O dia em que o Google anulou uma multa de trânsito

26/11/2018 às 08:00
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Neste artigo vamos desenvolver a tese em que, com a ajuda da tecnologia - especificamente o Google - o condutor conseguiu anular a multa de trânsito indevidamente aplicada.

Multa de trânsito - Sim, o título tem o claro intuito de chamar a atenção, foi apelativo. Não é preciso nenhum conhecimento jurídico para saber que o Google é incapaz de provocar a anulação de uma multa de trânsito. Mas, em se tratando nulidades existentes nos processos administrativos de trânsito, imperioso estarmos atentos a todos os detalhes e nos munirmos das tecnologias disponíveis com o fim de alcançarmos êxito em nossas demandas contra os órgãos autuadores.

Já falamos muitas vezes, mas sempre é bom repetir: muitos consideram uma perda de tempo percorrer todo o processo o processo administrativo com o fim de ver sanado o problema quando verificados erros nos lançamentos das infrações de trânsito.

Não podemos mentir. Efetivamente é desanimador quando sabemos ter razão e o órgão desconsidera todas as alegações e provas produzidas no bojo do procedimento administrativo. Mas pagar a multa de trânsito quando temos a convicção de que não cometemos infração não é o caminho e diante no novo Código de Processo Civil, que prima pela conciliação, acredito que a tentativa de solucionar administrativamente a questão conta pontos a favor do condutor, caso este seja obrigado a socorrer-se do Judiciário. Não podemos esquecer que o conteúdo produzido junto aos órgãos autuadores serão elementos de prova no processo judicial.

Reafirmamos, ainda, que mesmo tendo cometido a infração é possível não pagar as multas e sofrer as penalidades impostas pela legislação, desde que consigamos identificar erros que gerem nulidade do auto de infração e/ou quaisquer partes do procedimento adotado. São os erros formais. Se você nos acompanha, certamente já ouviu falar (várias vezes) sobre o tema.

O mais importante é utilizarmos os meios legais para alcançarmos vitórias em nossas defesas de multas. Com a utilização das técnicas corretas e criação de teses plausíveis (sim, entendo que o operador do Direito não deve se limitar aos dispositivos legais, mas esforçar-se para a criação de teses jurídicas relevantes para que seja praticada a justiça do caso concreto). É bem verdade que tais teses esbarram, na maioria das vezes, nos princípios da legalidade e da presunção de veracidade do ato administrativo, dentre outros. Por outro lado, os argumentos podem levar a reflexões que conduzirão, ao longo do tempo, à modificação da lei aplicável. Devemos "carregar" a mentalidade de que a justiça sempre está acima do Direito e que nem tudo o que é legal é justo.

O Google e a multa de trânsito

Voltando ao tema central, vamos analisar o caso em que o Google, de alguma forma, anulou a multa de trânsito.

Nosso objetivo é que você seja capaz de visualizar todo o contexto e "pense fora da caixa", utilizando estratégias que conduzam ao sucesso quando da elaboração do seu recurso de multa de trânsito. 

No caso em tela, o condutor foi autuado por, supostamente, estacionar a menos de 5 metros da esquina, contrariando o comando do art. 181, I, do Código de Trânsito

Art. 181. Estacionar o veículo:I - nas esquinas e a menos de cinco metros do bordo do alinhamento da via transversal:Infração - média;Penalidade - multa;Medida administrativa - remoção do veículo

O condutor apresentou sua defesa administrativamente sem êxito. Em sua inicial (já no processo judicial), o condutor sustentou que estacionou em frente a uma drogaria para adquirir um remédio. No local era permitido o estacionamento. Em contestação, o órgão autuador afirmou que a alegação do autor-condutor era inverídica e que o agente de trânsito anotou no Auto de Infração de Trânsito (AIT) a presença do veículo em outro local.

O juízo de 1ª instância julgou improcedente o pedido (o condutor perdeu) sob a fundamentaçao de que há presunção relativa de legitimidade do ato administrativo, cabendo ao autor-condutor comprovar suas alegações o que, segundo o juízo, não foi feito.

Sobre o tema, arrematam os ilustres autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo em seu manual:

... o ato administrativo obriga os administrados por eles atingidos, ou produz os efeitos que lhe são próprios, desde o momento de sua edição, ainda que apontada a existência de vícios em sua formação que possam acarretara futura invalidação do ato. Esse requisito autoriza, portanto, a imediata execução de um ato administrativo, mesmo se eivado de vícios ou defeitos aparentes enquanto pronunciada sua nulidade, ou sustados temporariamente seus efeitos , deverá ser cumprido (Direito Administrativo Descomplicado; 15ª edição, pg. 368/369).

Indubitável que tal prova, na maioria das vezes, é impossível. Afinal, basta o agente afirmar para que seu ato tenha valor. O mesmo não ocorre em relação ao público em geral, que não possui meios eficazes para desincumbir-se do ônus. 

O condutor recorreu. Na 2ª instância a conclusão foi pela inconsistência do Auto de Infração pelos seguintes motivos: 

a) Discrepância nos horários. O AIT aponta que a infração foi cometida às 10:00h. Provas nos autos indicam que às 09:59 o autor estava dentro da drogaria; 

b) Consta no AIT que o veículo estava estacionado em frente ao número 31 da rua. Com ajuda do Google Street View restou confirmado que o número não se localiza na esquina. Na realidade, o número citado encontra-se a 55 metros da via transversal, como aponta o Google Maps. Duas ferramentas do Google que levaram à conclusão de que a multa não poderia ter sido cometida nos termos apontados no AIT.

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Os desembargadores concluíram pela necessidade, diante dos erros flagrantes, pelo condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segue ementa da decisão:

Ementa. Apelação cível. Direito administrativo. Infração de trânsito. Cancelamento de penalidade. Mérito administrativo. Superação do paradigma da insindicabilidade do ato administrativo discricionário. Controle de juridicidade. Incidência dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Caso concreto a revelar inconsistência no Auto de Infração lavrado em desfavor da parte autora. O julgador deve se valer de todos os recursos que estejam à sua disposição na busca da verdade, sendo certo que o magistrado moderno tem acesso a instrumentos tecnológicos que, usados com prudência e razoabilidade, lhe permitem comparecer a determinados locais no mundo físico sem sequer precisar sair de seu gabinete. Utilização das plataformas Google Street View e Google Maps como forma de efetivar a norma contida no art. 442, I do CPC (art. 483, I do NCPC). Presunção de legalidade do ato administrativo que se afasta. Constatação de que a situação exarada no Auto de Infração discrepa da realidade dos fatos. Cancelamento da penalidade e da pontuação negativa lançada na CNH. Veículo que não estava estacionado a menos de 5 metros da transversal, tendo em vista que o local apontado como referência está localizado a estimados 55 metros da esquina. Reparação de danos. Responsabilidade civil estatal valorada sob a ótica da teoria do risco administrativo. Fato administrativo, dano e nexo causal verificados na espécie. Dano in re ipsa. Compensação arbitrada no valor de R$10.000,00, observada a lógica do razoável e os parâmetros da proporcionalidade. Provimento parcial do recurso, com fundamento no art. 557, §1º-A do CPC (AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL No 0029580-87.2011.8.19.0001 AGRAVANTE1 : MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO AGRAVANTE2 : DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – DETRAN/RJ AGRAVADO : JOÃO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA RELATOR : DES. PAULO SÉRGIO PRESTES DOS SANTOS).

Confira a íntegra do acórdão: Anulada multa de trânsito por inconsistência do AIT

Tecnicamente, a inconsistência do AIT é verificada quando presentes falhas capazes de gerar seu arquivamento. Neste sentido, o art. 281, parágrafo único, I, do CTB:
 

Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:I - se considerado inconsistente ou irregular.

O juízo, verificando atentamente os elementos constantes no auto de infração, foi capaz de identificar contradições que levaram à nulidade. 

Mais uma nulidade poderia ser ventilada. O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (MBFT) determina, nos casos de estacionamento indevido, com base no art. 181, I, que o agente da autoridade de trânsito deve informar se o condutor estava ausente ou se presente, recusou-se a retirar o veículo.
 

MBFT. OBSERVAÇÕES. Obrigatório informar se: "condutor ausente", ou "condutor orientado, recusou-se a retirar o veículo".

Vale ressaltar que nos casos em que o MBFT determina  que o campo "observações" seja preenchido, o desrespeito a tal comando também gera nulidade insanável.

Este é apenas um caso em que, fugindo do tradicional, o condutor conseguiu lograr êxito. Muitas das vezes precisamos lançar mão de instrumentos atípicos para a comprovação de nossas alegações.

Espero ter ajudado no aprofundamento da matéria.

Um abraço!

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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