O valor moral da indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro.

A comprovação intersubjetiva do dano moral

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21/11/2018 às 16:21
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3 - O BEM MORAL

As referencias doutrinárias e jurisprudenciais adotadas, mostram claramente uma orientação negatória da possibilidade da identificação do dano moral em sua própria natureza, de modo a mensurá-lo e tornar possível a estipulação do valor da indenização, cuja função tem dupla face.

É pacífico o entendimento de que para o titular do bem danificado (a vítima), a função da indenização é promover a reconstituição de seu bem, ao ponto de torná-lo “sem dano” ou, tanto quando possível, aproximar  ao máximo desse patamar de reconstituição, à mercê da satisfação do titular ou do juiz do processo, quando levada à decisão judicial.

Já para o agente do ato ou responsável pelo fato gerador do dano, a indenização tem o duplo papel, punitivo/pedagógico. Nisso concorda a grande maioria dos doutrinadores.

Antes de a Constituição Federal consagrar em seu art. 5°, V e X, o direito à indenização por dano moral, houve longa e intensa controvérsia quanto à existência desse dano. Após essa consagração, com a perda do objeto da discussão, os doutrinadores contrários a essa existência voltaram-se para o conteúdo do instituto jurídico, tentando retirar-lhe substancia, com expressões como “mero dissabor do cotidiano”, ou semelhantes. Como o faz Ademir Buitoni, in “Revisão do Dano Moral”, ao invocar o seguinte pensamento do desembargador Sérgio Cavalieri Filho segundo o qual, “... só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos."(19) Assim, buscam desqualificar a sensibilidade inerente à natureza humana. Para tanto, utilizam-se do instituto do Enriquecimento Sem Causa, previsto no art. art. 884 do código civil(20), equivocadamente, à mingua de melhores argumentos.

Ainda nos dias atuais, referem-se ao dano moral como sendo extrapatrimonial. Como se patrimônio devesse ser constituído tão somente de bens materiais, desconsiderando o fato de que a expressão “bem material” tem como elemento essencial o termo “bem” que designa afeição, interesse; desconsiderando ainda que o termo “material” é apenas um complemento do elemento essencial, identificando o objeto da afeição ou interesse.

O pensamento majoritário vigente mostra a sua atenção voltada exclusivamente aos valores das indenizações. É relegado ao mais completo esquecimento o fato de que o objeto da demanda é essencialmente a reação do indivíduo agredido contra a agressão, que é um ato injusto, indevido ou ilegal, cuja consequência é danosa e enseja reparo que se dá por meio da indenização como natural consequência.

Não é sem razão que adoção da Teoria do Valor do Desestímulo –Punitive Damage- no Sistema Jurídico brasileiro, tem se dado com a restrição o que visa ao impedimento de que sejam fixados altos valores de indenizações, com magnitudes semelhantes às que ocorrem nos Estados Unidos, país onde essa teoria tornou-se notória.

Em muitos julgados, tem sido utilizada a referencia aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, para demonstrar a modicidade contida no valor fixado, muitas vezes com o esquecimento de se demonstrar que esse valor é teor da responsabilização atribuída pelo magistrado ao responsável pela agressão.

As abordagens doutrinária e jurisprudencial feitas na busca de fundamentos para a fixação de valores da indenização por dano moral não se aprofundam o bastante de modo a alcançarem a natureza do dano ocorrido sobre a moral daquele que foi agredido e cuja indenidade é necessitada e pretendida. Os doutrinadores, que se dedicam a esse tema, em sua grande maioria, fazem-no observando-o como um objeto estranho à sua realidade, considerada exclusivamente material.

Todo esforço feito para fixar o valor numérico da indenização por dano moral, visando suprimir o dano moral, cuja existência não é verificada  mas presumida, por não ser material, resulta em admissão tácita da imprescindibilidade da efetiva identificação do dano moral, que leva à necessidade de ser identificado o “bem moral danificado” que, por sua vez, será detectado por meio moral e entendido através de perspectiva moral.

Mas antes de ser discutido o significado da expressão “bem moral”, é necessário que buscar o entendimento sobre o que seja “moral”. Para isso tomo a enciclopédia eletrônica Wikipédia como referencia de informação do significado do termo “moral”

Para Wikipedia, “... E assim, a palavra moral não traduz por completo, a palavra grega originária. É que êthica possuía, para os gregos, dois sentidos complementares: o primeiro derivava de êthos e significava, numa palavra, a interioridade do ato humano, ou seja, aquilo que gera uma ação genuinamente humana e que brota a partir de dentro do sujeito moral, ou seja, êthos remete-nos para o âmago do agir, para a intenção. Por outro lado, êthica significava também éthos, remetendo-nos para a questão dos hábitos, costumes, usos e regras, o que se materializa na assimilação social dos valores.[1]“

“A tradução latina do termo êthica para mores "esqueceu" o sentido de êthos (a dimensão pessoal do ato humano), privilegiando o sentido comunitário da atitude valorativa. Dessa tradução incompleta resulta a confusão que muitos, hoje, fazem entre os termos ética e moral.” Idem, ibidem Wikipedia, consulta em 24/02/2018(21)

A despeito de tantos conceitos do termo moral, voltados para diversos propósitos, pode-se deduzir que o valor moral é o que anima o indivíduo intimamente, não sendo acessível aos outros, senão quando verbalizado ou demonstrado de forma intersubjetiva, em contraposição ao valor material que é demonstrado de forma objetiva.

O fenômeno denominado “Dano Moral” é de todos conhecido  por todos reconhecido, mas considerado desmerecedor de maior atenção da Ciência Jurídica como objeto de estudo.

Entretanto, a evolução das relações sociais, impulsionada pelo avanço tecnológico que, ao dar acesso a grande número de pessoas aos meios de comunicação e, consequentemente, maior acesso a informações e à intelectualização, proporcionando ainda o estreitamento de relacionamentos pessoais que, em razão da distancia física e os contatos esporádicos e simultaneamente, distanciando as pessoas próximas e de contatos presenciais frequentes, proporcionadores de constrangimentos. Ambas as situações eram envolvidas em regras de etiqueta social, preservavam os indivíduos dos atritos de personalidade, característicos da natureza humana.

A mesma rede social que aproxima os distantes e distancia os próximos, permite que cada um experimente o ímpeto de sinceridade e autenticidade, pois, estando fisicamente só, sente-se próximo dos distantes e distante dos próximos, a um só tempo.

O afloramento dessa natureza humana rompeu as etiquetas sociais e nos dias atuais brindam as redes sociais com eventos e espetáculos inusitados que ganham proporções surpreendentes.

Esses fatores reunidos nos últimos 30 (trinta) anos, período de consolidação do Direito Constitucional Brasileiro, tendo os princípios ganho maior atenção como normas autoaplicáveis e, considerando ainda que o estudo do direito já não está mais circunscrito a quem a ele se dedica, mas a todos que por ele se interessarem, com os mais diversos modos de interpretação, para os mais diversos fins, compõem a realidade de uma sociedade cujos interesses, o conhecimento do direito, coletiva e individualmente.

Essa realidade está a clamar pelo reconhecimento daqueles que se acham na posição de pensar, ditar e distribuir a justiça.

Verifica-se perplexidade tanto da doutrina quanto do Poder judiciário o que impede a visão translúcida para a realidade a fim de vê-la tal qual é.

No clamor social podem ser identificados diversos elementos, dentre eles o Bem Moral que está na essência de todos os valores que a humanidade considera, embora seja ignorado como fator essencial a vivencia individual e coletiva.

O Bem Moral é o conjunto de valores que constitui o sustentáculo da existência equilibrada emocional e racionalmente do individuo humano.

Para o Filósofo romano Sêneca, “... O Bem Moral é o bem absoluto, no qual se realiza totalmente a felicidade, e graças ao contato dele todas as outras coisas se podem tomar formas de bem. Exemplificando: há coisas que em si nem são boas nem são más, tais como o serviço militar, a carreira diplomática, a jurisprudência. Se estas tarefas forem realizadas conformemente ao bem moral, começam a tornar-se bens e passam, de indiferentes, para a categoria do bem. O bem, em geral, depende de estar ou não associado ao bem moral; o bem moral é em si mesmo o bem; o bem em geral está dependente do bem moral, enquanto o bem moral depende apenas de si. Tudo quanto é simplesmente um bem poderia ter sido um mal; o bem moral, pelo contrário, nunca poderia deixar de ter sido um bem.” (Séneca, in 'Cartas a Lucílio')(22)

O caráter emocional do bem moral é a expressão (movimento) do sentimento do individuo quando em contato com algum aspecto da realidade externa que o estimula de modo confortável ou desconfortável. Já o caráter racional do bem moral se dá no exercício da ponderação, da avaliação e do julgamento desse encontro da intimidade individual com a realidade externa. “Razão é a capacidade da mente humana que permite chegar a conclusões a partir de suposições ou premissas. É, entre outros, um dos meios pelo qual os seres racionais propõem razões ou explicações para causa e efeito. A razão é particularmente associada à natureza humana, ao que é único e definidor do ser humano” (23).

O Bem Moral permanece sempre intacto quando, por sua própria iniciativa, o individuo entra em contato com a realidade externa que lhe oferecerá elementos de estímulos, de modo a tocar-lhe o sentimento que acionará a razão para a avaliação do efeito da provocação, momento em que a sua emoção é levada a responder ao estimulo externo. Essa resposta será positiva se o sentimento for interpretado pela razão como de conforto, ou negativa se sentimento for interpretado pela razão como de desconforto. Independente de qual seja o sentido da avaliação racional, esta terá como justificativa a iniciativa do contato, invalidando qualquer rejeição emocional no momento de desconforto.

Por outro lado, quando o contato com a realidade externa não decorre de iniciativa do individuo, mas sim de elementos circunstanciais que adentram a sua intimidade, provocando-lhe sensação que será agradável ou desagradável, de acordo com a avaliação racional, o Bem Moral sofrerá alteração positiva ou negativa.

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A alteração tida por positiva é aquela sentida como carinho, elogio, geradora de prazer ou satisfação. Já a alteração tida por negativa é aquela sentida como dor, humilhação, maltrato, perda, agressão; enfim, geradora de um desconforto.

A intensidade ou profundidade dessa alteração é inversamente proporcional à intensidade da alteração ou à sensibilidade do individuo. Se de um lado, a alteração positiva pode ser de tal ordem que surta efeito inebriante no individuo. De outro lado a alteração negativa pode gerar efeito devastador no ânimo dessa mesma pessoa.

É nesse contexto que surge como dano moral juridicamente considerado. A alteração do estado emocional negativa do indivíduo, provocada por circunstancia ou fatores externos a essa pessoa, alheias à vontade e iniciativa dela.

A Constituição Federal em seu art. 5°, V - assegura o direito (...) da indenização por dano material, moral (...) e no inc. X declara invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano (...) moral decorrente de sua violação.

A regulamentação da norma constitucional acha-se no código civil, cujo art. 186, confere ilegalidade ao ato gerador de dano moral, ao dispor que Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O legislador infraconstitucional houve por bem estender a mesma ilicitude ao ato cometido pelo titular direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. É o que dispõe o art. 187 do código civil.

A consequência dessas duas ocorrências legalmente prevista está disposta no art. 927 e seu parágrafo único, levando-as à conta de Responsabilidade Civil, para impor ao autor do comportamento ilícito a obrigação de indenizar aquele que sofre os efeitos de seu comportamento. 

Depreende-se de todos os dispositivos legais citados o fato de o dano moral cogitado pelo legislador receber deste a mesma consideração que o dano material e de imagem, desautorizando qualquer dúvida quanto à existência do patrimônio moral, assim como se tem como certa a existência do patrimônio material. Se assim não fora, o ato danificador não receberia tal qualificativo, tampouco adviria o dano como consequência.

Portanto, não assiste razão àqueles que insistem em caracterizar o dano moral como sendo de natureza extrapatrimonial, como que restringindo a ser parte do patrimônio somente aqueles bens que podem ser denominados materiais.

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Sobre o autor
MARCELO CORREA

Há 30 anos sou advogado, pos-graduado em advocacia cível, com atuações no direito administrativo, direito de trânsito, direito civil. Há 20 anos, como empregado da BHTRANS, empresa de transportes e trânsito de Belo Horizonte.

Informações sobre o texto

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