ÍNDICE: INTRODUÇÃO.NOTA DO AUTOR.A LEGISLAÇÃO DO AUXILIO CONDUÇÃO . NATUREZA JURÍDICA DO AUXILIO CONDUÇÃO.DA CAUSAS DA INSUFICIÊNCIA DO AUXÍLIO-C0NDUÇÃO .DA NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PARA CUMPRIMENTO DAS DILIGÊNCIAS .UM NOVO CRITÉRIO PARA RESSARCIMENTO DAS DESPESAS DE DILIGÊNCIA DO OFICIAL DE JUSTIÇA .DO ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO DO ESTADO .PROJETO DE LEI COMENTADO INSTITUINDO A INDENIZAÇÃO DE DILIGÊNCIA .OBRAS CONSULTADAS
1. INTRODUÇÃO
"Eles não entregam cartas de amor, convites para uma boa festa, encomendas deliciosas e nem sempre trazem as melhores notícias. Os Oficiais de Justiça estão dispostos a tudo para cumprir como manda a lei seus mandados. Muitas vezes barreiras fazem parte do trabalho, como mães, cachorros e muros. Mas para quem decide encarar a profissão, é preciso ter muita disposição para caminhadas. Mesmo usando o carro para trabalhar, um bom sapato torna-se essencial"(Artigo de Tatiana Fiúza, In Consulex, n.104, www.aojus.org.br)
Cantado em prosa e verso, não resta dúvida de que a Profissão de Oficial de Justiça é uma das mais nobres. Somos uma engrenagem essencial ao funcionamento da justiça, "a longa mão do juiz".
Entretanto, esta engrenagem do Poder Judiciário resta avariada, ferida que está em seu orgulho, devido as inúmeras injustiças que está sofrendo.
"Já vai longe o tempo em que era bom ser Oficial de Justiça". É o que mais se ouve falar entre os veteranos de nossa profissão,nos corredores do Foro.
Atualmente, o fardo é muito pesado para o Oficial de Justiça. Vitimados que somos pelo estresse psicológico, ocasionado pelo enfrentamento diário de situações de tensão; vitimados por danos físicos ao organismo, mormente doenças da coluna vertebral. O que dizer da carga desumana de trabalho à qual somos submetidos, num mundo de liminares e tutelas antecipadas onde tudo passou a ser urgente, "para ontem"? E as situações de risco de vida vivenciadas diuturnamente pelos colegas, amplamente retratadas na imprensa nacional? E a avalanche de sindicâncias e processos administrativos que atormentam nossos colegas, muitas e muitas delas sem o mínimo fundamento legal? São realmente muitos os problemas vivenciados pela nossa classe.
Todavia, o tema que mais gera preocupação não é novo. É problema antigo, que cada vez mais provoca efeitos devastadores em nossas contas correntes e causa ranhura em nossa auto-estima. Falo do "auxilio condução", aquela verba de natureza indenizatória que deveria servir para ressarcir as despesas efetuadas em cumprimento dos Mandados e com isenção ou dispensa de prévio depósito da condução – os quais já são 90% ou mais dos casos em trâmite nos foros - e, que na verdade acaba ressarcindo uma irrisória parcela de nossos deslocamentos. A escalada desenfreada do ajuizamento de ações sob o pálio da assistência judiciária gratuita e outras isenções de condução, associado aos custos de locomoção, tornou inócuo o mecanismo criado em 1979, urgindo, pois, que se crie meios eficazes de ressarcimento do servidor público.
Este artigo não tem a pretensão de exaurir o tema, e sim, pretende contribuir no "front" de batalha, para o amplo debate da questão, que é objeto de constante estudo de nossa associação de classe(ABOJERIS). É questão de honra para os Oficiais, de resgate da auto-estima, de preservação de nossos vencimentos, que sejam encontrados mecanismos eficazes e duradouros que possibilitem o ressarcimento integral das despesas de locomoção no cumprimento do mandado.
2. NOTA DO AUTOR
O presente artigo não tem a pretensão de exaurir o tema proposto, e sim, suscitar, em linhas gerais, o amplo debate construtivo em busca de uma alternativa viável à presente realidade: a falência dos mecanismos existentes para ressarcimento das despesas de condução realizadas pelo Oficial de Justiça na execução dos Mandados e outras determinações judiciais, sobretudo nos feitos acobertados pelo manto da Assistência Judiciária.
O tom crítico, eventualmente dado a obra não tem o propósito de atingir os Poderes ou autoridades constituídas, ou melindrar à quem quer que seja. Não somos donos da verdade e disso temos plena consciência. Lançando nossa modesta opinião pessoal sobre o assunto, visamos contribuir acima de tudo para o fortalecimento do Poder Judiciário como órgão detentor da Prestação Jurisdicional, lembrando as autoridades que o Oficial de Justiça é peça fundamental desta "Engrenagem Judicial". Danificada a Engrenagem, por meio de legislações ineficientes, como a Justiça alcançará seus propósitos?
Portanto, caros leitores, sugestões e críticas construtivas serão sempre bem vindas, através do e-mail: [email protected]. Faço votos que esta semente lançada germine em solos férteis e produza bons frutos. Maio de 2005.
Adriano Rohde
Oficial de Justiça do Poder Judiciário do RGS
"Várias missões são delegadas aos Oficiais de Justiça diariamente, mas percebe-se que os mesmos só são lembrados nas horas que falham, quando não conseguem localizar um endereço ou um bem demandado. Para alguns críticos apressados houve preguiça do Meirinho, desídia da parte dele e outros adjetivos não publicáveis. Quando tudo dá errado, invariavelmente a culpa é do Oficial de Justiça. A sua fé de ofício é sempre posta em dúvida."
(Oficial de Justiça e a realidade de seu Ofício(II), por Boanerges Cezario e Levi Herbteh, Oficiais avaliadores da 6ª Vara Federal de São Paulo, in www.aojus.org.br),
3.A LEGISLAÇÃO DO AUXILIO CONDUÇÃO
O auxilio condução foi instituído através da lei 7.305, de 6 de dezembro de 1979. Recentemente, restou modificado pela lei 11873, de 20 de dezembro de 2002, que alterou o artigo 29 da lei 7.305/79, já com a redação da lei 10.972/97, estabelecendo assim:
" Artigo 1º - O auxílio destina-se ao ressarcimento das despesas com condução nas causas com Assistência Judiciária Gratuita e nos feitos do Juizado Especial Cível, além daquelas onde o Ministério Público e a Fazenda Pública Estadual figurem como partes..........."
Observa-se que desde 1979, não houve nenhum acréscimo substancial nos percentuais à incidirem sobre o vencimento do Oficial de Justiça. Quem, por exemplo, anteriormente à lei vigente, cumpria mandados de natureza cível e criminal, agora, na novel legislação, foi contemplado com aumento no percentual de 10% a incidir sobre o vencimento básico em cada entrância. Em contrapartida à majoração, houve o acréscimo de serviço das atribuições do Juizado Especial Cível.
As modificações legislativas a respeito do auxilio condução, importaram na conseqüente alteração da redação do artigo 502 da CNJ, que passou a ter a seguinte redação:
" Art.502- A central de Mandados ou cartório só expedirá Mandados cíveis a vista do comprovante de depósito bancário aludido no artigo 499 desta Consolidação, ressalvadas as causas em que for parte interessada o Estado do Rio Grande do Sul e suas autarquias, bem como aquelas em que as isenções ou a dispensa de preparo prévio decorram de lei(Assistência Judiciária, Juizados Especiais Cíveis, Ministério Público) fazendo consignar a anotação respectiva no Mandado entregue ao Oficial de Justiça.
Parágrafo único- A fazenda pública Federal e a Municipal, suas respectivas autarquias e as entidades paraestatais em geral, bem como as entidades representativas de classe, não estão dispensadas do pagamento prévio devido aos oficiais de justiça, a titulo de despesas de condução."
A antecipação das despesas de condução se dá mediante prévio recolhimento em conta Bancária em nome do oficial de Justiça(artigo 499 e parágrafos seguintes da CNJ-CGJ). Nas Comarcas providas de Central de Mandados, a antecipação far-se-á mediante depósito junto à conta bancária da Central de Mandados, competindo a central assim que cumprido o Mandado, liberar o recurso ao oficial de Justiça. Nas Comarcas onde não há central de Mandados, a antecipação far-se-á mediante depósito em conta pelo oficial indicada.
É vedado ao Oficial de Justiça a cobrança das despesas de condução diretamente das partes e de seus procuradores, assim como a contratação ou intermediação de transportes(Artigo 505, da CNJ-CGJ).
Ao distribuir a Ação ou requerer o cumprimento de qualquer ato judicial no curso de processo, onde necessária a realização de diligência do Oficial de Justiça, as partes farão o pagamento das Despesas de Condução conforme o número de atos ali previstos(Artigos 455 e 456 da CNJ-CGJ.
O oficial de Justiça em nossa sistemática normativa, tem o dever funcional de cotar o valor das custas e despesas de todos os atos de Acordo com a Tabela de custas vigente. No caso dos Oficiais de Justiça Estatizados, tais custas sempre reverterão para o Estado, conforme consta no artigo 462 da CNJ-CGJ
" Artigo 462...........................................
Parágrafo único- O Estado não pagará custas ao servidor que dele recebem vencimentos".
Portanto, muito embora haja a obrigação de cotar as custas e despesas, tais reverterão sempre para o Estado. Isto se deve porque a cotação das custas e despesas tem o propósito de facilitar os cálculos pelo Contador do Foro, na hipótese de uma condenação da parte litigante. Inobstante, trate-se de processo onde concedido AJ ou onde há a isenção de custas, a obrigação de cotação se impõe. Isto porque, em certas circunstâncias, v.g., na ocasião da interposição de Recurso nos Juizados Especiais(artigo 42, parágrafo único da lei 9.099/95) o litigante recorrente deverá recolher as custas judiciais, ou ainda, na hipótese de ação que tiver tramitado sob o pálio da Assistência Judiciária ser julgada improcedente, o autor será condenado ao pagamento de custas, todavia, a exigibilidade do pagamento ficará suspensa até que se modifique o estado de pobreza da parte.
É de se clarear que, o Oficial de Justiça Estatizado não recebe custas pelos atos que praticar, em que pesem as imperfeições de redação contidas em vários dispositivos legais. Neste talante, observamos a redação imperfeita de dispositivo contido no Regimento de Custas onde expressa que o Oficial de Justiça receberá por avaliação 50% dos valores estabelecidos na Tabela "M": 0,2% "ad valorem", com mínimo de 1 URC e um máximo de 100 URC" ou mesmo na circunstância de fazer Arrematação que pode levar ao entendimento equivocado que receberia a Comissão de Leiloeiro.
As despesas de condução do Oficial de Justiça, serão sempre ANTECIPADAS, conforme o número de atos ali previstos, conforme consta do parágrafo 2º do artigo 499 da CNJ, parágrafo 5º do artigo 501, parágrafo 1º do artigo 503 e artigo 504, ambos da CNJ-CGJ.
Quando as circunstâncias não permitirem a imediata antecipação, o recolhimento deverá ser feito na primeira oportunidade processual, salvo expressa disposição judicial de seu pagamento ao final, devendo o Escrivão zelar pelo cumprimento desta determinação, conforme parágrafo 3ºdo artigo 499 da Consolidação Normativa Judicial da CGJ.(A Lei 8.960, nos incisos II e III, trata das hipóteses de pagamento à final da taxa judiciária).
O Oficial de Justiça, pois, somente recebe "Despesas de Condução", espécie do gênero Despesas Judiciais, a qual tem objetivo de possibilitar sua locomoção no cumprimento dos Mandados que lhe são carregados. Todavia, se o feito for gratuito(AJ), ou tiver como parte a Fazenda Pública Estadual ou suas autarquias, entre outras hipóteses legais, há a dispensa da antecipação do recolhimento desta Despesa. Para estes casos de isenção ou dispensa do recolhimento prévio o Oficial receberá o auxilio condução, conforme a legislação supra-mencionada,regulada a nível Administrativo pelo provimento 15/2003 da CGJ. Ao final destes processos, quando da condenação da parte ré, serão creditadas as despesas de condução à conta do Oficial de Justiça que participou do feito,bem como serão devidas as taxas judiciárias de estilo.
4. NATUREZA JURÍDICA DO AUXILIO CONDUÇÃO
A natureza jurídica do auxilio condução foi objeto de intensa controvérsia no meio jurídico, pelos reflexos, mormente o reflexo do imposto de renda a incidir sobre as verbas do auxilio condução.
A princípio, considerado como uma verba de natureza compensatória(que integra o salário), sofreu durante longo período o desconto de imposto de renda na fonte. Tal entendimento, modernamente, restou superado, sendo digno de nota inúmeros precedentes jurisprudenciais dos Tribunais Federais e do STJ, que clarificaram se tratar dita verba de natureza indenizatória.
Modernamente, seguindo a tendência doutras Cortes Judiciárias, o entendimento foi pacificado em nosso Tribunal de Justiça. Neste sentido, trazemos à lume, recente decisão do órgão Pleno do Tribunal de Justiça, que, ao julgar o Mandado de Segurança nº 70009522764, em 27/12/04, com objetivo de evitar a suspensão do pagamento da incidência do auxilio condução no terço de férias, 13º salário e afastamentos remunerados dos oficiais de Justiça do RGS, por maioria de votos denegou a ordem, sob o entendimento que a verba do Auxilio Condução é de natureza indenizatória. Colacionamos alguns extratos dos votos dos Desembargadores participantes de dito julgamento:
"Veja-se, portanto, que não se destina, consoante a mens legis, a compensar o trabalho realizado nos feitos em que não se cobram tais custas. Aliás, se assim o fosse, fatalmente seria parcela componente do próprio vencimento, e portanto, teria reflexo até mesmo na aposentadoria do servido. Destina-se, na verdade, à reposição das despesas, que pelas partes litigantes não serão repostas"
"O benefício denominado de auxilio condução tem nítido caráter indenizatório, não devendo incidir sobre o 13º salário, terço de férias, afastamentos remunerados e imposto de renda..."
" Trata-se de uma verba que só tem caráter indenizatório pelas despesas verificadas no dia a dia no cumprimento das diligências"
(MS citado, voto do Des. Paulo Moacir Aguiar Vieira, p.17)
"Tanto é verba indenizatória que nós abatemos, para o efeito, para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal, a parte do auxilio condução. Nós não computamos como despesa de pessoal, mas despesa de indenização"
( Voto do Des.Eugênio José Tedesco, Acórdão citado)
No mesmo sentido, o Tribunal Federal da 4ª. Região decidiu:
" O benefício denominado "auxilio condução", a qual se agrega a remuneração dos servidores ocupantes dos cargos de Oficial de Justiça, Oficial de Proteção à Infância e a Juventude e comissários de vigilância do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, tem nítido caráter indenizatório, não se configurando fato gerador do Imposto de Renda, a habitualidade dos ganhos, bem como o fato de ser calculado sobre o vencimento dos servidor(sem importar em reembolso por quilometragem, comprovação de despesas e prestação de serviços). Não desnatura-se a gratificação em comento a ponto de caracterizá-la como verba remuneratória..."
(TRF da 4ª. Região, 1ª. Turma, Apel. Cível n.590600, j. em 10/12/2003, Rel. Juíza Maria Lúcia Luz Leiria).
Quanto à posição adotada no STJ, cumpre mencionar, no mesmo sentido, o Acórdão do Min. Paulo Medina, da 6ª. Turma, DJ de 17-05-04, relativo ao Recurso Ordinário no Mandado de Segurança, n.11.436, do Piauí, no qual reconhece a natureza indenizatória de verba semelhante.
É digno de nota que, a decisão proferida no Mandado de Segurança intentado pela nossa associação classista(ABOJERIS) não transitou em julgado, havendo a possibilidade de ser revertida na instância superior. Todavia, embora sejam lamentáveis os reflexos financeiros sofridos pelos colegas com a perda de verba paga a 25 anos aos Oficiais de Justiça sobre o terço de férias, licenças remuneradas e 13º salário, dificilmente haverá reversão da decisão na superior instância, diante do entendimento consolidado em outros casos judiciais.
Em se tratando o auxilio condução de verba de natureza indenizatória, i.e., verba que não tem natureza salarial, mas com o propósito único de indenizar as despesas de condução (locomoção) do oficial nas diligências empreendidas em cumprimento de Mandados e outra determinação judicial, nas situações onde, por força de gratuidade ou outra isenção legal, ou mesmo dispensa prévia de antecipação de recolhimento, ao Oficial não seja paga dita verba. Assim, tal verba deveria ser de tal sorte que indenizasse integralmente toda a despesa de deslocamento efetuado pelo oficial no cumprimento do Mandado. Daí, de plano, se repele a nomenclatura utilizada em nossa legislação vigente de "auxilio condução", posto que imperfeita diante da natureza indenizatória de tal verba. Mais apropriado seria a utilização da terminologia "Indenização de Condução", "Indenização de Locomoção", "Indenização de transporte", "Indenização de Mandado" ou "Indenização de Diligência", que melhor auxiliaria a compreensão que dita verba trata-se de verba indenizatória das diligências externas que o Oficial de Justiça efetua em execução de Mandado ou outra determinação judicial. Preferimos empregar a terminologia de "Indenização de Diligência", posto que entendemos que esta expressão seria a mais apropriada para retratar a natureza de tal verba e sua finalidade essencial.
Por evidente, sendo verba de natureza indenizatória, a verba paga deveria ter o condão de ressarcir a integralidade das despesas de diligência que o Oficial, Mandado à Mandado, faz para cumprimento de todos os atos encerrados na ordem judicial. Todavia, não é o que ocorre na realidade vigente, onde a mencionada verba é paga de forma genérica, mediante um percentual variável incidente sobre o vencimento básico pago ao Oficial de Justiça, dependendo a entrância em que estiver lotado.
Equivocadamente, adota a legislação vigente, a "ficção jurídica", que este valor alcançado ao Oficial de Justiça seja suficiente para o ressarcimento de todas as despesas de diligências realizadas para cumprimento do conjunto dos Mandados Judiciais que lhe são carregados mensalmente. Entretanto, conforme se demonstrará no curso desta obra, a insuficiência da verba creditada na folha de pagamento a título de auxilio condução não tem o condão de indenizar todos os gastos do oficial, em razão de diversos fatores.