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A evolução do direito aéreo internacional e a Convenção de Chicago

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15/01/2019 às 14:25
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A CONVENÇÃO DE PARIS DE 1919

Embora se diga, e com propriedade, que a Convenção de Paris[32] fora a primeira a produzir uma Convenção Internacional para regular a aviação civil, não é de estranhar que ela tenha sido precedida de algumas convenções incipientes, como a que teve lugar também em Paris, a Conferência Internacional de Navegação Aérea, no ano de 1910, além das Conferências de Paz de Haia de 1899 e 1907, com vistas à evolução da aviação.

Também não é de se estranhar que esta mesma Convenção tenha ficado rapidamente desatualizada, face ao acelerado desenvolvimento do transporte aéreo, justificando as emendas de 1928 em Havana, de Varsóvia em 1929, e finalmente a Convenção de Chicago em 1944, que, por sua vez, também viria a sofrer pontuais atualizações por convenções e conferências que a seguiram.

Logo após o término da Primeira Guerra Mundial, durante a qual se assistiu ao emprego generalizado de meios aéreos para fins militares, tornou-se necessário organizar uma conferência internacional com o objetivo de concluir uma convenção reguladora da navegação aérea internacional.

As potências aliadas aproveitaram o momento propício dos tratados decorrentes do final da Primeira Guerra Mundial, para regulamentar desde o ponto de vista internacional, o regime da navegação aérea, por meio da Convention portant réglamentation de la navegation aerienne, baseada, fundamentalmente, nas leis marítimas já existentes. Assinada em 13 de outubro de 1919, em Paris, esta Convenção entrou em vigor em 11 de julho de 1922, mantendo-se até ter sido assinada a Convenção de Chicago, em 1944[33].

A Convenção de Paris, como se convencionou chamar, teve 3 (três) características distintas que, em certa medida, prenunciam a Convenção de Chicago. Quais sejam: 1ª) A Convenção consagra o princípio da soberania completa exclusiva dos Estados sobre seu espaço aéreo; 2ª) Estabelece o princípio da nacionalidade das aeronaves[34], e; 3ª) Instituiu uma organização incumbida de regular, através de normas comuns, a navegação aérea internacional, a Comissão Internacional da Navegação Aérea, ou CINA, que viria se desenhar como precursora da atual ICAO, com poderes bastante amplos quanto a decisões técnicas, aplicáveis aos Estados membros.

A CINA, cujas funções eram eminentemente técnicas, podia inclusive alterar algumas normas da Convenção, pela maioria de ¾ dos votos dos membros, desde que em matéria técnica, pertinente à navegação. E a sua função primordial era de padronizar o emprego de tecnologia da navegação aérea internacional[35]. Também foi criada a CITEJA, Comité International Technique d’Experts Juridiques Aériens, para o fim de estudos jurídicos do Direito Aéreo Internacional[36].

A Convenção de Paris foi a primeira grande convenção multilateral no domínio do direito aéreo e constitui, através de seu texto e da experiência da sua aplicação, uma enorme contribuição na preparação da Convenção de Chicago de 1944[37], objeto de estudo do ponto a seguir.


A CONVEÇÃO DE CHICAGO DE 1944

Já ao longo da Segunda Guerra Mundial, a dimensão da autonomia de voo das aeronaves aumentou significativamente. Estas evoluções tecnológicas transpuseram-se para a aviação comercial, provocando igualmente uma diminuição substancial no tempo de voo e o aumento do número total de passageiros transportados, o que permitiu um fluxo crescente de rotas nacionais e internacionais, o que contribuiu para que a comunidade internacional estabelecesse um conjunto de “princípios e medidas tendentes a desenvolver a aviação civil internacional de maneira segura e ordenada” [38].

O transporte aéreo de passageiros e cargas, feito por todo o mundo, necessitava de regras gerais que proporcionassem ao usuário de qualquer país e em qualquer aeronave, não importasse sua nacionalidade, segurança, regularidade e eficiência, além dum arcabouço jurídico que lhe garantisse segurança jurídica[39].

Além disso, certos fatores sociais e econômicos exerceram significativa influência para a realização da Convenção de Chicago, a saber: a) internacionalmente a aviação era vista como símbolo majestoso de paz e fraternidade entre os povos, derrubando preconceitos e fronteiras; b) a imprensa cuidava, na altura, de convencer a opinião pública do emprego pacífico dos transportes aéreos, e de suas imensas vantagens, um revolucionário meio de transporte; c) a necessidade de contatos internacionais entre o mundo ocidental, após o término do conflito mundial, o que só podia ser feito com segurança e rapidez desejadas por meio aéreo; d) o comércio internacional necessitava com urgência de transportes regulares, eficientes e seguros no processamento das trocas mercantis, e, somente uma rede de linhas aéreas internacionais bem distribuídas poderia fazer frente às crescentes necessidades da sociedade do pós–guerra; e) era igualmente necessário unificar as legislações internacionais que vigoravam até então, em regimes de acordos bilaterais, o que gerava incerteza e conflitos de interpretação e aplicação das leis, e insegurança aeronáutica.

Em consequência, à Convenção de Paris, seguiu-se – em grau de importância – a Convenção sobre Aviação Civil Internacional, em Chicago, em setembro de 1944. Cinquenta e dois países acataram o convite dos EUA, e compareceram à Convenção, que acabou por ser concluída em 7 de dezembro de 1944, composta de 96 artigos divididos em quatro partes: Navegação Aérea, Organização Internacional da Aviação Civil (OACI, ou ICAO, em inglês), Transporte Aéreo Internacional e disposições finais.

Constitui atualmente a base do sistema de direito internacional regulando a aviação, constituindo, ao fim e ao cabo, nas palavras de Baganha[40], “a carta da aviação civil internacional”, dada a sua quase “intemporalidade”.

A Convenção acabou por lograr o êxito pretendido, em grande medida, por ter alcançado seus objetivos iniciais, quais fossem: facilitar a inauguração das operações de transporte aéreo internacional, e promover o desenvolvimento ordenado da aviação civil internacional tão logo findasse o confronto bélico mundial, e, ao final dos trabalhos, fora produzida a chamada Convenção de Aviação Civil Internacional, e assinatura de 52 dos países dos seguintes documentos: a) — Acta Final, assinada por 52 países; b) — Um Acordo Provisório sobre a Aviação Civil, assinado por 40 países; c) — Uma Convenção relativa à Aviação Civil Internacional, assinada por 38 países; d) — Um Acordo relativo ao Trânsito assinado por 32 países; e) — Um Acordo relativo ao Transporte Aéreo Internacional regular, ou Acordo das Cinco Liberdades, ou simplesmente Acordo de Transporte, assinado por 20 países; f) — Os signatários da Acta Final aprovaram ainda um documento constituído por projetos de 12 Anexos técnicos que haveriam de constituir a base de futuros estudos com vista a conseguir-se a padronização internacional das normas e práticas recomendadas em matéria de navegação aérea internacional. Estes anexos, atualmente, são em número de 19 (dezenove).

A Convenção entrou em vigor oficialmente em 4 de abril de 1947. E sua importância resulta de 3 fatores, a saber: a) Beneficiou duma ampla adesão internacional, contando atualmente com 192 países signatários, transformando-a num dos instrumentos de direito internacional com mais vasto âmbito de aplicação territorial; b) Contém princípios que não podem ser afastados pelas outras fontes do direito internacional, nos termos do seu art. 82[41]; c) Certos princípios são declarados com validade universal pela Convenção, como exemplo, temos o princípio da soberania nacional sobre o espaço aéreo, que goza de efeito declaratório universal[42].

As pouquíssimas revisões sofridas pela Convenção (apenas 8 desde sua entrada em vigor), assim como o elevadíssimo número de estados participantes, que conta hoje com 192 membros, demonstra a abrangência geográfica, a força política e institucional deste diploma internacional, consolidando-a como a “carta magna” da aviação civil internacional hodiernamente.

A Convenção de Chicago é hoje a base legislativa de todo o Direito Aéreo Internacional, fonte na qual devem beber todos os Estados signatários – além de outros, tendo em vista o caráter de jus cogens que reveste grande parte dos regulamentos oriundos da Convenção – quando da formatação de seus regulamentos e normas relativas à aviação civil.

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Sobre o autor
Marcial Sa

Advogado especialista nas áreas de Direito Aeronáutico e Direito Internacional Privado. Mestre em Ciências Jurídico-económicas, e Doutorando no Curso de Doutoramento em Direito Económico e Financeiro Global, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - FDUL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SA, Marcial. A evolução do direito aéreo internacional e a Convenção de Chicago. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5676, 15 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70448. Acesso em: 4 dez. 2024.

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