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A Carteira do Trabalho

24/07/2005 às 00:00
Leia nesta página:

            A Carteira de Trabalho e Previdência Social encontra-se tutelada nos artigos 13 a 56 do Diploma Consolidado.

            Preambularmente, se faz necessário ressaltar que a CTPS não se confunde com as Carteiras Profissionais ou outros documentos de registro profissional similares, específicos de algumas profissões (notadamente das profissões liberais, v.g, a engenharia e a advocacia), expeditos pelas respectivas entidades de classe (CREA, OAB, etc.). De fato, os documentos em tela são distintos, com conteúdo e natureza jurídica e profissional totalmente diferentes.

            Doutrinadores de escol do Direito do Trabalho, bem como renomados estudiosos da História das Relações de Trabalho, prelecionam que os antecedentes mais antigos da CTPS remontam à Europa do final do Medievo e início da Era Moderna.

            É importante destacar que o documento em tela foi introduzido no nosso país pelo Decreto nº. 21.175, de 21 de março de 1932; bem antes, portanto, da outorga da vestuta CLT por Getúlio D. Vargas em 1943.

            No Brasil, inicialmente a CTPS apresentava um caráter facultativo, isto é, a sua expedição e respectivo uso não era obrigatório para os obreiros, mas atualmente, a partir de uma leitura mais atenta do caput do artigo 13 celetário, depreende-se que ela - CTPS - se tornou obrigatória para o exercício de qualquer modalidade de trabalho regido pela legislação consolidada e extravagante. Neste diapasão, é lógico concluir que o estagiário não tem CTPS.

            O autor destas linhas vislumbra que a CTPS, ao contrário do entendimento de determinados especialistas em Relações de Trabalho, sindicalistas e alguns poucos operadores do direito, nunca foi e não é um instrumento de controle de cunho político e econômico sobre o obreiro por parte do Estado e das respectivas elites dominantes.

            De fato, julgo que o documento em tela é de fundamental importância para o obreiro, pela singela razão de possibilitar ao empregado o reconhecimento de seus direitos trabalhistas e previdenciários.

            Como bem observa o ilustre professor e jurista Eduardo Gabriel Saad, "a exigência da obrigatoriedade do uso da Carteira independe da classe do contrato de trabalho: indeterminado, prazo certo ou obra certa, experiência." (1) E prossegue o eminente tratadista observando que "o empregador descrito no art. 2º., da CLT, tem de possuir sua Carteira de Trabalho. Vale, sobretudo, perante a Previdência Social." (2)

            Na esteira das considerações feitas acima, é importante destacar que a obrigatoriedade da CTPS inclui os estrangeiros que eventualmente possuem contrato de trabalho regular no nosso país, ainda que o aludido contrato laboral seja tácito.

            O art. 16 da CLT, com a redação dada pela Lei nº. 8.260, de 12.12.1991, estipula que a CTPS deverá necessariamente conter: 1)número, 2)série, 3)data de emissão, 4)folhas destinadas às anotações pertinentes ao contrato de trabalho e as de interesse da Previdência Social, 5)fotografia, de frente, modelo 3x4, 6)nome, filiação, data e lugar de nascimento e assinatura do empregado, 7)"nome, idade e estado civil dos dependentes do obreiro, se houverem, 8)número do documento de naturalização ou data da chegada ao Brasil e demais elementos constantes da identidade de estrangeiro, quando for o caso" (CLT, art. 16, inciso IV).

            O parágrafo único do artigo celetário em epígrafe determina que a CTPS somente poderá ser fornecida ao empregado mediante a apresentação de: 1)duas fotografias com as características mencionadas no inciso I do artigo em foco, 2)qualquer documento oficial de identificação pessoal do interessado, no qual possam ser aferidas as informações referentes ao nome completo, filiação, data e lugar de nascimento do obreiro.

            A anotação do contrato de trabalho na CTPS do trabalhador é obrigação do empregador, eis que constitui norma cogente. Portanto, creio que ser razoável a tese jurisprudencial que postula que o fato do empregado ter apresentado a CTPS após o ingresso na empresa, não assegura ao empregador o direito de anotá-la com data diversa daquela em que aquele iniciou a efetiva prestação de serviço (no caso, vide o decisum da 1ª. Turma do TRT da 3ª. Região no RO nº. 9.323/2000, publicado no Diário de Justiça do Estado de Minas Gerais de 07.04.2001, tendo sido relator do aludido recurso o Excelentíssimo Juiz Maurílio Brasil).

            Data venia daqueles doutos que adotam entendimento diverso, perfilho a tese defendida por Canelutti e outros doutrinadores segundo a qual a CTPS "... é um documento declarativo de vontade e constitutivo de direito." (3)

            Acolho, também, o entendimento jurisprudencial que postula a tese de que, "por se tratar de matéria de ordem pública, a anotação do contrato de trabalho na CTPS do obreiro deve ser determinada de ofício, independentemente de requerimento da parte (teoria da ultrapetição) ou, até mesmo, em caso de omissão na sentença condenatória." (4)

            A 4ª. Turma do egrégio TRT da 3ª. Região proferiu decisão entendendo que "cabe ao empregador, havendo equívoco no registro do salário, ressalvá-lo no campo próprio da carteira de trabalho e não apenas rasurá-lo o que, como é sabido, enseja questionamentos futuros, mormente quando se trata de quantia paga a título de remuneração pelo trabalho prestado. Inexistindo qualquer ressalva e havendo rasura no valor anteriormente anotado, o que se verifica pelas cópias xerográficas da carteira profissional, procede o pedido de retificação da CTPS para fins de fazer constar o valor anteriormente registrado." (5)

            Por seu turno, a nossa mais alta corte trabalhista em vários dos seus julgados acabou firmando entendimento segundo o qual não induz à rescisão indireta do contrato de trabalho a simples falta de anotação na CTPS do empregado. (6) O mesmo Tribunal também já entendeu que a anotação do vínculo de emprego, cujo reconhecimento é imprescritível, não está sujeito, por via de conseqüência, ao prazo prescricional de 2 (dois) anos previsto na atual Lex Fundamentalis. (7)

            Anotações desabonadoras na CTPS do obreiro são terminantemente vetadas. No caso, vislumbro que a eventual prática desta espécie de anotações enseja o ajuizamento de ação de indenização por danos morais em sede trabalhista, independente das demais sanções legais cabíveis.

            A baixa na CTPS decorre da obrigatoriedade do registro e tem natureza declaratória, sendo um direito irrenunciável do obreiro.

            Por outro lado, a demora na baixa da CTPS não enseja o percebimento de salários. (8) No caso, acatar entendimento contrário, concessa maxima venia, é simplesmente assumir posição teratológica, eis que configuraria enriquecimento sem causa por parte do empregado.

            O ilustre professor e jurista Valentin Carrion, com a sua habitual maestria, preleciona que "a obrigatoriedade da anotação inicial se estende às modificações que venham a ocorrer nos dados essenciais ao contrato de trabalho (alteração da função, aumento ou modificação salarial etc.)" (9), bem como que devem constar na CTPS as seguintes anotações essenciais: "1)elementos básicos, ajustados pelas partes quando da contratação: salário e sua composição (tarifa horária ou de produção, valor da utilidade, habitação ou outros etc.), data da admissão, condições especiais, se houver (contrato por tempo determinado, experiência, aprendizado); 2)férias (art. 135); 3)períodos em que o contrato tenha permanecido suspenso ou interrompido; 4)acidentes do trabalho (art. 30); 5)alterações no estado civil e dependentes (inclusive a concubina, se satisfeitos os requisitos legais); 6)banco depositário do FGTS; 7)dados relativos ao PIS; 8)CGC do empregador e número da Comunicação de Dispensa para Seguro de Desemprego, quando da rescisão sem justa causa (Port. MTb 3.339/86); 9)serviço rural intermitente (L. 5.889/73, art. 6º.)." (10)

            O emérito tratadista Luciano Rossignolli Salem observa que "as Carteiras de Trabalho regularmente emitidas e anotadas servirão de prova nos atos em que sejam exigidas carteiras de identidade, como por exemplo, o Registro Geral (RG). E, especialmente, nos casos de dissídio na Justiça do Trabalho entre a empresa e o empregado por motivo de salário, férias ou tempo de serviço.

            A Carteira do Trabalho é emitida pelas Delegacias Regionais do Trabalho ou mediante convênio, pelos órgãos federais, estaduais e municipais da administração direta ou indireta; e na inexistência destes, poderá ser admitido convênio com sindicatos (art. 14, CLT)." (11)

            Por seu turno, o eminente professor e jurista Sérgio Pinto Martins destaca que "nas localidades onde não for emitida CTPS, o trabalhador poderá prestar serviços à empresa, até 30 dias, sem a referida carteira, ficando a empresa obrigada a permitir o comparecimento do empregado ao posto de emissão mais próximo. O empregador, nesse caso, deverá fornecer ao empregado, no ato de admissão, documento em que constem a data de admissão, a natureza do trabalho, o salário e a forma de seu pagamento; sendo dispensado o trabalhador, sem a obtenção da CTPS, a empresa lhe fornecerá um atestado a respeito do histórico de sua relação empregatícia.

            Na impossibilidade de apresentação, por parte do interessado, de documento idôneo que o identifique, a CTPS será fornecida com base em declarações verbais, que serão anotadas na primeira folha da CTPS, nas anotações gerias, desde que confirmadas por duas testemunhas e mediante termo que será assinado por elas. Em se tratando de menor de 18 anos, as declarações serão feitas por seu representante legal. Não sabendo o interessado assinar a CTPS ou não o podendo, será ela fornecida mediante impressão digital ou assinatura a rogo." (12)

            Com fulcro nos §§ 1º. e 2º. do artigo 39 celetário, na hipótese de recusa do empregador de fazer a anotação na CTPS do reclamante, este ato será realizado pela Vara do Trabalho, não havendo, in casu, que se falar em multa a ser revertida em favor do empregado.

            Discutiu-se muito tempo, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência dos nossos pretórios trabalhistas, sobre se as anotações da CTPS geram presunção absoluta (juris et de jure) ou relativa (juris tatum). O debate foi pacificado pelo egrégio TST que, no seu Enunciado nº. 12, fixou entendimento que as anotações feitas na CTPS são relativas, podendo, portanto, ser invalidada por qualquer outra espécie de prova admitida no nosso ordenamento jurídico (perícia, prova testemunhal, etc.).

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            Entretanto, é óbvio que em se tratando de reconhecimento judicial de trabalho em tempo de serviço superior àquele anotado na CTPS, a prova em contrário deve ser robusta a fim de possibilitar o convencimento judicial, sob pena de ser elidida.

            À guisa de conclusão, é entendimento pessoal que a recusa da anotação da CTPS, e/ou a sua respectiva baixa por parte do empregador, constitui violação de Direito Trabalhista mediante fraude, a teor do disposto no caput do art. 203 do Código Penal Brasileiro. No caso, o magistrado ou tribunal trabalhista deve dar ciência ao Ministério Público, remetendo as peças necessárias da Reclamatória Trabalhista e prestando as eventuais informações pertinentes a fim de que o Parquet possa ajuizar a eventual ação penal cabível, a qual, diga-se de passagem, é pública incondicionada. (13)


Notas

            (1)Saad, Eduardo Gabriel: CLT Comentada. pág. 59.

            (2)Idem.

            (3)Nascimento, Amauri Mascaro: Curso de Direito do Trabalho. pág. 461.

            (4)Tal entendimento foi proferido pela egrégia 4ª. Turma do colendo TRT da 2ª. Região no Processo nº. 02970085954, Acórdão nº. 02980200837, publicando no Diário Oficial do Estado de São Paulo de 05.05.98, cuja relatora foi a Excelentíssima Juíza Sônia Maria Prince Franzini.

            (5)O entendimento jurisprudencial ora em comento foi proferido no RO nº. 0835/2002, cujo relator foi o Excelentíssimo Juiz Júlio Bernardo do Carmo.

            (6)O decisum em tela do colendo TST é o seguinte, ipsis litteris verbis: "EMENTA: Reconhecimento do vínculo de emprego e anotação na CTPS-Prescrição. O reconhecimento do vínculo de emprego pelo Regional enseja que a relação de emprego seja anotada na Carteira de Trabalho, conforme exegese do artigo 29 da CLT. Por isso, é inviável o entendimento de que a anotação do vínculo de emprego, cujo reconhecimento é imprescritível, conforme asseverou o Regional, tenha o Prazo Prescricional de dois anos, uma vez que tal obrigação é corolário da confirmação da relação empregatícia. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST/5ª. Turma - RR nº. 487.348/98 - 9º. Reg. - Rel.: Min. João Batista Brito Pereira - DJU, 26.04.2002)."

            (7)A título de ilustração do entendimento jurisprudencial em tepígrafe, trago a colação os seguintes decisum do egrégio TST, verbis: a)"EMENTA: Rescisão indireta do Contrato de Trabalho - Falta de anotação na CTPS. Não induz à rescisão indireta do contrato de trabalho a simples falta de anotação na CTPS do empregado, haja vista a existência de sanções legais para a hipótese de descumprimento dessa obrigação contratual. Assim, a ausência da referida anotação não constitui falta grave, na forma do art. 483, "d", da CLT, sobretudo quando o empregador não nega o vínculo de emprego, como ocorre na espécie dos autos. Recurso de revista conhecido e ao qual se nega provimento. (TST/4ª. Turma - RR nº. 422.701/98 - Rel.: Min. Ives Gandra Martins Filho - 2ª. Reg. - DJU, 14.06.2002); b)"EMENTA: Recurso de Revista - Rescisão indireta do Contrato de Trabalho - Falta de Anotação da CTPS - Gravidade Inocorrente. A simples falta de anotação da CTPS, não negado o vínculo, não é suficientemente grave a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, eis que o empregado dispõe de previsão legal específica para ver cumprida essa exigência e a regra do art. 483, "d", da CLT deve ser interpretada de forma restritiva, privilegiando o vínculo. Recurso conhecido, mas improvido. (TST/2ª. Turma - RR nº. 372.852/97 - Rel.: Juiz convocado José Pedro de Camargo - 12ª. Reg. - DJU, 16.11.2001 - pág. 508)."

            (8)Em apoio ao entendimento esposado acima, transcrevo o seguinte decisum do egrégio TRT da 1ª. Região, verbis: "EMENTA: CTPS-Baixa. Ainda que o empregador não proceda, de imediato, à baixa na CTPS do obreiro, tal fato não faz nascer para o ex-empregado à percepção de salários, porque estes são conseqüência da prestação laboral. (TRT/1ª. Região - 9ª. Turma - RO nº. 31.459/93 - Rel.: Juiz Mário de Medeiros - DJRJ, 29.08.96 - pág. 106)."

            (9)Carrion, Valentin: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. pág. 90.

            (10)Carrion, Valentin: ob. cit. pág. 91.

            (11)Salem, Luciano Rossignolli: Prática do Direito do Trabalho e sua Organização Judiciária. pág. 256.

            (12)Martins, Sérgio Pinto: Direito do Trabalho. pág. 421.

            (13)Como exposto em outro artigo de minha lavra, no decorrer de todo o período que exerço as minhas funções de servidor da Justiça do Trabalho, jamais tive conhecimento do encaminhamento ao Ministério Público (Federal ou Estadual), por parte de magistrado ou tribunal trabalhista, de notícia de violação à Direitos Trabalhistas para as providências legais pertinentes, e, conseqüentemente, desconheço o eventual ajuizamento de qualquer Ação Penal relativa a violação dos direitos em tela.

            Infelizmente, existem normas legais em nosso ordenamento jurídico que não passam de "letra morta", sem qualquer aplicabilidade prática.


Abreviaturas Empregadas

            art.: artigo.

            CLT: Consolidação das Leis do Trabalho.

            CTPS: Carteira de Trabalho e Previdência Social.

            DJRJ: Diário da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

            DJU: Diário da Justiça da União.

            Min.: ministro.

            nº.: número.

            pág.: página.

            Reg.: Região.

            Rel.: relator.

            RO: Recurso Ordinário.

            RR: Recurso de Revista.

            TRT: Tribunal Regional do Trabalho.

            TST: Tribunal Superior do Trabalho.


Referências Bibliográficas

            I.Legislação

            BRASIL: Decreto-Lei nº. 5.452/43. Institui a Consolidação das Leis Trabalhistas.

            BRASIL: Decreto-Lei nº. 2.848/40. Código Penal da República Federativa do Brasil.

            II.Doutrina

            ALVES, Ricardo Luiz: A Violação de Direitos Trabalhistas e o artigo 203 do Código Penal. In: Jornal Trabalhista Consulex. Ano XVIII, nº. 909. Brasília, 08.04.2002. Páginas 7-8.

            CARRION, Valentin: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 26ª. ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.

            MARTINS, Sérgio Pinto: Direito do Trabalho. 14ª. ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora Atlas, 2001.

            NASCIMENTO, Amauri Mascaro: Curso de Direito do Trabalho. 13ª. ed. revista e aumentada. São Paulo: Editora Saraiva, 1997.

            SAAD, Eduardo Gabriel: CLT Comentada. 34ª. ed. São Paulo: Editora LTR, 2001.

            SALEM, Luciano Rossignolli: Prática do Direito do Trabalho e sua Organização Judiciária. São Paulo: Editora do Direito, 1998.

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Sobre o autor
Ricardo Luiz Alves

licenciado em História pela PUC/RJ, bacharel em Direito pelo Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), servidor da Justiça do Trabalho em Manaus (AM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ricardo Luiz. A Carteira do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 750, 24 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7027. Acesso em: 22 nov. 2024.

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