As cláusulas especiais de compra e venda são elementos acidentais que não afetam, em regra, a sua existência ou validade, mas sim o campo da eficácia do negócio jurídico, geralmente subordinando seus efeitos a eventos futuros e incertos, conforme comentam Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2017). Portanto, as cláusulas especiais ou pactos adjetos são previsões que têm o condão de alterar os efeitos da compra e venda, atribuindo feição diferente ao contrato compactuado.
CLÁUSULA DE RETROVENDA
A cláusula de retrovenda (cláusula/direito de retrato, cláusula de resgate, pactum de retrovendendo) confere ao vendedor o direito de reaver o imóvel que foi alienado, dentro de certo prazo, restituindo o preço e reembolsando todas as despesas feitas pelo comprador no período de resgate, desde que previamente ajustadas (art. 505 do CC). Tais despesas incluem as benfeitorias necessárias, conforme o citado texto legal. As benfeitorias úteis e voluptuárias devem estar fora deste preço, salvo se realizadas com autorização do vendedor, pois inexiste previsão legal neste sentido, devendo-se nortear tal hipótese em conformidade com o princípio da boa-fé objetiva.
A retrovenda, portanto, torna a compra e venda resolúvel, pois a aquisição do bem imóvel só restará plena quando ultrapassado o prazo decadencial de 3 anos, que é o período em que o vendedor poderá exercer o direito de reivindicar o bem. Assim, dentro de 3 anos (jamais superior a esse tempo), o vendedor poderá desfazer a compra e as partes retornarão ao status quo ante. O direito de retrato poderá ser exercido em prazo menor que o previsto pela legislação civil, mas para isso ocorrer deverá haver convenção entre as partes. Não se admite que as partes estipulem um prazo superior, caso em que será reputado não escrito somente o prazo excedente.
O prazo para o resgaste do bem é decadencial e é contado da data que se concluiu o contrato. Se o comprador se recusar a executar a cláusula, o vendedor, para exercer os direitos inerentes a ela, poderá depositar judicialmente os valores que o comprador fizer jus (art. 506 do CC). Esse artigo remete à possibilidade de ingresso da ação de resgate (procedimento comum - CPC/2015), onde o vendedor obterá o domínio do imóvel, constituindo eficácia erga omnes. Se o depósito judicial for insuficiente, o vendedor não terá a restituição do domínio da coisa, possuindo somente quando haver a integralidade do pagamento (art. 506, parágrafo único, do CC).
Importantes observações: a cláusula de retrovenda somente é admissível nas vendas de bens imóveis e não trata-se de nova alienação, é simplesmente o desfazimento do negócio jurídico original, pela ocorrência da condição resolutiva estabelecida pelas partes. A retrovenda possui natureza obrigacional e não real, apesar do CC reconhecer sua oponibilidade transindividual, se aproximando da concepção erga omnes típica dos direitos reais.
Nos termos do Código Civil, o direito de retrato poderá ser exercido pelo devedor ou pelos seus herdeiros e legatários, podendo ser oponível em face de terceiro adquirente (art. 507 do CC). Reconhece-se nesse dispositivo legal a transmissibilidade causa mortis da cláusula de retrovenda. Quanto à possibilidade de transmissão inter vivos desse direito, surgem discussões doutrinárias. Para Maria Helena Diniz não é possível a cessão por ato inter vivos, por tratar-se de direito personalíssimo do vendedor. Paulo Luiz Neto Lôbo, contrariamente, defende que seria possível a transmissão, inclusive por escritura pública. Flávio Tartuce se filia ao pensamento de Paulo Luiz, visto que não consta qualquer proibição expressa da lei nesse sentido.
Por fim, o art. 508 do CC trata da retrovenda conjunta. Um mesmo imóvel poderá reservar o direito de retrato para duas ou mais pessoas, e diante de tal hipótese e só uma delas o exercer o direito de resgate do bem, poderá o comprador intimar as demais para expressarem consentimento, mas prevalecerá o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito integral, portanto, não há a existência da retrovenda parcial.
DA VENDA A CONTENTO E DA SUJEITA A PROVA
A venda a contento (também conhecida como venda ad gustum ou com pactum displicentiae) e a sujeita à prova são institutos que obstam o aperfeiçoamento da venda enquanto o comprador não manifestar sua satisfação com o bem adquirido (condição suspensiva). A venda não se reputará perfeita enquanto o adquirente não manifestar seu agrado (art. 509 do CC). Conclui-se, portanto, que a tradição não gera a transferência da propriedade, mas somente a posse direta.
Enquanto o comprador não manifestar sua vontade de completar a venda, suas obrigações serão as de um mero comodatário (art. 511 do CC). Assim, ac ooisa pertence ao vendedor até o ato de aprovação.
O Código Civil não estabelece prazos para que o comprador se manifeste, assim sendo, tem o vendedor a prerrogativa de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que tenha conhecimento da ocorrência ou não da condição.
A diferença entre venda a contento e sujeita a prova são bem sutis, conforme comentado anteriormente, em ambos os casos há necessidade de manifestação do comprador, mas se diferenciam em relação a necessidade de fundamentação. Na venda a contento o aperfeiçoamento da compra depende exclusivamente do agrado do comprador e o vendedor não poderá alegar nada em relação a devolução do bem e a consequente resolução do negócio. Já na venda sujeita a prova, a resolução do negócio o comprador para exercitar a resolução do negócio reside no atendimento das qualidades asseguradas pelo vendedor e na idoneidade para o fim a que se destina (art. 510).
CLÁUSULA DE PREEMPÇÃO
Caso o comprador pretenda alienar futuramente o bem adquirido, deverá oferecê-lo primeiramente a quem lhe vendeu (preferente), caso esteja inserido a cláusula de preempção, também chamada cláusula de preferência, prelação convencionalou ou pactum Protimiseos. Cláusula aplicável aos casos de venda e dação em pagamento. Trata-se de nova aquisição e não um retorno ao status quo ante.
Não se refere somente a bens imóveis, como na retrovenda, mas móveis também. A notificação ao vendedor poderá ser feita judicialmente ou extrajudicialmente, e a venda deverá ser feita em igualdade de condições em relação a outras pessoas. Preempção não se confunde com perempção civil, este último instituto se refere a extinção da hipoteca pelo decurso de 30 anos. Em relação à preempção, há dois prazos: a preferência somente abrangerá o prazo de 180 dias para bens móveis e 2 anos para imóveis, contados da data da venda original. Transcorrido tais prazos, a obrigatoriedade da preferencia desaparecerá.
Após a notificação, o vendedor originário deverá se manifestar em 3 dias tratando-se de bem móvel, e 60 dias se imóvel, silenciando-se, caducará seu direito potestativo. Aplicam-se tais prazos se as partes não houverem estipulado de modo diverso, o qual poderão só aumentar os já dispostos no CC, mas não diminuí-los.
Conforme a leitura do art. 517, o direito de preempção é indivisível, isto é, estipulado a favor de dois ou mais indivíduos em comum, só poderá ser exercido em relação à coisa no seu todo. Sendo a coisa vendida sem o conhecimento do vendedor originário, este não poderá anular a venda ou ajuizar ação adjudicatória (ocorre isso só na prelação legal), mas subsistirá a possibilidade de pleitear perdas e danos, inclusive do adquirente que sabia da cláusula de preempção sobre o bem, onde responderá de forma solidária com o comprador. O prazo para ajuizamento da ação de perdas e danos são 3 anos (prescricional), uma vez que a ação é condenatória.
Diferenciando-se prelação legal e convencional:
Preempção legal: favor do condômino na compra e venda de coisa comum indivisível (art. 504) – cabe anulação da compra e venda ou adjudicação (efeitos erga omnes). Prazo decadencial de 180 dias.
Preempção convencional: cabem perdas e danos (efeitos inter partes). Prazo prescricional de 3 anos.
O art. 519 trata do direito de retrocessão em favor do expropriado. Pelo comando legal, se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para o qual se desapropriou, ou se não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado exercer o direito de preferência pelo preço atual da coisa, para, então, reincorporá-la ao seu patrimônio. Ocorre o desvio de finalidade, eis que o bem expropriado para determinado fim é empregado em outro, sem utilidade pública ou interesse social, o que se denomina tredestinação. Não havendo qualquer destinação da coisa, está presente o instituto da adestinação.
A natureza do direito de retrocessão é polêmica, tendo decisões no sentido de ser real e pessoal (cabendo apenas perdas e danos). Tartuce ensina que a eficácia real da retrocessão deve ser a regra.
Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.
A cláusula especial em comento é personalíssima, não transmissível inter vivos, tampouco mortis causas.
CLÁUSULA DE VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO
A venda com reserva de domínio também chamada de pactum reservati dominii se refere a uma cláusula especial que subordina (condição suspensiva) a transferência da propriedade de coisa móvel ao vendedor até o efetivo pagamento integral do preço. Assim, o adquirente terá apenas a posse da coisa vendida. Uma vez adimplido com a obrigação, opera-se a transferência automática do domínio ao comprador. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando essa lhe é entregue (art. 524 do CC). Trata-se do princípio res perit emptoris (a coisa perece para o comprador) como exceção ao princípio res perit domino (a coisa perece para o dono).
Em relação à validade formal da cláusula de venda com reserva de domínio, o CC estabelece que deve ser estipulada por escrito (art. 522) para valer contra terceiros (efeito erga omnes), precisando ser registrada em cartório próprio, sendo o de Títulos e Documentos, no domicílio do comprador. Não sendo levada a registro, a referida cláusula não produzirá efeitos perante terceiros, mas apenas efeitos inter partes.
Verificada a mora do comprador, o vendedor tem duas opções previstas no art. 526 do CC/2002, quais sejam: ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida. No entanto, para executar a clausula, deve o vendedor constituir o comprador formalmente em mora, seja pelo protesto do título, seja por interpelação judicial (art. 525). Justifica-se a necessidade desse ato porque enseja a possibilidade de purgação da mora pelo comprador.
É preciso destacar que a cláusula de venda com reserva de domínio não se confunde com a alienação fiduciária em garantia, esta última pode versar sobre bens moveis e imóveis e se trata da transferência da titularidade da propriedade do bem para o credor fiduciário como garantia do pagamento, visto que fiduciante comprou o bem de um terceiro e não pôde pagá-lo, solicitando um empréstimo a uma instituição financeira ou semelhante.
VENDA SOBRE DOCUMENTOS
A venda sobre documentos é também denominada crédito documentário ou trust receipt. Por essa cláusula especial, a tradição é simbólica (traditio longa manus), pois, conforme o art. 529 do CC/2002, em uma compra e venda em que tenha se estipulado tal cláusula, “a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos”.
Justifica-se o uso dessa cláusula pois agiliza a dinâmica contratual, possibilitando a conclusão do negócio jurídico sem a necessidade de analisar coisa que na maioria das vezes se encontra na detenção de terceiros, como um transportador, por exemplo.
REFERÊNCIAS
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2017.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2017.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: MÉTODO, 2017