de âmbito internacional, como a Declaração do Homem e do Cidadão, do ano 1789.

Cumpre ainda lembrarmos que a Segurança Pública vem a ser um direito difuso, aquele que não possui destinatário certo, ou seja, indeterminável, não há a possiblidade de se quantificar ou quais seriam seus destinatários.

Assim dispõe o Artigo 144 de nossa Carta Política de 1988:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; - polícias militares e corpos de bombeiros militares”.

Como vemos, o Artigo 144 de nossa CF versa sobre os órgãos que compõem a Segurança Pública, apesar de ser um rol fechado, e, exatamente por ser “...direito e responsabilidade de todos...”, é que, por extensão, temos as Guardas Civis Municipais atuando ostensivamente, fugindo daquela responsabilidade única de guarda do patrimônio dos municípios[6].

Cabe ainda lembrarmos dos Agentes Penitenciários, os quais, tentam sua inclusão no rol do Artigo 144[7], e essa possível inclusão teria impacto positivo ao longo de suas carreiras, como a possibilidade de terem reconhecido seu direito à aposentadoria especial, por exemplo. Apesar de não atuarem diretamente na Segurança Pública, porém, muitas das vezes tais servidores são vítimas de lesões ou homicídios ligados à sua atuação, como os ataques ocorridos em 2006 em São Paulo, os quais vitimaram vinte e três PMs, oito carcereiros, seis policiais civis, quatro civis e três guardas civis metropolitanos. Tal situação nasceu da transferência de Marcos Wilians Herba Camacho, o “Marcola”, apontado como líder do PCC, isso após escutas telefônicas terem denunciado um plano de rebeliões.

Tal situação mostra o poder das facções criminosas, as quais se beneficiam dessa política de encarceramento em massa, e isso se dá, como não poderia deixar de ser, dentro de um contexto de um punitivismo exacerbado. Interessante lembrarmos que a presença de facções criminosas, no início, estava limitada a Estados do Sudeste, como Rio de Janeiro e São Paulo, porém, atualmente o PCC e o Comando Vermelho, as duas maiores facções do país, estão presentes em praticamente todos os Estados da Federação.

Temos a terceira maior população carcerária do mundo, além do mais, 49% de nossos detentos, são presos provisórios, ou seja, que ainda não foram julgados, cabe lembrarmos ainda que entre 1997 e 2016, tivemos um acréscimo de 326% em nossa população carcerária. Já, como fatores que expliquem esses números, podemos apresentar o endurecimento das leis, como a Lei de Crimes Hediondos, a qual, inclusive, teve alguns de seus dispositivos declarados inconstitucionais, como a proibição de progressão do cumprimento de penas.

A Lei 11.343/06, ou Lei de Drogas, também pode ser apontada como outro fator para explicar esse aumento da população prisional, exatamente por não trazer critérios objetivos que possam distinguir usuários e traficantes: muitos que portam drogas para consumo, as quais, em tese, estariam sujeitas a advertência, prestação de serviços à comunidade ou medidas educativas, isso na forma do Artigo 28 da referida lei, acabam sendo julgados como traficantes, enfim, o tráfico de drogas é o crime que mais encarcera no momento, com 29%.

E todo esse encarceramento converge, como já explicitado, para uma situação que fortalece as facções, ou seja, acabamos sendo vítimas do monstro que nós mesmos criamos. Interessante analisarmos que a dinâmica de crescimento e fortalecimento de nossas organizações criminosas se dá de maneira distinta do crescimento de organizações criminosas de outros países: enquanto que nesses países, essas organizações se organizam nas ruas, aqui no Brasil, as organizações criminosas se organizam a partir do sistema penitenciário.

Para se ter uma ideia, o Primeiro Comando da Capital, PCC, facção paulista, nasceu em 1993, logo após o Massacre do Carandirú, isso em 1992, onde 111 presos morreram na Casa de Detenção do Carandirú, em uma ação da Polícia Militar de SP para conter uma rebelião, inclusive em seu primeiro estatuto, fez-se referência ao ocorrido, e, para evitar novas mortes, pediu-se a união entre os presos. Da mesma maneira, a facção carioca Comando Vermelho (CV), nasceu no final da década de 70, no presídio de Ilha Grande, pondo em prática, os conhecimentos adquiridos com os presos políticos, quando foram presos juntos dos mesmos, após isso, realizaram diversas ações criminosas, como roubos a bancos, sequestros, enfim, como exposto acima, o problema da superlotação dos presídios, fortalece as facções.

E dentro desse contexto de máximo punitivismo estatal em detrimento a direitos fundamentais, nasceu o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), após diversas rebeliões em vários estabelecimentos prisionais paulistas, entre elas, a ocorrida no município de Taubaté, isso em 2001, bom, após o ocorrido, onde, por meio de resoluções administrativas, surgiu o RDD, a bem da verdade, conforme Carvalho (2015) nos esclarece, discutiu-se se através de resolução poderia se legislar sobre matéria penal[8], porém, após isso, por força da Lei federal número 10.792/2003, modificou-se a Lei de Execuções Penais (LEP), incluindo o RDD.

Bom, apesar da nomenclatura “regime”, não se trata exatamente de um regime de cumprimento de pena propriamente dito[9], mas de uma sanção administrativa aplicada ao detento que seja considerado perigoso ou que traga risco à sociedade, situações abstratas e que ferem preceitos constitucionais, como a determinação de que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, nem será submetido à penas cruéis, além de ofender o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, sem esquecer que ofende também os fins almejados da ressocialização e reintegração do apenado à sociedade.

Enfim, tais situações fomentam o poder das facções criminosas, expõem a fragilidade do sistema, os índices de criminalidades continuam a subir ano a ano, e a resposta que o Estado dá, além de mais e mais leis penais sem uma lógica racional, sem apresentar projetos de mudanças conjunturais, é a adoção de medidas pontuais de cunho populista, como o emprego das Forças Armadas nos Estados em dados momentos, o que, além de, igualmente, não trazer soluções a médio e longo prazo, deturpa o real fim constitucional das mesmas.

Como exemplo de tal situação, vemos a atual intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, referendada pela Câmara dos Deputados Federais e Senado Federal, haja vista ser uma situação constitucional[10], situação ineficaz, que, de forma geral, demonstra a desarticulação entre as Forças Armadas e as forças de Segurança estaduais como um todo, devido à baixa apreensão de armas e drogas, porém, com uma alta letalidade, vitimando tanto a população, como policiais.

A bem da verdade, os militares das Forças Armadas não são treinados para exercerem atividades de Segurança Pública, ainda que utilizados de maneira excepcional, sua subutilização vem de mãos dadas com diversas notícias de abusos cometidos pelos militares contra a população dos morros cariocas, como registro fotográfico de moradores pelos militares, uma espécie de “banco de dados” de suspeitos, tal situação viola normas constitucionais, como o direito à imagem e normas infraconstitucionais[11]. Houve inclusive, a divulgação através da mídia de que o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, iria solicitar, Mandados de Busca e Apreensão Coletivos, porém, devido à grande repercussão na imprensa, desistiu-se da ideia, mas, cumpre lembrarmos que tal situação, inconstitucional, diga-se de passagem, já ocorreu no RJ, na favela da Cidade de Deus, após um helicóptero da PM ter sido abatido, onde, a juíza Angélica dos Santos Costa, concedeu a Ordem Genérica, usando das seguintes palavras: “em tempos excepcionais, medidas também excepcionais são exigidas com intuito de restabelecer a ordem pública”. Após a Defensoria Pública estadual impetrar Habeas Corpus, o Tribunal de Justiça estadual, declarou a nulidade parcial em relação às buscas coletivas ocorridas.

Ora, o Mandado de Busca e Apreensão coletivo e generalizado não tem previsão legal, além do mais, a inviolabilidade do domicílio (CF, Art 05º, XI) é cláusula pétrea, imutável, não havendo possiblidade de flexibilização, exatamente para proteger o cidadão de possíveis arbítrios do Estado. Tais bandeiras são levantadas para justificar a impossibilidade de investigação e individualização dos domicílios e moradores nos morros, suspeitos de guardar armas e drogas dos traficantes, isso pela Polícia Civil, ora, a ineficiência do Estado não pode ser salvo-conduto para o desrespeito a mandamentos constitucionais e legais, além do mais, a quem interessaria uma Polícia investigativa ineficiente e com índices baixíssimos de elucidação de crimes? 

E em relação à Polícia Militar, não somente a do RJ, podemos apontar pontos negativos que podem explicar sua ineficácia, como, sua formação militar, herdada após os Anos de Chumbo, situação que não se amolda a sua real finalidade, que seria o trato com o cidadão; Regulamentos Disciplinares, muitos, anteriores à nossa Carta Política de 1988, porém, ainda que apresentem diversos dispositivos não recepcionados pela CF, encontram-se em plena vigência, autorizando os Estados a tratarem seus servidores militares, como sub cidadãos, porém, o fator primordial que explicaria a alta letalidade das PMs, seria a característica de sua formação, que seria “a da guerra”, esses homens e mulheres matam muito e morrem muito, também: em 2016, foram 453 mortos no Brasil, já em 2015, foram 368, um aumento de 23,1%[12].

Mas, em relação a números de policiais mortos, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, um dado nos chama a atenção: o número de policiais mortos, tanto civis, como militares, fora de serviço, ou seja, na folga, é bem maior do que o número em serviço: em 2016, foram 335 policiais mortos fora de serviço, contra 118 em serviço. Em 2015, foram 288 mortos fora de serviço, contra 80 mortos em serviço, isso em números absolutos.

Mas, o que explicaria esse alto número de policiais mortos em suas folgas? Bom, antes de mais nada, interessa-nos esclarecer que, apesar das facções criminosas agirem contra esses representantes do Estado, tanto em serviço, como em suas folgas, lesionando-os e ou tirando suas vidas, muitas das vezes, esses profissionais também são vítimas de roubos como qualquer outra pessoa, e o fato de portarem uma arma de fogo, na maioria das vezes, não garante que suas vidas sejam salvas, mas, ainda assim, mesmo com esses números, há políticos irresponsáveis que vendem como possível solução para a falta de segurança, armar o cidadão, isso aliado a discursos falaciosos e populistas e que dá as costas para a realidade fática.

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Mas, enfim, o que foi feito para proteger a vida desses profissionais de Segurança Pública e tentar reverter tais números? Mais leis penais, pautadas no populismo penal e que desembocam em um Direito Penal Simbólico e desnecessário, do ponto de vista legislativo, como a situação trazida com a Lei 13.142/2015, a qual  trouxe uma nova qualificadora para o homicídio, inserindo no Artigo 121 (homicídio) de nosso CP, o inciso VII em seu parágrafo 02º; além de inserir tal inciso na Lei de Crimes Hediondos e por fim, alterar o Artigo 129 (lesão corporal) de nosso CP, introduzindo o parágrafo 12, trazendo caso de aumento de pena, situações essas, quando tais delitos forem “VII - contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição”.  

Bom, como vemos, tais delitos devem ser perpetrados em razão da função ou em decorrência dela, porém, Gomes (2015), nos mostra a intenção de um recrudescimento quando do enquadramento dos que cometerem tais delitos contra qualquer dos agentes elencados, isso no exercício da função, ou seja, tal risco já seria inerente à função, como por exemplo, a função do policial.

Vemos ainda que seria desnecessária essa qualificadora, pois, em caso de homicídio (Artigo 121, CP), a depender do caso, poderia haver o enquadramento em outras qualificadoras previstas no parágrafo 02º do referido Artigo, como “traição, emboscada, para assegurar a execução”, entre outros.

Da mesma maneira, Gomes (2015) achou desnecessário o legislador tratar como crime hediondo quando tais agentes são mortos em razão da função. Ora, tal situação caracteriza, desde já, motivo torpe, já previsto em nossa legislação, no Artigo 121, inciso I do parágrafo 02º. Da mesma maneira, seria motivo torpe, a lesão ou o homicídio praticado contra parente ou pessoa que tenha relação com um policial, por exemplo, sendo igualmente desnecessária tal qualificadora introduzida pela Lei 13.142/2015.

Finalmente, cumpre lembrar que foi aprovada a vedação de progressão de regime de cumprimento de penas para quem matasse policiais, ainda que o STF já tivesse se manifestado pela inconstitucionalidade de tal vedação. Mais uma vez, o Direito Penal Simbólico se fazendo presente, isso, dentro de um contexto de maximização do Direito Penal.  

 E dentro dessa ótica de falsa proteção, devemos lembrar da Lei 13.497/2017, a qual veio a incluir no rol dos crimes hediondos, a posse ou o porte de armas de fogo de uso restrito, projeto do então senador carioca, Marcelo Crivella, hoje, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, enfim, o projeto tramitou durante três anos no Congresso Nacional, porém, graças às diversas notícias de enfrentamento entre policiais e criminosos, esses, na maioria das vezes, portando fuzis, aprovou-se a referida lei.

Como exposto acima, os motivos para a inserção de mais um delito no rol dos crimes hediondos seria, além de notícias de confrontos, a onda de crimes, também, amplamente noticiada pela imprensa, algo altamente abstrato, ora, conforme Hoffmann e Fontes (2017), tal situação deixa transparecer a real intenção do legislador, amparada no Direito Penal Simbólico, ou seja, querer passar uma ilusória sensação de tranquilidade e de controle dos crimes, isso, pela “força” da Lei, tão somente isso. Querer combater a criminalidade com o Direito Penal não é a solução, a solução passa, necessariamente, em investimentos maciços nas Polícias, em especial, na Polícia de investigação, além de otimizar os órgãos de persecução penal, evitando com isso, uma morosidade no sistema, passando aquela sensação de impunidade.

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Sobre os autores
Vinícius Lúcio de Andrade

Orientador, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Direitos Fundamentais e Democracia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Professor do programa de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal pela UnP

Rotchild de Souza Couto

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências e tecnologia Mater Christi. Pós graduado, lato sensu, em Direito Penal e Processo Penal. Cabo da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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