Resumo: Os métodos alternativos de solução de conflito trouxeram ao longo da história um alento àqueles que buscam meios não convencionais de fugir à lentidão e ineficiência do Poder Judiciário, sem oferecer ao jurisdicionado a entrega da jurisdição devida. Vista disso, surgiram no Brasil entidades especializadas em promover a arbitragem, como modelo de negócio. Em Goiânia, de forma delimitada, existem diversas cortes ou câmaras privadas que fazem da arbitragem o seu negócio diário. Algumas, ligadas diretamente a entidades classistas, o que não é vedado pela lei, porém, provocam distorções e conflitos de interesses suscetíveis inclusive de investigações criminais. O mercado imobiliário goiano vem utilizando tais entidades privadas de forma recorrente nos últimos 20 anos, promovendo celeridade e economia quando comparado ao Poder Judiciário, porém, deixando brechas para o desvirtuamento a função precípua da arbitragem que deveria ser a entrega da tutela almejada, mesmo promovida por entes privados. A metodologia utilizada foi qualitativa, documental e exploratória, tendo como fontes de pesquisa bibliotecas virtuais e físicas, envolvendo análise da Constituição Federal, leis, doutrinas, artigos científicos, monografias, dissertações e teses desenvolvidas em nível de pós-graduação e que versaram sobre a temática proposta. Concluiu-se que, nas relações de consumo, prevalece o Código de Defesa do Consumidor, art. 51, VII, em face da Lei de Arbitragem, art. 4. § 2., visto que os direitos do consumidor são irrenunciáveis com viés de ordem pública, prevalecendo a máxima de que o fornecedor não vincula o consumidor, e sim este àquele.
Palavras-chave: Lei de Arbitragem; arbitragem; Código de Defesa do Consumidor; dicotomia; métodos consensuais; Poder Judiciário.
INTRODUÇÃO
A sociedade, quando transferiu para o Estado a tutela de seus direitos, igualmente concedeu poderes a Ele para resolver as questões que envolvessem litígios, e por isso, estamos acostumados e habitados à cultura litigante.
Ao longo da história da humanidade, sempre se utilizou uma forma de solução de conflitos que poderia “amenizar” a morosidade e elevados custos de utilizar o Estado para por fim a questões conflitantes
No Brasil, a cultura do ajuizamento de ações para busca de tutelas, abarrotou o Poder Judiciário, tornando-o moroso, ineficiente e caro.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, CNJ (2017), no levantamento intitulado “Justiça em Números”, somente em 2016, existiam em trâmite quase 110 milhões de processos.
Nesse sentido, e na busca constante de métodos alternativos de soluções de conflitos, temos o instituto da arbitragem, que nada mais é que a nomeação de um terceiro, imparcial e de confiança das partes (art. 13, Lei de Arbitragem), por ato volitivo destas, e que através de uma cláusula compromissória e um compromisso arbitral, transferem a este a função de julgar o litígio, como se juiz fosse (art. 18, Lei de Arbitragem), com o intento de entrega da tutela jurisdicional há muito renegada pelo Poder Judiciário.
O árbitro, figura central da arbitragem, tem o poder de julgar a contenda, e sua sentença é irrecorrível, valendo como título executivo judicial (art. 515, VII, CPC), e que não mais precisa ser convalidada pelo judiciário, como ocorria antes da publicação da Lei 9.307/96.
O presente trabalho buscará, de forma clara e objetiva, demonstrar que a arbitragem, utilizada em contratos de adesão provenientes de relação de consumo do mercado imobiliário e afins, não estão sujeitos à compulsoriedade de instituição de procedimento arbitral, mesmo atentando aos requisitos previstos na lei 9.307/1996, e que, consoante ao entendimento do Supremo Tribunal Federal em declará-la constitucional, não suprimindo o princípio da inafastabilidade da jurisdição, às escâncaras no art. 5., inciso XXXV, onde a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito, entende-se pela inconstitucionalidade do art. 4. da referida lei, por justamente, afastar a jurisdição estatal do consumidor, vulnerável e hipossuficiente.
1. ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
1.1 Aspectos conceituais
A arbitragem é uma técnica extrajudicial para resolver conflitos em que os direitos patrimoniais estejam disponíveis, sendo crescente o seu uso no Brasil e no mundo devido às vantagens que proporciona, como a celeridade e baixo custo, se comparado aos altos valores cobrados pelo Poder Judiciário, que além de serem onerosos, primam pela ineficiência e não entrega do seu principal objetivo: a tutela jurisdicional.
Dentre os conceitos proferidos pela doutrina, destaca-se Luiz Antônio SCAVONI JUNIOR (2018, p. 2), afirmando que “a arbitragem pode ser definida, assim, como o meio privado, jurisdicional e alternativo de solução de conflitos decorrentes de direitos patrimoniais e disponíveis por sentença arbitral, definida como título executivo judicial e prolatada pelo árbitro, juiz de fato e de direito, normalmente especialista na matéria controvertida.”
José Eduardo Carreira ALVIM (2007, p.1), vai mais longe e induz que “A arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis.”, e completa afirmando que “Esta definição põe em relevo que a arbitragem é uma especial modalidade de resolução de conflitos (...)”.
Está-se, portanto, diante de um método heterocompositivo de resolução de conflitos por meios extrajudiciais, deixando as partes de lado o poder estatal, titular da prática jurisdicional, eivado pela inércia, ineficiência e elevados custos, ou melhor, reconhecendo os titulares do direito uma jurisdição alternativa ao desgosto e decepção pelo Poder Judiciário, severamente incorporado na figura da ausência do próprio fazer jurídico e entrega da tutela pretendida pelos jurisdicionados, que buscam no juízo arbitral, o que não conseguiriam no estatal, com mais celeridade, e menor custo.
1.2 A arbitragem como método de solução de litígios no mercado imobiliário e a relativização do pacta sunt servanda
O instituto da arbitragem tem previsão expressa na Lei 9.307/96, demonstrando sua importância principalmente no disposto em seus dois primeiros artigos: “Art. 1º - As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.” e “Art. 2º - A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.”
No âmbito patrimonial previsto no “caput” art. 1º, SCAVONI JUNIOR (2018, p.16) diz se tratar de “relações jurídicas de direito obrigacional, (...), aquelas que encontram sua origem nos contratos, nos atos ilícitos e nas declarações unilaterais de vontade.", diferente daqueles inabilitados à Lei de Arbitragem, instados como indisponíveis, ou seja, “aqueles ligados aos direitos de personalidade, como o direito à vida, à honra, à imagem, ao nome e ao estado das pessoas”.
A grande maioria das incorporadoras/construtoras goianas instituiu em seus contratos de adesão a cláusula compromissória, que buscava vincular os consumidores à solução de conflitos futuros na jurisdição arbitral, o que, em tese, afastaria a jurisdição estatal, praticamente obrigado o consumidor a resolver o litígio em câmaras privadas, ligadas a sindicatos que representam as próprias fornecedoras.
É o que se chama habitualmente de pacta sunt servanda, onde o contrato faz lei entre as partes. GOMES (1998, p.36) sobre essa força obrigatória do contrato que: "celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos."
Não diferente, DINIZ (1993, p.63), discorre, sobre tal princípio, que “o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo um a verdadeira norma de direito".
A doutrina de TARTUCE e AMORIM (2014, p.43) esclarece que a massificação dos contratos de adesão motiva algumas discrepâncias de aplicações das regras comerciais “o que justifica a presunção de vulnerabilidade, reconhecida como uma condição jurídica, pelo tratamento legal de proteção.
Como bem exposto anteriormente, tal presunção não se torna absoluta ou juri et de iure, e, segundo os autores, (TARTUCE e AMORIM, 2014, p.43) “não aceitando declinação ou prova em contrário, em hipótese alguma, concluindo que "esta vulnerabilidade dependerá apenas da condição de consumidor do agente, devendo ser ignorada sua situação política, social ou financeira”.
Lado outro, há de se aventar a mitigação dessa autonomia da vontade, antes absoluta, porém atualmente relativizada, até porque nas relações de consumo há uma discrepância de forças, sendo o consumidor tido como vulnerável, em tom absoluto, e hipossuficiente, com previsão juris tantum, cabendo prova em contrário.
Ainda sobre a autonomia da vontade e sua relativização, Diniz (2009, p. 367) define muito bem o contrato de adesão:
(...) é aquele em que a manifestação da vontade de uma das partes se reduz a mera anuência a uma proposta da outra, como nos ensina R. Limongi França. Opõe-se a ideia de contrato paritário, por inexistir a liberdade de convenção, visto que exclui qualquer possibilidade de debate e transigência entre as partes, pois um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro (...), aderindo a uma situação contratual já definida em todos os seus termos.
Porém, é importante ressaltar que Cézar Fiuza (2008, p. 469) discorda que o contrato de adesão não se trataria de contrato paritário, onde as partes estão em pé de igualdade:
A doutrina vem empregando tradicionalmente o termo paritário, em vez de negociável. Não concordo, porém. Paritário é o que se forma por elementos pares para estabelecer igualdade. A expressão contrato paritário deixa a entender, erroneamente, que os contratos de adesão seriam leoninos, por conferir a uma das partes vantagem exagerada, em prejuízo da outra.
Ousa-se discordar de parte da doutrina, pois na prática o contrato de adesão impõe onerosidade excessiva ao consumidor, demasiadamente hipossuficiente nas relações de consumo, principalmente quanto à escassez de esclarecimentos quanto às leoninas e obscuras cláusulas, como exemplo, a multa unilateral em caso de descumprimento da avença contratual.
A informação clara e precisa ao consumidor, nos contratos de adesão, infelizmente, está em último plano, se é que não além desse, como prevê o art. 14 da lei consumerista de 1990:
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
O dispositivo criado pela Lei de Arbitragem, previsto em seu art. 4., propiciava aos contraentes a possibilidade de dirimirem futuros litígios na seara arbitral, utilizando a figura do árbitro, que se utiliza do método heterocompositivo de solução de conflito para por fim à demanda, longe do Poder Judiciário.
A história já apreciou a discussão em torno do tema autonomia da vontade, em 2001, quando o Supremo Tribunal Federal - STF declarou a Lei de arbitragem constitucional.
Muito se discutia sobre o conflito entre a lei ordinária e a Constituição Federal - CF em seu artigo 5., XXXII, onde claramente se atem o princípio da inafastabilidade da jurisdição, sacramentado no texto Magno.
Alegou-se à época o absolutismo da autonomia da vontade, como alhures, presunção juris et de juri, fator preponderante para a escolha em afastar a jurisdição estatal em face da instituição de resolução de conflitos por meios privados, maiormente pela instituição da cláusula compromissória nos contratos de adesão.
Essa chamada mitigação da autonomia da vontade tem firmado o entendimento dos tribunais superiores no sentido de torna-la relativizada, ao ponto de reverenciar a própria concepção das cláusulas avençadas, apesar de que o art. 46 do CDC expressamente prever que “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”
Porém, o permissivo consumerista, art. 47, em claro teor protecionista, sustenta que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”, sem sombra de dúvidas.
É evidente que o instituto da arbitragem é necessário para “socorrer” o Judiciário, no limbo da penúria da ineficácia plena, nos mais de 110 milhões de processos em trâmite, conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça no ano de 2016 (CNJ, 2016), sendo este instituto ferramenta primordial para que se faça justiça no tempo que não seja longínquo, como deveras em ocorrência. A morosidade do judiciário está em sua plena saúde, urgindo a necessidade de métodos autocompositivos e o dito heterocompositivismo arbitral.
1.3 Pragmatismo da arbitragem
O procedimento de arbitragem, regulado pela Lei 9.307/1996, seguirá o seguinte regramento:
a) partes Reclamante(s) e Reclamado(s) - contrato
b) cláusula compromissória e compromisso arbitral – espécies
c) convenção de arbitragem - gênero
d) o árbitro ou tribunal arbitral, formado por um conjunto de árbitros;
e) a instituição de arbitragem privada (opcional);
f) Leis e Regulamentos Internos
O início de qualquer procedimento arbitral se dá após a nomeação de um terceiro, chamado árbitro, que resolverá o litígio, decidindo se este ou aquele tem razão na demanda.
1.3.1 Cláusula compromissória e compromisso arbitral, espécies do gênero convenção de arbitragem
Previamente à celebração do contrato, estabelecem as partes a cláusula compromissória, que pode ser entendida como um negócio jurídico pré-contratual, que pode ser cheia ou vazia, onde, em tese, prevalece a espontaneidade e autonomia da vontade dos atores, denominando-se reclamante(s) e reclamado(s), que a estipulam com o fito de afastar o Estado-juiz de quaisquer litígios futuros. É o que se chama de vontade intrínseca das partes.
Contudo, a discussão do presente artigo tratará, exclusivamente, daquelas relações de consumo entabuladas entre adquirentes de imóveis diretamente com construtoras, regidos por um contrato de adesão, regulado pelo código consumerista em concomitância com a lei arbitralista, com marco inicial o firmamento de uma cláusula arbitral ou cláusula compromissória.
Alexandre Freitas CÂMARA (1997, p. 25) defende que a natureza jurídica da cláusula compromissória pode ser determinada diferentemente dependendo do entendimento que se fizer. Com eleito, pode ser considerada como um contrato preliminar ou pré-contrato, isto porque se trata de uma "promessa de celebrar o contrato definitivo, que é o compromisso arbitral.”
Em contrapartida, Carlos Alberto CARMONA (1998, p. 73) afirma que sua natureza jurídica pode ser vista como um "negócio jurídico processual", pois, segundo ele, prevalece a vontade das partes, e uma vez manifestada produz efeitos desde logo instaurando a arbitragem, independentemente de compromisso arbitral.
Há precipuamente em salientar que se ousa discordar do eminente doutrinador SCAVONI (2018, p. 96), quando em sua citada obra, afirma ser desnecessário o compromisso arbitral, bastando apenas a cláusula compromissória cheia para firmar a convenção de arbitragem, “a instituição da arbitragem independentemente do compromisso”.
É um despautério, com vênias, a alusão da desnecessidade da presença das duas espécies, cláusula compromissória e compromisso arbitral, espécies do gênero convenção de arbitragem, como às escâncaras no art. 3º da Lei de Arbitragem, claramente expresso no sentido de que “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”
Notadamente se verifica ao teor do supracitado artigo que a convenção de arbitragem se traduz na junção das duas espécies para que esta seja formada, e não apenas como “opção”, como entendem equivocadamente diversos doutrinadores.
Se assim o fosse, o Código de Processo Civil haveria de constar, tanto em seu art. 337, X, quanto no art. 485, VII, a expressão “cláusula compromissória”, em vez de “convenção de arbitragem”, quando em contestação o requerido argumentasse a presença do juízo arbitral previamente estabelecido contratualmente pelas partes e requeresse, em preliminar, a sua extinção, ante a presença da convenção, quando na verdade, existe apenas a cláusula arbitral, que se pondera singularmente ineficaz para tamanha heresia processual.
Portanto, cediço ressaltar que a convenção de arbitragem é o único instrumento capaz de instaurar procedimento arbitral válido, vez que se trata da junção entre a vontade intrínseca (cláusula compromissória) e a vontade extrínseca (compromisso arbitral), esta última, aliás, quando enfim é realizada a escolha do árbitro, pois naquela, sequer havia litígio instaurado.
ALVIM (2007, p. 172-174), em idônea lucidez, contempla esta mesma linha de pensamento quando afirma “sendo a convenção de arbitragem gênero que, no direito interno, tem como espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (...)”, ainda que o direito brasileiro dependa daquela e deste para a sua validade.”
1.3.2 Imparcialidade dos árbitros e o conflito de interesses
Pode ser árbitro uma terceira pessoa, de confiança das partes e escolhida por estas para conduzir a solução do conflito instaurado por um procedimento arbitral, proveniente de prévia avença contratual denominada “cláusula compromissória”, que, em tese, afasta a jurisdição estatal.
Em regra, o árbitro não precisa ter nenhuma formação jurídica, mas, para uma boa arbitragem, importante registrar que ter conhecimento do tema é requisito importante.
Pode-se afirmar também só ocorre a Arbitragem quando as partes envolvidas em um conflito escolhem uma pessoa, física - ou um tribunal arbitral, composto por três árbitros - de confiança, para solucionar a lide, as quais renunciaram expressamente à prestação jurisdicional estatal, como expressamente prevê o art. 13 da Lei de Arbitragem: “Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.”.
A Lei 9.307/1996 estipulou a confiança no árbitro como fato preponderante de sua instituição. ALVIM (2007, p. 255) pondera que “Pode ser arbitro qualquer pessoa física capaz, sendo este único requisito objetivo para ser investido na função arbitral (art. 13, primeira parte, LA), já que o outro – ter a confiança das partes -, sendo um requisito subjetivo (art. 13, segunda parte), é de difícil controle a priori.”, e completa mencionando Carlos Alberto CARMONA (1993, p. 101), afirmando que “o árbitro, além de capaz, deve ser alfabetizado, embora não mais se refira a Lei de Arbitragem aos “analfabetos”. (anexo 01)
Por fim, insta salientar o conceito de SCAVONI JUNIOR, que, “(...) tratando-se de pessoa natural, o árbitro deve ser absolutamente capaz, ou seja, deve ter capacidade de exercício pessoal dos direitos, o que significa dizer que não poder estar incluindo em nenhuma das causas de incapacidade relativa ou absoluta, determinadas, respectivamente, nos arts. 3º e 4º, do CC, sendo que a cessação das incapacidades se dá pela cessação das causas que a determinam e, para os menores, está disciplinada pelo art. 5º do CC”.
É incontroverso que o árbitro assume a função e o poder da jurisdição, uma vez que anteriormente e por óbvio, era algo somente inerente ao juiz investido no múnus publicum, incorrendo então com o mesmo objetivo que esse. Inocêncio Galvão TELES (2011, p. 22) aduz que “o árbitro é verdadeiro juiz ou julgador, não pode sofrer dúvida. Não o é habitualmente, por profissão, mas o é ocasionalmente, por função”.
Assim, o arbitro, quando na judicância, além de ser equiparado a funcionário público, também o é como juíz de fato e de direito, o que traduz e nos traz a Lei de Arbitragem, art. 17. “Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.”, e art. 18. “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”
Nesse sentido, entende-se que a sentença arbitral proferida por árbitro, previamente nomeado pelas partes, e nos lídimos termos do art. 13, satisfaz idênticos requisitos daquela exarada por juiz togado, possui, inclusive, os mesmos atributos, sendo passível de cumprimento forçado em processo judicial próprio quando for condenatória. Aliás, diga-se de passagem, que a sentença arbitral tem maior força que a judicial, uma vez que possui intrínseco atributo de irrecorribilidade.
A corroborar com a legislação, no que tange às similaridades entre o árbitro e o juiz de direito, traz-se a contento Carlos Alberto CARMONA (1999, p. 424-425), o que destaca no sentido de que “tanto o árbitro como o juiz togado dizem autoritativamente o direito, concretizando a vontade da lei; tanto o árbitro quanto o juiz exercem função, atividade e poder que caracterizam a jurisdição; tanto o árbitro como o juiz proferem decisões vinculativas para as partes; tanto o árbitro como o juiz julgam!”
Destarte ao prosseguimento da mesma linha de pensamento alhures, Tarcísio Araújo KROETZ (2008, p. 31) afirma que a relação de equivalência entre as funções desempenhadas pelo árbitro e pelo juiz asseverando a tese que ao árbitro, enquanto tomado pelo manto judicante, à luz dos arts. 17 e 18, da Lei 9.307/1996, também lhe é atribuído o exercício da jurisdição.
Assim, investido nos mesmos deveres do magistrado estatal, o árbitro afaga igualmente atribuições legais que norteiam a responsabilidade do agente público, inclusive com responsabilidades no âmbito civil, criminal e, porque não, administrativo, assim respondendo igualmente aos ditames da Lei 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa, no seu art. 2ª, quando “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”, também previsto no art. 3ª, que trata que “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”
Portanto, se existem responsabilidades do árbitro perante às partes e as consequências que advirem de seus atos, melhor entendimento é o respeito à vontade das partes, seja na escolha do julgamento a ser realizado, direito positivo ou equidade, e até mesmo a própria escolha do julgador privado investido na função de juiz, como determina a Lei de Arbitragem ao mencionar por 62 vezes a expressão “as partes”, especialmente, o respeito ao próprio procedimento arbitral sob a responsabilidade do juiz de fato e direito, assim chamado de “árbitro”.
1.3.3 Conflito de competências entre a jurisdição arbitral e estatal
Corroborando com a aventada competência arbitral, diversos artigos da Lei 9.307/1996 atribuem à arbitragem caráter jurisdicional: art. 18: “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não rica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário”; art. 31: “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui titulo executivo”; Art. 8°, parágrafo único, “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”, os quais asseguram ao árbitro decidir, em primeiro lugar, sobre a existência e eficácia da cláusula compromissória arbitral, em corolário ao princípio da competência-competência (Kompetenz-Kompetenz).
Assim, o trabalho do árbitro na condução do procedimento arbitral instaurado pelas partes, e por elas escolhido e nomeado, (art. 13) se reveste de natureza jurisdicional, como destaca a doutrina, à luz dos referidos dispositivos legais.
WALD (2002), aduz que “A Lei 9.307/1996, inclusive, seguindo o exemplo das mais modernas legislações estrangeiras sobre a arbitragem, reconhece, expressamente, a natureza jurisdicional da atividade arbitral no art. 31, ao equiparar a sentença arbitral ao título executivo judicial.”
Já NERY JUNIOR e NERY (2004, p. 1167-1669) entendem que “A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes (...). A Lei de Arbitragem não deixa dúvida quanto ao caráter jurisdicional da decisão do árbitro, pois a denomina de sentença e lhe confere eficácia de título executivo judicial.”
No mesmo sentido, BERMUDES (2008,p. 378) afirmar que:
Evita-se aqui, propositalmente, discutir se o juizo arbitral integra, ou não, o Poder Judiciário. Mantenha-se, em consequência, a dicotomia da lei 9.307, que distingue o juízo arbitral do órgão do Poder judiciário (...). A verdade, entretanto, é que o juízo arbitral, composto por um árbitro, ou mais de um, exerce, efetivamente, a jurisdição. O ar!. 475-N, IV, do CPC (Art. 515, VII, CPC 2015), resultando do art. 2º da lei 11.232, de 23.12.2005, inclui a sentença arbitral entre os títulos executivos judiciais.
Outro não é o posicionamento de MARTINS (2008, p. 218) onde, segundo ele, “O texto normativo expressa, sim, a essência jurisdicional devotada pelo legislador à atividade arbitral. Volta se para os elementos intrínsecos da função exercida pelo árbitro. Função essa eminentemente jurisdicional (...). O dispositivo é expressão da jurisdicionalidade da arbitragem.”
Também neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal (2004), ao reconhecer “a completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à sentença judicial, pela nova lei de Arbitragem', 'sendo válida a equiparação legal, no plano interno, da sentença arbitral à judiciária”.
Para melhor entender o que fora explanado acima, é importante ressaltar a natureza jurídica da arbitragem.
Historicamente, o propósito de MONTESQUIEU (1998, p. 25), em sua a obra “O espírito das leis”, tratou da divisão dos poderes, em Executivo, Legislativo e Judiciário, constituindo-se por isso, independentes e harmônicos entre si, sendo a jurisdição inserta como verdadeiro monopólio do Estado, que, por meio do Judiciário, aplica as leis, com a força coatora e contenciosa, ao caso concreto.
Por essa linha de entendimento, logicamente que a natureza jurídica da arbitragem, à luz de Montesquieu, não poderia ser a jurisdicional, haja vista o caráter privado e não integrante do aparelho estatal, mas pertencente ao sistema particularmente extrajudicial de solução de controvérsias.
Porém, não há como negar que após a Lei nº 9.307/1996, que equiparou a sentença arbitral à sentença judicial, inclusive indo além, sendo irrecorrível e impossibilidade de interposição de recurso, a constituiu como verdadeiro título executivo judicial (art. 515, VII, CPC), com despicienda homologação judicial, restou praticamente inconsistente negar a natureza jurisdicional da arbitragem.
Contudo, se considerarmos a jurisdição como o poder à disposição dos particulares para solução de conflitos, independentemente de aquele poder estatal exercido pelo Poder Judiciário ou por alguém desvinculado a ele, e na visão de CAHALI (2012, p. 84-90) é possível concluir o inegável entendimento de que a arbitragem se tornara verdadeira jurisdição privada, "(...) só considerando a arbitragem como jurisdição é que se poderá explicar a regra contida no parágrafo único do art. 8º da Lei 9.307/1996, consagrando o princípio kompetenz-kompetenz, (...), pois, se prevalecesse a natureza contratual, seria inviável ao árbitro examinar e afastar ou não a sua competência para o litígio a ele submetido."
Neste sentido, dúvidas não restaram quanto ao inegável reconhecimento do conflito entre o juízo arbitral e estatal, impondo uma convivência pacífica para o bem da própria jurisdição, em prol da solução alternativa de conflitos.