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Efeitos da declaração de inconstitucionalidade na coisa julgada

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3 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA

3.1 BREVE ABORDAGEM ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Pensar em controle de constitucionalidade pressupõe a existência de escalonamento normativo, onde a Constituição ocupa papel de destaque e, inspira toda a normatização infraconstitucional. Daí não poder haver norma infraconstitucional contrária à ordem constitucional. É na Constituição que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo.

Logo, sendo a Constituição a lei fundamental da ordem jurídica do Estado e, considerando o princípio da supremacia constitucional, uma norma para ser válida necessita buscar sua validade na norma superior. Por outro lado, podemos deduzir que será inconstitucional toda atitude positiva ou negativa que esteja contrária à Constituição.

O modelo norte-americano de controle de constitucionalidade, inspirador do nosso, surgiu quando as 13 colônias se tornam independentes e fundaram um novo Estado, estabelecendo pela primeira vez uma Constituição instrumentalizada.

Os norte-americanos foram os primeiros a criar o controle da constitucionalidade. Em 1803, temos o famoso caso Malbury x Madison, em que um juiz norte-americano – Marshal – julgou que tinha o dever de verificar se as normas jurídicas são compatíveis ou não com a Constituição. É a primeira vez que surge a idéia de superioridade da Constituição. É onde surge também pela primeira vez o controle da constitucionalidade de leis federais em relação à Constituição Federal norte-americana. Este instrumento de garantia da Constituição antes não existia em lugar nenhum. Apesar de não ser algo totalmente original, já que os Estados realizavam uma espécie de controle constitucional em relação às normas estaduais, essa decisão do juiz Marshal é que vai passar para história a idéia de controle da constitucionalidade.

Marshal fez um raciocínio simples baseado em hermenêutica e no poder normal de um juiz na common law: as leis e as normas constitucionais devem ser aplicadas, existindo, porém, a possibilidade de ocorrer uma incompatibilidade entre elas. Os constituintes quando fizeram a Constituição estabeleceram um processo mais difícil para mudá-la do que para a legislação comum. Tendo o juiz de aplicar as leis, ele não pode aplicar duas normas (constitucional e infraconstitucional) que são incompatíveis entre si, terá de escolher uma delas. Qual das duas é que é a questão. Se o controle da Constituição é mais rígido tem um sentido de não se querer que ela seja alterada e se a lei ordinária conflitante for aplicada, mesmo que se diga que a Constituição não foi alterada, na prática ela ficou em segundo plano. Como a validade das leis depende do Congresso Nacional, fica óbvio a aplicação da Constituição e não da lei. [78] Assim o juiz Marshal opta pela norma constitucional. Aqui o efeito da decisão em tese deveria ser inter pars, mas como lá existe o stare decisis, que nada mais é do que respeito pelos leading cases, uma espécie de súmula vinculante, acaba que o efeito se torna erga omnes. [79]

É bom, desde logo, salientar que em matéria de controle de constitucionalidade somente é possível a sua verificação nos regimes constitucionais de natureza escrito-rígida, pois que presente a formal diferenciação entre as leis constitucionais e ordinárias, onde, manifestamente, as primeiras são dotadas de superioridade hierárquica em relação às segundas, como anteriormente examinado. É nas constituições rígidas que se verifica a superioridade da norma constitucional em relação à norma produzida pelo órgão constituído.

Assim também é a douta lição de Alexandre de Moraes:

A idéia de intersecção entre controle de constitucionalidade e constituições rígidas é tamanha que o Estado onde inexistir o controle, a Constituição será flexível, por mais que a mesma se denomine rígida, pois o Poder Constituinte ilimitado estará em mãos do legislador ordinário. [80]

Nesse sentido, o controle da constitucionalidade é o instrumento para reafirmação da Constituição. São mecanismos processuais criados para a defesa da ordem constitucional, sendo que havendo um ato do Poder Público em desacordo com a Constituição, impõe-se seu afastamento, para que a ordem constitucional prevaleça. De outro, sempre que os órgãos, políticos ou jurídicos, insurgirem-se contra a ordem constitucional, ocorrerá o que se chama de inconstitucionalidade.

O controle de constitucionalidade na Europa tem grande influencia do modelo austríaco de controle de constitucionalidade criado notadamente por Hans Kelsen. Para Kelsen a validade de uma norma deriva da outra acima dela. Se um poder do Estado cria uma norma ela vai entrar no sistema, mesmo que se choque contra o sistema. Este choque da norma traz uma disfunção, porque contradiz uma norma superior a ela. Sendo assim, o problema ocasionado deve ser solucionado. Dar ao juiz o poder de acabar com uma lei não é algo muito democrático. É muito poder na mão de um juiz e ele não é capaz para isso. Para Kelsen, uma lei, apesar de inconstitucional, é válida e vigente. Para revogá-la devemos criar um órgão especial e competente para isso. Um órgão escolhido politicamente: um tribunal constitucional que terá como função revogar as normas inconstitucionais. O processo de inconstitucionalidade não estará vindo de um caso concreto onde um juiz decidiu, o processo vem de um pedido de um órgão especial com legitimidade para realizar tal tarefa. Os particulares não poderão criticar a inconstitucionalidade, a expulsão da regra inconstitucional terá efeito erga omnes.

Assim, pelo que vimos controle de constitucionalidade é uma análise da compatibilidade de um ato do Poder Público (ato ou omissão) juridicamente relevante (geralmente normativa) com a Constituição, tanto no que concerne aos aspectos formais (observância do processo legislativo, por exemplo quando se tratar de uma lei) quanto no que tange aos aspectos materiais (respeito aos direitos fundamentais, por exemplo).

E, com vistas ao desempenho desta função, o conjunto de instrumentos constitucionalmente estabelecidos que visam determinar esta compatibilidade e, em caso de incompatibilidade, solucionar adequadamente o vício, assegurando a supremacia constitucional é de certa maneira bastante vasto.

O instrumental de que dispõe o intérprete da Constituição possui uma classificação da seguinte maneira: "enquanto o controle preventivo pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico, o controle repressivo busca dele expurgar a norma editada". [81] O controle repressivo é realizado tradicionalmente pelo Judiciário retirando do ordenamento jurídico o ato do Poder Público que fere a Constituição. Já o controle preventivo se dá através do Executivo e do Legislativo ao impedir que um ato normativo que vai de encontro à Carta Magna entre em vigência e tenha eficácia no ordenamento jurídico.

Desta forma, os sistemas de controle de constitucionalidade repressivos das leis são o político, o jurídico e o misto que é adotado pelo Brasil, pois se submete o controle tanto político quanto jurisdicional.

O controle de constitucionalidade repressivo feito pelo Judiciário possui dois critérios: o concentrado e o difuso. O controle, então, poderá ser concentrado, quando um só órgão decide sobre a inconstitucionalidade: Corte Constitucional. E poderá ser difuso, quando vários órgãos podem decidir pela inconstitucionalidade: qualquer juiz ou Tribunal decidirá incidentalmente.

É importante se fazer uma interpretação histórica e teleológica da lei, ou seja, ter em vista a época em que a lei foi elaborada e visar alcançar o significado que o legislador quis dar aos conceitos legais e a finalidade a que eles levariam. Assim, tanto o papel do juiz, tribunal ou da Corte Constitucional é de suma importância para o Estado de Direito. O controle de constitucionalidade, por sua vez, é o conjunto de instrumentos que permite verificar a inconstitucionalidade, estabelecidos na Constituição e que serão capazes de verificar se há ou não vício e, havendo, solucioná-lo.

O controle preventivo não será analisado no presente trabalho e a seguir faremos alusão ao controle concentrado e ao controle difuso.

3.1.1 Controle Difuso

O controle difuso é aquele tipo de controle que nos remete ao caso norte-americano em que todo órgão judicante tem o dever de zelar pela superioridade hierárquica da Constituição.

Para Flávia Figueiredo o modelo difuso de controle é tido por concreto quando, por via de exceção, em qualquer processo a parte alegar a inconstitucionalidade de uma norma em sentido amplo como fundamento para o julgamento da ação. A argüição é prejudicial e chamada comumente de incidenter tantum. [82] Naturalmente que a lei não é retirada do ordenamento, mas apenas não aplicada naquele determinado caso.

Nesse diapasão, o efeito da decisão se dá entre as partes da relação processual e a decisão tem eficácia ex tunc retroagindo à edição do ato normativo questionado.

Pelo modelo difuso a quantidade de intérpretes da Constituição é inimaginável, o que coaduna melhor primeiro com um sistema democrático de Estado e segundo porque resguarda com mais eficiência os direitos fundamentais. Essa ampla abertura democrática que possibilita uma gama de sujeitos suspeitar da inconstitucionalidade de uma norma ou ato normativo que regula um certo bem, ao mesmo tempo que é igualitária também é demorada por conta do processo no mais das vezes ter que adentrar nas alas do Excelso Pretório.

Há uma grande discussão na doutrina e na jurisprudência de que a prejudicial de mérito de inconstitucionalidade deva ser apreciada de ofício ou mereça provocação. O posicionamento de que pode ser de ofício é o mais correto, conforme já observado, pois há uma nulidade insanável da lei em questão. Outra peculiaridade encontra-se no fato de que atualmente os julgamentos incidenter tatum pelo Excelso Pretório tem tido caráter quase obrigatório que ensejaria a vinculação nos moldes do stare decisis do modelo norte-americano.

3.1.2 Controle Concentrado

O controle concentrado é aquele idealizado por Kelsen em que um órgão especial é responsável pela análise da questão constitucional. Tal meio de controle é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal no Brasil e permite que a questão constitucional seja abreviada, isto é, antecipada sua discussão.

O controle concentrado pode ser realizado pelas seguintes ações: ação declaratória de inconstitucionalidade, que pode ser interventiva (artigos 36, III, 102, I, a, e 129, IV da Constituição Federal), genérica que veicule matéria federal ou estadual (artigo 102, I, a da Constituição Federal) e por omissão (artigo 103, § 2º da Constituição Federal); ação declaratória de constitucionalidade (artigo 102, I, a, in fine da Constituição Federal com redação dada pela Emenda Constitucional nº 03/93) e; a argüição de descumprimento de preceito fundamental (artigo 102, § 1º da Constituição Federal com redação dada pela Emenda Constitucional nº 03/93) que numa visão moderna permitiria também o controle de leis municipais e leis anteriores à própria Constituição da República.

A segurança jurídica no método concentrado é homenageada sobretudo em função do efeito erga omnes de suas decisões. Seria irracional que em tal controle a decisão não valesse para todos, tendo em vista que o Supremo está lá é para isso mesmo: declarar a inconstitucionalidade ou não da norma sentido amplo.

Nas referidas ações a causa de pedir normalmente é mesmo a declaração de inconstitucionalidade/constitucionalidade do ato normativo fustigado. A decisão que ampara a constitucionalidade não tem grandes dificuldades posto referendar o texto legislado. Já a decisão que julga a inconstitucionalidade do ato normativo além de possuir o efeito erga omnes possui normalmente o efeito ex tunc. Assim, desde o nascedouro da norma ela é tida por inconstitucional. A obviedade dessa afirmação parece ululante, mas é aqui a grande questão do presente capítulo. Dissemos que a decisão normalmente possui o efeito ex tunc, ou seja, em alguns casos o Supremo Tribunal Federal dará efeitos ex nunc a partir do trânsito em julgado, conforme artigo 27 da Lei 9.868/99 e artigo 11 da Lei 9.882/99, sendo que a doutrina já aventa a possibilidade dos efeitos serem perpetrados apenas no futuro a partir de uma data prefixada pelo Supremo Tribunal Federal.

3.2 EXEGESE DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 741, DO CÓDIGO PROCESSUAL CIVIL

O artigo 741, parágrafo único, do Diploma Processual Civil possui a seguinte redação:

Art. 741. Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:

I – omissis;

II – inexigibilidade do título;

III – omissis;

IV – omissis;

V – omissis;

VI – omissis;

VII – omissis.

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

A regra descrita supra tem como fonte o Direito alemão que admite a impugnação, por meio de embargos à execução, de sentença proferida com base em lei declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. O comando contido no parágrafo único, do artigo 741

... é claramente inspirada em dispositivo do ordenamento alemão segundo o qual "não é admissível" a execução da sentença que houver aplicado lei inconstitucional. Talvez se pudesse pretender que uma tal inadmissibilidade implicaria carência de ação executiva, argüível na própria execução. No entanto, a mesma regra do direito alemão que alude à inadmissibilidade desautoriza essa conclusão, na medida em que expressamente indica a via cabível para a argüição do defeito: a medida prevista no § 767 do diploma processual alemão (ZPO). É a "ação de oposição (embargos) à execução", meio adequado para veicular "as objeções que afetam a própria pretensão determinada pela sentença" (§ 767, 1). [83]

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A posição do doutrinador seria, nas entrelinhas, de que também a sentença que houver aplicado lei inconstitucional não pode ser impugnada nos próprios autos da execução. Isto quer dizer que estaria vedado a utilização da exceção de pré-executividade. Inobstante essa percepção da norma vale dizer que o legislador conjugou o parágrafo único com o inciso II do artigo 741, "reconhecendo expressamente que a matéria é daquelas que pode ser conhecida até mesmo de ofício, estimulando o oferecimento das chamadas exceções de pré-executividade". [84]

O preclaro entendimento é compartilhado pelo professor Cândido Rangel Dinamarco que, calcado em Pontes de Miranda, observa

... a escolha dos caminhos adequados à infringência da coisa julgada em cada caso concreto é um problema bem menor e de solução não muito difícil, a partir de quando se aceite a tese da relativização dessa autoridade esse, sim, o problema central, polêmico e de extraordinária magnitude sistemática, como procurei demonstrar. Tomo a liberdade de tornar à lição de Pontes de Miranda e do leque de possibilidades que sugere, como (a) a propositura de nova demanda igual à primeira, desconsiderada a coisa julgada, (b) a resistência à execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações incidentes ao próprio processo executivo e (c) a alegação incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em peças defensivas. [85]

Essa forma de controle da coisa julgada material trazida pelo parágrafo único, do artigo 741, do Código Processual Civil que está diretamente vinculada à hipótese do inciso II é plenamente abrangida no direito brasileiro, pois sendo nula a coisa julgada inconstitucional, não se pode tê-la como título exigível para fins executivos. A certeza jurídica é um dos pressupostos para o título ser exigível, de forma que se a sentença transitada em julgado não possui tal certeza por ser nula não terá a exigibilidade requerida. O Poder Judiciário não pode fechar os olhos para tal situação criadora de decisões gravosas e injustas, sendo que o órgão judicante deve inclusive reconhecer de ofício a inconstitucionalidade da coisa julgada sem prazo preclusivo. [86]

Ultrapassada essa introdução do normativo e a possibilidade positiva da objeção na execução podemos identificar dois problemas básicos na redação do texto normativo que causam as discussões acima, além de outras ainda mais acirradas, e que serão analisados adiante.

O parágrafo único quando fala em "inexigibilidade" disse menos do que queria, pois não pretendia tornar o título inexigível verdadeiramente, mas causar um pretexto para os embargos e, por conseguinte, para a exceção que acabou criando um novo meio de controle de constitucionalidade das decisões judiciais.

Por outro lado, quando o texto normativo remete a "título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal" não deixa induvidoso se a declaração a que remete é no controle concentrado ou no difuso.

Mirando nos efeitos erga omnes do controle concentrado entendemos que este deve ser a espécie de controle aventado pelo legislador, lembrando sempre que se o Senado suspender a norma declarada inconstitucional no controle incidental (artigo 52, X, da Constituição Federal) adquirirá os mesmos efeitos erga omnes do controle concentrado.

Tal fato se dá para não criarmos uma situação, para muitos estranha, de talvez um acórdão do Superior Tribunal de Justiça transitado em julgado ser desconstituído através de embargos por um juiz singular que entenda pela inconstitucionalidade da coisa julgada baseado numa declaração de desconformidade constitucional em controle difuso (efeito inter pars). Neste caso, de o parágrafo único do 741 proporcionar os embargos no controle difuso, poderíamos imaginar que o órgão competente para julgar os embargos seria o próprio Superior Tribunal de Justiça, porque a tradição no Direito brasileiro é que o julgamento das rescisórias dos acórdãos dos Tribunais serão realizados pelos próprios Tribunais, isto é, cada Tribunal desconstitui seu julgado.

Noutra senda, se existe uma declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado seu efeito é para todos e vincula os órgãos do Poder Judiciário, podendo então qualquer órgão judicante declarar a inexigibilidade do título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pela vinculação existente.

Essa nova hipótese de embargos à execução fundada em título executivo judicial foi criada por medida provisória e aí entramos naquele requisito da relevância e urgência de uma norma processual. A Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, posteriormente proibiu a edição de medidas provisórias que tratassem de matéria processual. Temos primeiramente a Medida Provisória 1.997-37, de 11/04/2000, em que se discorria da seguinte maneira "título judicial fundado em lei, ato normativo, ou em sua interpretação ou aplicação declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal". Depois com a Medida Provisória 1.984-20, de 28/07/2000, ficou a redação do "título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal". Esse texto se repetiu na Medida Provisória 2.102-27, de 26/01/2001, e se mantém até hoje na redação determinada pela Medida Provisória 2.180-35, de 24/08/2001 editada antes da Emenda Constitucional já citada.

Eduardo Talamini ao atentar para as diversas redações do parágrafo único coloca ênfase na indeterminação dos significados do instituto ao dizer que

... a fluidez e largueza dos termos empregados são marcantes quando se coteja a regra com (sic) aquela sugerida no anteprojeto acima mencionado. Tal amplitude e vagueza podem dar margem a abusos. Evidentemente, os exageros podem ser cometidos por qualquer litigante, mas é razoável o receio de que advenham com maior intensidade precisamente daquele que criou a regra... (sic) Para evitá-los, o sentido e o alcance do dispositivo precisam ser adequadamente definidos em consonância com os ditames constitucionais. [87]

O Executivo Federal tinha endereço certo para a norma que eram as decisões que por motivo ou outro transitaram em julgado em desfavor da Fazenda Pública, mas que o Excelso Pretório já tinha decidido de modo contrário. A perda econômica do Estado era grande nestas situações notadamente quando se tratava de índices do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS não reconhecidos posteriormente, mas o Judiciário tem rechaçado a possibilidade aventada em casos de coisa julgada formada anteriormente à Medida Provisória [88]. A finalidade da Medida Provisória era o de

... evitar que aquelas ações nas quais se discutiam aplicações de índices referentes aos Planos Econômicos editados por diferentes Governos, e que já tinham decisão transitada em julgado com conteúdo diverso ao entendimento do STF pudessem ser executados contra a Fazenda Pública, ou necessitassem de Ação Rescisória, pois em muitos casos, já era decorrido o prazo de 2 anos. [89]

A inovação no âmbito processual civil se dá por conta da impugnação de matéria que é anterior à formação do título se assemelhando à hipótese do inciso I, do artigo 741, do Código Processual Civil que trata da "falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia", em que o processo é nulo ab initio. Tal fato vem apenas dar mais razão à utilização da ação dos embargos.

O crédito do exeqüente, quando não mais existente ou que já se haja reduzido e, ainda, ocorram razões que lhe retirem certeza ou liquidez merecem ser impugnados. Ademais, à sentença exeqüenda podem sobrevir atos, ou fatos, de natureza a tirar-lhe a eficácia, onde não mais seria admissível a execução.

E, neste ponto, é importante tratarmos da seguinte questão: se a sentença transitada em julgado é tida incompatível com a Lex Mater por fundamentar-se em norma posteriormente declarada inconstitucional como poder utilizar os embargos à execução se o que transita em julgado é o dispositivo do julgado? [90]

Talamini faz sua escolha da seguinte forma:

Nem de nulidade, propriamente, padeces essa sentença. Trata-se, isso sim, de sentença injusta ou errada. O defeito está no conteúdo da solução que ela dá à causa. Não reside nos seus pressupostos de existência nem de validade. Para confirmar o que ora se diz basta comparar essa hipótese com aquelas em que:

a) o juiz, por falha de interpretação, resolve a causa "aplicando" uma norma que não existe nem jamais existiu;

b) o juiz aplica uma norma que já estava revogada por ocasião dos fatos da causa.

Em tais hipóteses, verdadeiramente não há norma a amparar a sentença, mas nem por isso dir-se-á que o provimento inexiste. A decisão conterá um error in iudicando, um defeito de conteúdo. Só poderá ser revista através dos mecanismos de revisão legalmente previstos.

A inconstitucionalidade de uma norma apenas poderá acarretar propriamente a nulidade da sentença quando se tratar de norma processual reguladora de requisitos de validade da sentença ou de validade de atos que repercutam necessariamente sobre a sentença. [91]

A opção é por demais simplista e redutora de toda a tese exaustivamente já exposta. Assim, a invalidade da norma inconstitucional não acarretaria a nulidade da sentença fundamentada naquela norma por não ter afetado os pressupostos de existência do processo. Veja que a opinião do doutrinador limita-se ao caso dos embargos à execução e não aos outros meios de desconstituição da coisa julgada.

Mas é o próprio dispositivo da sentença que também vai colidir com a Constituição por sê-lo inconstitucional. A teoria da substanciação no direito processual civil brasileiro [92] instrui a todos que os fatos e fundamentos jurídicos do pedidos devem estar expostos na exordial. A lei está contida no dispositivo estando ela expressa ou não na ordem dada pelo juiz. [93] Ou na própria explicação de Liebman acerca da qualidade especial da coisa julgada:

Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutável, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato. [94]

Às vezes o dispositivo é tão absurdo que não se pode querer dar validade alguma de algo destoante do ordenamento e que é incompatível com a Carta Magna. Outras vezes o dispositivo é de uma injustiça patente e o valor Justiça é algo preconizado pela Constituição Federal e, então, o dispositivo novamente não poderia prevalecer. Em ambos os casos a sentença existe, mas lhe falta uma característica primordial, constitucionalidade, para gerar efeitos.

Da teoria de justiça de John Rawls se extrai a idéia de que não é qualquer alegação de injustiça que inviabilizará a aplicação do direito. É necessário que haja grave e evidente ofensa aos princípios da justiça, contidos na estrutura básica da sociedade, para que seja possível a resistência à norma injusta.

Os princípios da justiça idealizados por Rawls são as liberdades públicas ou direitos fundamentais, que a melhor doutrina jurídica sobrepõe a todo e qualquer direito ou dever, até mesmo de natureza constitucional, já que são alicerce do próprio Estado de Direito. Nesse sentido, é possível afirmar-se que toda lei injusta é inconstitucional.

Cândido Rangel Dinamarco completa o raciocínio reiterando que

... sentença portadora de efeitos juridicamente impossíveis não se reputa jamais coberta pela res judicata, porque não tem efeitos suscetíveis de ficarem imunizados por essa autoridade. Pode-se até discutir, em casos concretos, se os efeitos se produzem ou não, se são ou não compatíveis com a ordem constitucional, etc., mas não se pode afirmar que, sem ter efeitos substanciais, uma sentença, possa obter a coisa julgada material. Esse é um enunciado conceitual e metodológico, que se impõe independentemente de qualquer tomada de posição em relação aos valores políticos, éticos, humanos ou econômicos a serem preservados. [95]

O objetivo claro do parágrafo único parece ser o de possibilitar uma nova forma de desconstituição da coisa julgada em decorrência de uma decisão superveniente do Supremo contrária à tese por ela adotada. Resguarda-se a supremacia da Constituição e o papel de guarda do Supremo em relação a esta em detrimento da segurança da coisa julgada.

A garantia da coisa julgada tem que ser vista com os olhos postos em dois outros princípios: o da autoridade da decisão do Supremo e o da igualdade de todos perante a lei. Pense-se na hipótese, por exemplo, do trânsito em julgado de uma sentença que considere constitucional uma determinada contribuição previdenciária que deveria ser recolhida aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, mas que o contribuinte efetivamente não recolheu. O Instituto naturalmente irá executar a sentença para que as contribuições sejam quitadas. Seria razoável afirmar que mesmo a declaração de inconstitucionalidade posterior, pelo STF, da referida contribuição previdenciária não abarcaria este contribuinte do Instituto com trânsito em julgado pela constitucionalidade da contribuição, que ficaria em completa desigualdade com os demais contribuintes que efetivamente não pagarão o imposto? E o princípio da isonomia? A hipótese contida nessa nova MP, se não aceita, pode levar a injustiças dessa ordem e que agora possui o competente remédio processual.

Após toda essa descrição do parágrafo único, do artigo 741, do Código Processual Civil passaremos a tratar com mais afinco a problemática dos efeitos da declaração de constitucionalidade no controle concentrado, pois é a interpretação correta aqui defendida até porque se pudesse ser utilizado o novo dispositivo também na declaração em controle difuso não sobraria nenhuma utilidade à atribuição do Senado de suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

3.3 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA

A Constituição é a principal fonte de direitos do cidadão no Estado de direito. As forças políticas da sociedade se contrapõem tendo como pano de fundo sempre esse texto fundamental que vincula a atuação de todos, inclusive dos Poderes Públicos. Por isso Clèmerson Merlin Clève entende que a "Constituição pode ser visualizada como processo e como espaço de luta" [96], onde o cidadão busca a realização do direito.

Buscar a efetivação dos direitos garantidos na Constituição é outra vontade do cidadão que sempre encontra resistência primeiro nos Governos e posteriormente nas classes dominantes. A verificação da compatibilidade dos atos jurídicos se torna. O principal mecanismo de defesa ou de garantia da Constituição consistente na fiscalização da constitucionalidade.

Ao censurar os atos normativos violadores de preceitos ou princípios constitucionais o Excelso Pretório emite o acórdão de natureza jurídica declaratória (portanto, não constitutiva). Esta declaração conterá os seus efeitos que também foram objeto de discussão e posterior julgamento pelos Ministros. Os efeitos do provimento que reconhece a inconstitucionalidade hão de ser ex tunc ou ex nunc.

A tradição no Direito brasileiro é que no controle concentrado prevaleça o entendimento de que a lei declarada inconstitucional, independente de qualquer outro ato, seria nula ipso jure e ex tunc, naturalmente com efeito erga omnes.

Há algumas exceções elencadas tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina: casos dos atos do servidor nomeado e demitido com base em lei declarada inconstitucional, revisão de sentença criminal condenatória proferida contra texto expresso de lei e desobrigatoriedade de devolução de salário recebido com base em lei inconstitucional.

O Brasil, apesar da tradição, não fez sua opção no próprio texto da Constituição. Nas discussões da Constituinte que resultou na Constituição Federal foi analisada e rejeitada a proposta que autorizaria o Supremo definir se a decisão de inconstitucionalidade teria efeito ex tunc, ou a partir de sua publicação.

Posteriormente na Revisão Constitucional de 1994 foi apresentada uma proposta de introdução de um parágrafo único ao artigo 103 da Constituição Federal que tratava dos efeitos da declaração no controle concentrado.

Já em 1999, por meio de lei ordinária diga-se de passagem, o modelo brasileiro sofre uma grande mudança com artigo 27 da Lei nº 9.868/99 em que a eficácia da decisão que declara a inconstitucionalidade pode, de acordo com a interpretação que se der ao texto, se dar de um momento até pro futuro requerida sempre por razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social [97]. O artigo 27 apenas

... explicita a necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade por ocasião do controle das normas em via abstrata. Caberá ao Supremo ponderar se, em certas hipóteses, a supremacia da Constituição e a isonomia, princípios que justificam a atribuição de efeitos ex tunc ao provimento declaratório de inconstitucionalidade, não devem ceder espaço a outros valores constitucionais também relevantes (dignidade humana, boa fé, segurança jurídica...).

...

A regra da retroatividade absoluta e sem exceções acaba fazendo com que o tribunal constitucional, naquelas situações de conflito entre os valores acima mencionados, acabe muitas vezes simplesmente deixando de declarar a inconstitucionalidade da norma, para assim evitar gravíssimas conseqüências que adviriam da eficácia ex tunc dessa declaração. O poder de modulação dos efeitos do juízo de inconstitucionalidade afasta as soluções à base do "ou tudo ou nada" – permitindo o reconhecimento da inconstitucionalidade mesmo em casos como esses últimos. [98]

Diferentemente do modelo português de controle que já fez sua opção no corpo da Constituição expressos nos números 1 a 4 do artigo 282:

1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo favorável ao argüido.

4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos números 1 e 2.

No modelo alemão de controle de constitucionalidade somente era aceita a eficácia erga omnes e ex tunc. A mudança de paradigma se deu primeiro com a doutrina da incompatibilidade da lei com a Constituição concebida por norma que não tem declarada sua nulidade por causar uma distorção maior no ordenamento do que a própria declaração. Em seguida advém a técnica do apelo ao legislador consistente em o Tribunal Constitucional apelar ao legislador para que promova a mudança da norma antes que sobrevenha a inconstitucionalidade, constatando no julgamento a "ainda constitucionalidade", porém caminhando para um trânsito para a inconstitucionalidade. [99]

Claro está que o artigo 27 da Lei 9.868/99 vocifera pelo uso do princípio da razoabilidade e por essa perspectiva nada inovou, pois já citamos a importância de em determinados casos utilizar da sabedoria desse princípio. É bom ressaltar que não dá para dizer qual será o posicionamento majoritário do Supremo em face desse artigo, pois o uso da proporcionalidade se dá caso a caso.

Tais efeitos são importantíssimos para a teoria da coisa julgada inconstitucional já que dependo do efeito a coisa julgada apesar de veicular decisão írrita ao ordenamento constitucional se manterá inerte e estaremos diante da tese da "ainda constitucionalidade".

3.3.1 Efeitos ex tunc

Teixeira Filho já previa os efeitos retroativos e também da coisa julgada inconstitucional em sua obra:

Solução diversa, contudo, deverá ser adotada para a hipótese de o Senado Federal suspender a vigência de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (e com fundamento na qual a sentença passada em julgado foi emitida), porquanto seria desarrazoado pensar-se, aqui, em direito adquirido contra a Constituição; logo, a sentença seria rescindível, sob pena de ser mantida em perigoso antagonismo com a Suprema Carta Política. [100]

A definição dos termos da situação em que se insere a questão que vem submetida neste tópico se dá em reconhecer o âmbito e extensão do limite temporal dos efeitos de uma decisão do STF que declare a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma, perante uma ou várias decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, que reconheceu direitos e se fundamentou pela constitucionalidade das normas em causa.

A força obrigatória ou erga omnes significa a própria vinculação do legislador à decisão do Supremo. O legislador não pode reeditar normas declaradas inconstitucionais, isto é, criar lei para retomar o sentido anterior. Pode o legislador adaptar a norma para torná-la constitucional. Mas também significa que o próprio Supremo está vinculado àquela decisão, assim como todo o Judiciário e todo o Executivo.

Traduzindo: a decisão do STF é um marco que deve ser observado a todo custo, de forma absoluta. Ocorre que parece ser um contra-senso, pois estamos aqui discutindo a desconstituição da coisa julgada e dizendo a todo momento que nada é absoluto e vem uma declaração de inconstitucionalidade com seus efeitos dizer que é impassível de ser mudada.

Por isso o artigo 27 da Lei 9.868/99 é uma faca de dois gumes e deve ser usado com grande parcimônia, considerando que os termos segurança jurídica e excepcional interesse social são conceitos fluídos podendo ser manipulados para beneficiar esse ou aquele e considerando em determinado momento quem são os Ministros da Corte Constitucional.

Dado a seu caráter excepcional, qualquer limitação dos efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade deve ser reduzida ao estritamente necessário para salvaguarda dos valores que a justificam.

De maneira geral a eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade significa, pois, essencialmente, que a invalidade e cessação da vigência da norma declarada inconstitucional a partir do momento da entrada em vigor dessa norma e não apenas a partir do momento da declaração de inconstitucionalidade.

A declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes e ex tunc afetam diretamente a coisa julgada que se tenha formado em momento anterior à declaração, não podendo o STF determinar a manutenção de tais decisões transitadas em julgado, pois se assim o fizer estará dando efeitos ex nunc à sua decisão.

Havendo a declaração de inconstitucionalidade nos moldes aqui delineados estará ocorrendo também a nulidade das sentenças transitadas em julgado que se fundaram ou que aplicaram a norma declarada inconstitucional, o que constitui um fundamento autônomo para a revisão do julgado.

Alfredo Buzaid reconhecia sempre eficácia ex tunc e asseverava que

... verdadeiramente paradoxal de que a validade da lei si et in quantum tem a virtude de ab-rogar o dispositivo constitucional violado, ou em outros termos, considerar-se-iam válidos atos praticados sob o império de uma lei nula. Portanto, todas as situações jurídicas, mesmo aquelas decorrentes de sentença transitada em julgado, podem ser revistas depois da declaração de inconstitucionalidade... [101]

Não se pode perder de vista, porém, que no caso concreto a apreciação pelo órgão judicante sempre se dará com proporcionalidade, porque pode acontecer de a nulidade por inconstitucionalidade do caso julgado ser mais prejudicial ou causar mais dano à sociedade, por exemplo se um determinado tributo cobrado por muito tempo com normalidade fosse declarado inconstitucional e o Estado tivesse que devolver todo o dinheiro aos contribuintes. Esta idéia é totalmente consentânea com o ideário de nossa tese que refuta o absolutismo das coisas.

3.3.2 Efeitos ex nunc

A limitação temporal dos efeitos amplia o respeito à coisa julgada, mesmo que no mundo das elucubrações ela seja inconstitucional, tudo se passando como se, durante um certo tempo, para todos ou alguns dos seus efeitos, a norma não tivesse sido inconstitucional.

A concessão dos efeitos ex nunc, não retroativos, como exceção aos efeitos normais da declaração de inconstitucionalidade está firmada para garantir por razões de certeza e segurança a manutenção de efeitos contrários aos que resultariam da plena eficácia da declaração de inconstitucionalidade: os efeitos sem retroação garantem a certeza dos direitos ou posições jurídicas fundamentadas em decisão judicial que aplicou a norma com sentido diverso do que resulta de uma leitura constitucional posterior da norma.

Sob este aspecto é que para não ser desrespeitada

... a segurança jurídica e o princípio do não-confisco – este último no campo tributário –, imperioso é que se adote a técnica que vem sendo aplicada no âmbito das ações de controle de constitucionalidade, qual seja, a atribuição de eficácia ex nunc à deliberação que reconhece a existência de coisa julgada inconstitucional. A decisão invalidante apenas irradiará seus efeitos, neste contexto, para atingir os atos supervenientes, jamais os pretéritos. [102]

Não obstante a posterior declaração de inconstitucionalidade, para tais casos com efeitos ex nunc, a decisão judicial permanece nos limites definidos pela coisa julgada sobrevindo os efeitos de uma norma inconstitucional.

3.4 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

Totalmente opostas a situação de um julgado que aplica lei inconstitucional – ofensa diretamente contra à Constituição – de um outro julgado que deixa de aplicar uma lei posteriormente tida constitucional, pois nesta segunda hipótese a ofensa é contra a lei, portanto coisa julgada ilegal.

Neste diapasão, transcrevo o seguinte:

A recusa de aplicar lei constitucionalmente correta representa, quando muito, um problema de inconstitucionalidade reflexa, o qual, porém, não é qualificado pela jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal, como questão constitucional. Disso decorre que a hipótese deva se submeter ao regime comum das ações rescisórias por ofensa à lei ordinária e não ao regime especial de invalidação ou rescisão das sentenças inconstitucionais. [103]

Também é o entendimento esposado no seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça ementado pelo Ministro Franciulli Neto:

AÇÃO RESCISÓRIA. ARTIGO 485, INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 343/STF. CARÊNCIA DE AÇÃO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL.

...

No caso ‘de não aplicação de lei ordinária, por alegado motivo de ordem constitucional que mais tarde vem a ser afastado por mudança de orientação jurisprudencial, a ofensa que poderia ser divisada não é à Constituição, mas sim à lei ordinária a que a sentença não reconheceu eficácia. Não se pode data vênia, dizer que, na não aplicação da norma infraconstitucional, se tenha configurado uma negativa de vigência de norma constitucional, para declarar-se a própria sentença como inconstitucional, ipso facto, nula’ (cf. Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, ‘A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle’, Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP, Vol. III, ano 3, 1º trimestre de 2001, p. 93). [104]

Assim, tratando de ofensa à lei ordinária e não à Constituição desfigurada está a figura da coisa julgada inconstitucional, considerando a negativa de vigência de norma que sempre foi constitucional.

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Sobre o autor
Thiago Vinicius Vieira Miranda

Advogado, sócio do escritório Miranda e Missão Advogados Associados S/S.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Thiago Vinicius Vieira. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade na coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 750, 24 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7054. Acesso em: 20 nov. 2024.

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