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Os contratos e o Código de Defesa do Consumidor:

algumas considerações acerca da nova teoria contratual

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01/11/2000 às 00:00
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5. PONDERAÇÕES FINAIS

O contrato nasce das relações particulares a fim de lhes imprimir segurança na consolidação do ajuste firmado. Da palavra que obrigava aos minuciosos instrumentos escritos do mundo hodierno o objetivo permanece o mesmo ao longo dos anos, garantir a realização da vontade das partes que celebram um ajuste. O objetivo do contrato permanece o mesmo, as acepções da palavra vontade que tomaram diferentes contornos ao longo desses mesmos anos. Preza-se a vontade livre, daí a percepção e necessidade de equilíbrio entre as partes hipo e hipersuficiente quando da celebração do ajuste.

Entende-se o Código de Proteção e Defesa do Consumidor como balaustre da contratação justa e equilibrada, cuja ratio é assegurar a vontade autônoma, racional do consumidor, a justiça contratual de Fouillée (15), vez que a injustiça não pode nascer do contrato, sendo fator exógeno a este. Tudo o que é contratual é justo. Espera-se que assim seja.


NOTAS

  1. BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. 3ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1931. p. 160.
  2. Code Civil, art. 1.134: "Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux que les ont faites".
  3. No sistema de trocas, cada qual das partes entregava à outra o objeto que não lhe era de interesse, obtendo o que lhe interessava, sem nada mais terem a reclamar, sendo considerado concluído o negócio. A paridade se demonstrava no interesse e na satisfação mútua.
  4. Nicole Charbin, apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 108.
  5. Gounot: "de la volonté libre tout procede, à elle tout aboutit", apud MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit. p. 37.
  6. A Prof. Cláudia Lima Marques elenca muitas dessas peculiaridades, advindas das modificações deflagradas nos mecanismos de produção e distribuição de produtos, dentre as quais se ressaltam os contratos de massa, por adesão, as cláusulas e condições gerais dos contratos, os contratos cativos de longa duração, estes intitulados pelo Prof. Ronaldo Porto Macedo Jr. como contratos relacionais.
  7. Orlando Gomes, em sua obra Contratos (Rio de Janeiro: Forense, 1997) faz a distinção entre liberdade contratual e liberdade de contratar, definindo a primeira como sendo a liberdade dos indivíduos avençarem negócio jurídico e a segunda como a liberdade dos contratantes estipularem o conteúdo do ajuste.
  8. BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos Contratos e dos Atos Unilaterais. Rio de Janeiro: Forense, 1990. P. 42
  9. GOMES, Orlando. Op. Cit. p. 24. "A liberdade de contratar, propriamente dita, jamais foi ilimitada. Duas limitações de caráter geral sempre confinaram-na: a ordem pública e os bons costumes. Entendia-se como ainda se pensa, que as pessoas podem regular seus interesses pelo modo que lhes convenha, contando que não transponham esses limites".
  10. PAUPERIO, A. Machado. Teoria Geral do Estado. 7ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 21. "Aliás, como ensina também Fleiner, o Direito público e o Direito Privado não se acham separados por um abismo. Pelo contrário, cada vez mais a interpenetração dos dois direitos se torna maior. Se o estado evolve à luz dos imperativos do direito privado, este sofre, por seu turno, indisfarçável influxo do Direito Público, que passa a presidir, cada vez mais, a maior número de relações jurídicas".
  11. IHERING, Rudolf von, A luta pelo Direito. 4ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1983. "O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a Justiça sustém numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito".
  12. "L’obligation apparait dÉs que le consentement est librement donné. C’est-la, trÉs logique. Peut être une condition nécessaire mais est-ce, en même temps, une condition suffisante? Autremen dit, tout contrat, acquiert-il force juridique du seul fait qu’il y a un accord de volonté libre ou bien doit-il en outre répondre à d’autres exigences d’utilité sociale, d’égalité, de justice? MOREL, Marie AngÉle Perot. De l’Equilibre des Prestations dans la Conclusion du Contrat. Paris: Librairie Dalloz, 1961. Tradução livre: A obrigação aparece a partir do consentimento livremente dado. Isso é lógico. Pode ser uma condição necessária, mas é ela ao mesmo tempo suficiente? Sob outra ótica, todo contrato adquire força jurídica do simples fato de ser um acordo de vontades livres ou deve ele responder a outras exigências de utilidade social, de igualdade, de justiça?
  13. Em face de sua importância perante o exercer de qualquer atividade relacionada à ciência jurídica, a boa-fé encontra resguardo perante a legislação. Representa a certeza de que a situação jurídica a se desenvolver sob o seu reflexo é dotada de credibilidade e validade perante o ordenamento no qual se insere. No caso de um contrato, a boa-fé é princípio inafastável da sua consideração enquanto instrumento destinado a constituir, modificar ou extinguir obrigações, vez que não se apresentar como existente e norteadora das ações dos contraentes, deflagra-se uma opressão, uma superposição de interesses e suas respectivas concretizações de uma parte em detrimento dos prejuízos causados a outra. A má-fé dá cabo à autonomia da vontade, suprime a volitividade inicial da contratação nos termos objetivados pelo contraente prejudicado, vicia o instrumento contratual, delineando a sua nulidade para a consecução dos fins aos quais demonstrava destino, em virtude da impossibilidade de se admitir que um instituto criado para sopesar e garantir uma relação jurídica satisfatória a suas partes constituintes seja voltada para a preponderância de individualismos exacerbados representantes de supressão imediata da paridade essencial à constituição de um contrato, independentemente da sua natureza.
  14. Anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor, tinha-se a intervenção estatal através da teoria da imprevisão, pela qual tinha-se a possibilidade de modificação das condições do contrato quando ocorresse uma imprevista e inevitável modificação significativa no contexto da época da contratação de forma a tornar a prestação excessiva e desproporcional para uma das partes. Pelo CDC, a modificação de cláusulas contratuais não se dá apenas quando ocorre mudança no estado de fato da época do estabelecimento do vínculo, mas desde que seja verificada uma a desproporção no sinalágma. No sistema de defesa do consumidor, não se requer a imprevisibilidade, mas apenas a desproporcionalidade, a lesão que se delineia a partir do momento que uma parte pode vir a ser beneficiada em detrimento de prejuízos da outra.
  15. "Tout ce qui est contractuel est juste", apud MACEDO JR. Ronaldo Porto. Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 67.

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Sobre a autora
Larissa Freitas Carlos

acadêmica de Direito na UFRN, em Natal (RN)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARLOS, Larissa Freitas. Os contratos e o Código de Defesa do Consumidor:: algumas considerações acerca da nova teoria contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/705. Acesso em: 19 abr. 2024.

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