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Da obrigatoriedade de fabricação de peças de reposição nas legislações consumeristas brasileira e portuguesa

19/07/2005 às 00:00
Leia nesta página:

1 – DO DIREITO CONSUMERISTA EM PORTUGAL.

A Constituição portuguesa, promulgada em 1976, disciplina a atividade econômica do país, visando explicitamente tutelar os interesses dos consumidores, na medida em que coloca essa proteção entre as "incumbências prioritárias do Estado" no âmbito econômico e social.

Ainda no que diz respeito à Constituição da República Portuguesa, importa referir que, à luz de seu artigo 99º, a proteção dos consumidores figura como um dos objetivos básicos a ser buscado pela política comercial de Portugal [1].

Em 22/08/1991, a legislação infraconstitucional portuguesa deu seguimento aos aludidos ditames constitucionais mediante a edição da Lei 29/81, por meio da qual foram estabelecidos os direitos dos consumidores individualmente considerados e das associações por eles compostas, bem como as regras e a principiologia que outorgam supedâneo jurídico-legal a essa proteção.

Atualmente vigora em Portugal a Lei 24/96, de 31 de julho, que, além de revogar a norma de 1981, tornou-se o principal norte legislativo da política de consumo, tutelando explicitamente os direitos dos consumidores e das instituições cujo escopo reside nessa mesma proteção.


2 – DO PRAZO MÍNIMO DE PRODUÇÃO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO DITADO PELA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA.

Analisando os termos da Lei Consumerista portuguesa sob a ótica proposta nesse estudo, verifica-se a existência de regulamentação específica no tocante à fabricação de peças de reposição dos produtos existentes naquele mercado (retirados ou não da linha regular de produção das empresas).

Nesse sentido, cabe a citação do item 5, do artigo 9º, da Lei de Defesa do Consumidor portuguesa (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho):

"Artigo 9.° - Direito à protecção dos interesses econômicos.

...

5 - O consumidor tem direito à assistência após a venda, com incidência no fornecimento de peças e acessórios, pelo período de duração média normal dos produtos fornecidos".

(grifo nosso)

Conforme ditames do item 5 supracitado, as fabricantes são obrigadas a fornecer peças de reposição no período de "duração média normal" dos produtos.

Constata-se na expressão "duração média normal" - sinônima da expressão "vida útil" do produto utilizada no Brasil - o parâmetro objetivo determinado pelo legislador português, que obriga a manutenção da fabricação de peças sobressalentes por parte das fabricantes.

Deparando-se com o infinito número e peculiaridades técnicas dos produtos fabricados naquele País, preferiu o legislador português vincular o parâmetro objetivo de obrigatoriedade de fabricação de peças de reposição à vida útil de cada produto existente.

Nesse sentido, e visando apurar o prazo mínimo de fabricação das peças sobressalentes, têm as fabricantes de observar sempre o prazo de vida útil de cada um dos utilitários produzidos, sob pena de infração legal e aplicação de penalidade, variante caso a caso, pelo Poder Judiciário português.


3 – DO DIREITO CONSUMERISTA NO BRASIL.

Anteriormente ao surgimento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078), em 11/09/1990, o cenário legislativo brasileiro acerca da matéria era bastante esparso, assistemático e ineficiente, com aproximadamente trezentos atos normativos concernentes, entre leis, decretos-leis, resoluções e portarias, e cerca de trinta órgãos federais que, direta ou indiretamente, eram relacionados com a proteção dos consumidores.

Em âmbito constitucional, mister salientar que somente por meio da Carta Magna de 1988 é que se propiciou a possibilidade efetiva de defesa dos consumidores.


4 – DO PRAZO MÍNIMO DE PRODUÇÃO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO DITADO PELA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.

Transportando os termos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) à problemática disposta nesse estudo, faz-se mister a citação do artigo 32 e, notadamente, seu parágrafo único, que tratam da obrigatoriedade de oferta de peças de reposição:

"Artigo 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto".

"Parágrafo Único - Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei".

(grifo nosso)

Trata o parágrafo supracitado da responsabilidade dos fabricantes de produtos no que tange à produção de peças de reposição (por "período razoável de tempo"), na forma de legislação específica editada sobre o assunto.

Constata-se, pois, um caso típico de norma jurídica "em branco", que outorga à outra legislação a responsabilidade de definir objetivamente a situação jurídica citada, mas não esvaziada pela primeira lei.

Analisando o conteúdo da norma "em branco" anteriormente citada, temos os comentários dos autores do anteprojeto da lei consumerista [2]:

"Mesmo após cessar a produção ou importação do produto, o fabricante, naquele caso, e o importador, neste outro, ainda devem cumprir o dever de assistência com peças e componentes. Só que tal obrigação não é ad eternum. De duas, uma: a lei ou regulamento fixa um prazo máximo, ou o juiz, na sua carência, estabelece o período razoável de exigibilidade do dever. Em qualquer caso, deve-se levar em consideração a vida útil do produto".

(grifo nosso)

Por oportuno, ressalta-se que o legislador pátrio, visando lacrar a lacuna criada pelo parágrafo único do artigo 32, especificou o prazo obrigatório de fabricação de peças de reposição dos produtos retirados de linha.

Cabe, nesse sentido, a apresentação do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e dá outras providências.

Nota-se, no inciso XXI, do artigo 13 de tal Decreto, a determinação legal complementar ao parágrafo único do artigo 32 do Código de Defesa do Consumidor, conforme ditames abaixo listados:

"Art. 13. Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos dispositivos da Lei nº 8.078, de 1990:

...

XXI - deixar de assegurar a oferta de componentes e peças de reposição, enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, e, caso cessadas, de manter a oferta de componentes e peças de reposição por período razoável de tempo, nunca inferior à vida útil do produto ou serviço".

(grifo nosso)

Conforme dizeres acima, o Decreto 2.181/97 estabeleceu o tempo mínimo para a fabricação de peças de reposição dos produtos tirados de linha.

Tal prazo é, coincidentemente em relação à legislação portuguesa, a vida útil do produto, que deve ser observada pelos fabricantes como parâmetro mínimo para a produção de peças sobressalentes.

Conclui-se, portanto, que a responsabilidade objetiva dos fabricantes frente aos consumidores brasileiros está adstrita aos termos do Decreto 2.181/97, que determina a vida útil do produto como prazo mínimo para a fabricação das respectivas peças de reposição.


5 - Considerações acerca da responsabilidade pós-venda DO FABRICANTE, no tocante à PRODUÇÃO de peças de reposição.

Não obstante os ditames legais ressaltados nesse estudo acerca da matéria, repisa-se que o tempo de resposta no tocante à reposição de peças é crítico, posto que o custo da falta de uma peça pode ser extremamente alto para o consumidor.

Assim sendo, a estrutura de serviço pós-venda precisa estar permanentemente preparada para minimizar os custos decorrentes da falha de uma peça nos equipamentos de seus clientes.

Em determinados casos, quanto maior o impacto da falta de peças de reposição para o usuário, maior deve ser a velocidade do fornecimento de insumos e realização do reparo, sob pena de responsabilização pecuniária objetiva da assistência técnica e do fabricante, tudo conforme entendimento jurisprudencial exemplificativo abaixo listado:

"RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE DO PRODUTO PELAS PEÇAS DE REPOSIÇÃO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

A fabricante de produtos colocados à disposição dos consumidores no mercado é responsável pelo fornecimento de peças para substituição das defeituosas ou reposição das danificadas, devendo responder pelos prejuízos decorrentes da demora em fornecê-las".

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(TJ/MG - Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais - Apelação Cível Nº 420.922-5 da Comarca de BELO HORIZONTE - Apelante: FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA. e Apelado: FÁCIL - FERNANDO ÁLVARES COMERCIAL E INDUSTRIAL LTDA. E OUTRA).

Apresenta-se, pois, a proteção pós-venda outorgada pelo Estado aos consumidores, obrigando os fabricantes a oferecer peças de reposição dos equipamentos não apenas durante a vida útil do produto, mas também em prazo célere compatível com as necessidades do adquirente, sob pena de responsabilização pecuniária objetiva.


6 – CONCLUSÕES.

Tratou o presente estudo do prazo de manutenção da fabricação de peças de reposição, sob a ótica do Direito Brasileiro e Português.

Em Portugal, o assunto é regulamentado integralmente pela Lei de Defesa do Consumidor, que estipula o período de "duração média normal" - expressão similar à "vida útil" - como prazo mínimo para fabricação de peças sobressalentes.

No Brasil, deparamo-nos com a inexatidão do Código de Defesa do Consumidor, que repassa ao Decreto 2.181/97 a prerrogativa de elencar o prazo mínimo de fabricação de peças de reposição.

Tal Decreto, em termos similares à Lei portuguesa, indica a vida útil do produto como parâmetro para a produção de peças sobressalentes por parte das fabricantes.

Em ambos os países, deparando-se com o infinito número de produtos, preferiram os legisladores vincular o parâmetro objetivo de obrigatoriedade de fabricação de peças de reposição à vida útil de cada utilitário existente.

Por oportuno, ressalta-se a importância do célere fornecimento das peças de reposição aos consumidores, acobertados e indenizados pelos Tribunais pátrios no tocante à demora injustificada do reparo em seus equipamentos.


BIBLIOGRAFIA:

BELMONTE, Cláudio. Proteção contratual do consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil e em Portugal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover... [et al.] – 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O código de defesa do consumidor e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1997.


NOTAS

01 Artigo 99º da Constituição da República Portuguesa: "São objectivos da política comercial: a) A concorrência salutar dos agentes mercantis; b) A racionalização dos circuitos de distribuição; c) O combate às actividades especulativas e às práticas comerciais restritivas; d) O desenvolvimento e a diversificação das relações económicas externas; e) A protecção dos consumidores". (grifo nosso)

02Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover... [et al.] – 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. Página 246.

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Sobre o autor
Milton Gomes Baptista Ribeiro

advogado no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Milton Gomes Baptista. Da obrigatoriedade de fabricação de peças de reposição nas legislações consumeristas brasileira e portuguesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 745, 19 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7021. Acesso em: 2 nov. 2024.

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