A inconstitucionalidade da sujeição dos animais a atos cruéis

03/12/2018 às 19:59
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O presente trabalho se propõe a abordar um tema que nos últimos tempos vem despertando grande relevância nacional, observando a posição jurídica dos animais em nosso ordenamento no tocante à sua proteção.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo dedica-se a analisar, através da metodologia dedutiva, do reconhecimento da sujeição dos animais as práticas desportivas como ato ilícito, uma vez que a Carta Maior veda a submissão dos animais à crueldade, ao passo que tal proteção não visa apenas o equilíbrio ecológico, pois sujeitar um animal a crueldade não afeta o ecossistema, isto é, a sujeição aos maus tratos afeta diretamente o animal em seu físico e em seu psicológico. Sendo assim, ela traz a proteção afim de não subjugar o animal a sofrimento desnecessário.

Primeiramente cuidou-se de analisar de forma sucinta que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado nada mais é que uma garantia fundamental humana positivada no plano interno do ordenamento jurídico brasileiro, apresentando o conceito, as características e os limites inerentes aos direitos fundamentais.

Posteriormente, no capítulo seguinte foi realizada uma análise minuciosa sobre o tratamento adotado na doutrina brasileira nas hipóteses de colisão de direitos fundamentais, mais especificamente foi apresentado o conflito do direito a manifestação cultural frente a vedação do tratamento cruel aos animais, demonstrando que há um rico pluralismo cultural em nosso extenso território, o qual indiscutivelmente deve ser protegido e conservado, entretanto, a sociedade progride com o tempo, e com ela deve progredir, ainda que gradativamente, as técnicas de expressão cultural, de modo que essa forma de expressão não sujeitenenhum ser vivo ao sofrimento mental e psicológico.

No quarto capítulo, foi retratado duas principais correntes filosóficas que versam sobre o tema, denominadas abolicionistas e novos bem-estaristas, dado que ambas são a favor da concessão de direitos aos animais e o fim da modalidades que se valem dos animais como instrumento. É relatada ao final deste capítulo como outros países vem se relacionando com estes entendimentos e a forma como lidam com a problemática.

Na sequência, o quinto capítulo cuidou de expor algumas das práticas desportivas brasileirasconsagradas manifestações culturais e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal proferido em impugnações às referentes práticas, descortinandoa ideia de que os animais são coisas pertencentes araça humana, demonstrando que estes seres precisam de uma proteção jurídica mais ampla e efetiva para não sofrer atos de crueldade e para que seus agressores não saiam, como na grande maioria das vezes, impunes.

Trata-se de uma temática que encontra-se em pleno auge, pois entende-se que o padrão econômico capitalista em andamento com a indústria de produção faz que majoritariamente, supostos atos de maus tratos sejam deliberados em centros de entretenimento sem nenhum propósito razoável no qual os animais são sujeitos à atração, como espetáculos em ringue valendo-se de galos, a farra do boi, e finalmente, asvaquejadas, de forma que o prisma da não crueldade se faz insatisfatório para a proteção da integridade dos animais, afinal, ainda é designo de discussão, quase sempre revelando a perversidade de impor sofrimento prescindível com finalidade de diversão fútil ao ser humano, e afim de avalizar expressamente estes atos, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 96 de 2017.

Por fim, analisando pelo prisma constitucional a validade da Emenda Constitucional nº 96 de 2017, abordado os limites constitucionais do poder de reforma, vez que o procedimento de emendar o Texto Maior é extremamente específico e dotado de rigidez, observando por fim, a vedação ao retrocesso dos direitos fundamentais consolidados no ordenamento jurídico brasileiro.

Concluímos desse modo que a Carta Magna deu um passo além ao trazer para sua esfera a proibição da sujeição dos animais a crueldade, assim, quando falamos em atividades esportivas que envolvam animais e que supostamente possam maltrata-los, estamos falando de atividades que podem ser inconstitucionais, ou seja, podem infringir a principal norma que nós temos no país, a Constituição Federal.

O CONSTITUCIONALISMO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O constitucionalismo e os direitos fundamentais são envolvidos por um laço de compatibilidade de tal forma que o despertar do constitucionalismo surge a fim de materializar os direitos imprescindíveis no plano interno do ordenamento jurídico.

Apesar de inúmeros documentos que existiram estabelecendo estes direitos e limitando o Estado, o marco do constitucionalismo desabrocha junto às revoluções francesa e americana do século XVIII, consagrando direitos individuais de inestimável relevância para a vida em sociedade, que deveriam ser vastamente reputados.

Não há como desentranhar os direitos fundamentais do constitucionalismo, ao passo que afirma Alexandre de Morais (MORAIS, 2011, p. 2-3):

Assim, a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da ideia de constitucionalismo, que tão somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular.

Vislumbramos com tal apontamento que o constitucionalismo está umbilicalmente ligado aos direitos fundamentais, uma vez que eles se complementam.

O advento do constitucionalismo, sob um prisma solene, está acoplado à independência dos Estados Unidos da América (1787) e à Revolução Francesa (1791), pois, através delas raiaram as constituições rígidas e escritas, dotadas de solenidades para a organização do Estado e de limitações de sua atuação através da intervenção das garantias e diretos fundamentais.

Portanto, os direitos fundamentais são primordiais para o constitucionalismo, de tal modo que atualmente não há que contemplar a existência de uma constituição sem a existência destes direitos efetivados em sua medula, nem há como contemplar a existência do Estado Democrático de Direito sem uma constituição.

2.1 Conceito de Direitos Fundamentais

Há uma enorme confusão terminológica no campo doutrinário quanto ao assunto, valendo-se de nomes variáveis como “direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “liberdades públicas”, “direitos dos cidadãos”, “direitos da pessoa humana”, “direitos do Homem”, etc. Entretanto, há necessidade de utilizarmos a nomenclatura adequada para tratar de uma questão tão importante, conforme André Ramos Tavares (TAVARES, 2012, p. 492-496).

O que nos parece mais razoável no direito interno constitucional é a terminologia “direitos fundamentais”, sendo que eles são os direitos humanos positivados no ordenamento interno do Estado, ao passo que estes direitos estão enraizados na própria natureza humana, visto que são direitos que pessoas têm apenas por serem pessoas.

Esta proposição é encampada pela Carta Magna, uma vez que a mesma diz direitos fundamentais para assuntos no plano interno, à medida que em tratados internacionais refere-se a direitos humanos.

Assim, estes direitos podem ser definidos como o mínimo que um ser humano precisa para viver uma vida digna e justa, compondo um cerne impalpável de direitos humanos do homem sujeitados a determinada ordem jurídica, delimitando o poder do Estado perante a sociedade a fim de evitar a supremacia excessiva e desumana.

2.2 Características dos Direitos Fundamentais

Como vimos anteriormente, os direitos fundamentais muitas vezes se confundem com os direitos humanos, uma vez que não há um consenso sobre a distinção de ambos. Na doutrina brasileira, o entendimento majoritário é o qual ambos englobam o direito à dignidade humana, porém positivados em planos distintos.

Encontramos os direitos humanos perpetuados nas convenções e tratados internacionais, enquanto os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados na Constituição Federal, ou seja, o direito humano se transforma em lei gerando implicação jurídica, e esta implicação, no momento que é positivada no ordenamento jurídico, se transforma em direito fundamental. E além disso, após ser convalidadano ordenamento não se mais pode revogar, em outras palavras, não se retroage norma diante de um direito fundamental adquirido, fenômeno este denominado de Teoria da Não Retroatividade. Sendo assim, em resumo, os direitos humanos estão positivados no plano internacional e os direitos fundamentais estão positivados no plano interno do país. (ALEXY, 1998, p.6).

Dessa forma, os direitos fundamentais surgem do âmbito histórico, passando por inúmeras revoluções até chegar nos dias atuais, variando de acordo com época e lugar. Aos dizeres de Norberto Bobbio(BOBBIO, 1992, p. 5-19):

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. [...] o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras cultuas.

Atualmente, os direitos fundamentais dispõem de caráter vinculante irrefutável, sendo absolutamente reconhecidos como normas positivas constitucionais, e,sendo assim, são princípios e garantias compostos de características e especificidades que os diferenciam dos demais direitos.

Destarte, são para todos os cidadãos indistintamente, o que nos leva à característica da universalidade dos direitos fundamentais. Vale ressaltar que universalidade não é sinônimo de uniformidade, isto é, que cada país introduza em seu ordenamento aproteção à dignidade humana de acordo com seus aspectos culturais.

Sendo para todos indistintamente, não é admissível em nosso ordenamento jurídico a transferência de direitos fundamentais, posto isto, verificamos que os direitos fundamentais são inalienáveis e indisponíveis, sendo, via de regra, imprescritíveis.

Outra característica marcante dos direitos fundamentais é que eles não são absolutos, nem mesmo o direito à vida, uma vez que dependendo da situação fática um direito fundamental pode perder espaço para aplicação de outro. Claro que, dependerá de cada caso em concreto através de um bom senso pautado pela ponderação e adequação.

Ademais, ressalta-se que o portador do direito fundamental deixado em segundo plano não terá seu direito revogado, ele apenas perderá espeço para outro direito momentaneamente. Aos dizeres de Paulo Gustavo Gonet Branco (BRANCO, 2007, p. 230-231):

Os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos. [...] Até o elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada.

Vislumbramos como notório o entendimento, que se tratam de direitos relativos e limitados, não sendo direitos absolutos e tampouco passível de ter sua invocação para justificar atos ilícitos.

Contudo, como veremos em breve, essa relatividade não é ilimitada, uma vez que não é possível a limitação do direito fundamental além do extremamente necessário. Portanto, o Supremo Tribunal Federal entende que o princípio da proporcionalidade, conforme a jurisprudência alemã, a qual dispõe que a relativização dos direitos fundamentais tem o prisma da proporcionalidade em sentido estrito, adequação e necessidade.

2.3 Limites dos Direitos Fundamentais

Como abordamos anteriormente, estamos diante do fato segundo o qual os direitos fundamentais não são absolutos, sendo pautados em princípios que amparam a proteção e observância do sistema constitucional.

Exatamente por serem direitos decorrentes de princípios é que estes são passiveis de restrições, uma vez que sua aplicação depende de cada situação fática isolada para determinar até onde caberá sua aplicabilidade, ou seja, até onde vai esse direito.

Podemos dizer que surge a limitação de um direito fundamental com a própria existência de outro direito fundamental, visto que este é tão fundamental quanto aquele.

Conforme Robert Alexy (ALEXY, 2008, p. 281)aduz, as restrições de direitos são pautadas em três características mestres. A primeira característica é conforme a constitucionalidade, pois “normas são restrições a direitos fundamentais somente se forem compatíveis constituição”. Assim, a interferência deve ser constitucionalmente fundamentada, uma vez que se assim não for, implicará em violação de direitos e não em restrição de direitos.

A segunda característica é aquela conforme a qual as restrições podem ser princípios ou regras. No caso das regras, elas já são o resultado de uma ponderação feita pelo legislador, sendo que usualmentenão são admitidas restrições. Entretanto, a regra pode ser afastada diante de um caso concreto, visto que este fenômeno é denominado como derrotabilidade da regra constitucional.

Por último, a terceira característica é que esta restrição só se dá em face de princípios e normas de direitos fundamentais.

Postas estas três características fundamentais da restrição de direitos, podemos dizer que as restrições de direitos fundamentais são normas fundamentadas constitucionalmente que intervêm no âmbito de proteção dos princípios jusfundamentais (NOVELINO, 2013. p. 414).

Destarte, devido a hierarquia constitucional, os direitos fundamentais apenas podem sofrer restrições diretamente constitucionais ou em virtude de normas infraconstitucionais derivadas de sua autorização. Assim, são consideradas restrições diretamente constitucionais aquelas impostas pela Constituição Federal podendo ser normas restritivas escritas, ou seja, os princípios e regras, no mesmo dispositivo que positiva o direito fundamental ou norma restritiva não escrita, ou seja, apenas princípios, esta por sua vez faz referência a restrições com caráter de princípios

As restrições decorrentes de normas infraconstitucionais são aquelas conforme a qual a Constituição autoriza seja estabelecida através de lei, como no caso das cláusulas de reserva legal (ALEXY, op. cit., p. 291).

Aos dizeres de Dimitri Dimolius e Leonardo Martins (DIMOLIUS, MARTINS, 2007, p.157):

Efetivamente, o entendimento que mais condiz com os imperativos a interpretação sistemática é que a não inserção de reserva legal significa que o constituinte autorizou o pleno exercício do direito e não vislumbrou riscos de conflitos com outros direitos constitucionalmente vinculados. Eventual limitação legislativa do direito sem reserva seria inconstitucional: uma restrição só pode ser admitida in concreto, quando se constata um efetivo conflito entre bens jurídico-constitucionais (entre um direito fundamental e um interesse estatal ou difuso ou coletivo com lastro constitucional ou entre dois direitos fundamentais).

Portanto, há hipóteses em que a própria Carta Magna determina que o legislador regulamente sobre um direito fundamental, dizendo expressamente que ele o fará através de lei.

Dentro desta perspectiva, ainda há uma regra essencial que dispõe sobre o limite dos limites do direito fundamental, a qual está relacionada as condições materiais e solenes que devem direcionar o legislador na criação da legislação infraconstitucional restritiva.

Esta limitação do limite dos referidos direitos nos leva a um antagonismo, visto que os direitos fundamentais são uma forma de limitação ao poder do Estado, mas ao mesmo tempo podem ser limitados por este último. Consequentemente, é de extrema relevância que este poder do Estado de limitar seja também limitado (PEREIRA, 2006, p. 297).

Sendo assim, não é admitido obstar o exercício do direito além do necessário.

Não há previsão expressa, no Texto Maior,quanto às restrições dos direitos fundamentais, porém isso é consequente de vários princípios nele consagrados, tais como o princípio do Estado de direito (artigo 1ª), princípio da legalidade e da reserva legal (artigo 5º, II) e o princípio da segurança jurídica (artigo 5º, caput e inciso XXXVI) (NOVELINO, op. cit., p. 418).

No Brasil, a temática ainda é nebulosa, não sendo comum encontrarmos decisões abordando o assunto, entretanto, em nosso sistema constitucional, encontramos dois requisitos imprescindíveis a serem observados na restrição de direitos fundamentais: o requisito formal e o requisito material.

O primeiro trata de uma proteção formal dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais apenas podem ser restringidos por quem tem competência legislativa atribuída pela Constituição, devendo a limitação ser expressa ou autorizada.

Por isso, é imposta a reserva de lei em face destas limitações, a qual é decorrente do princípio da legalidade, perpetuando que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (Constituição Federal, artigo 5º, inciso II). Aqui, o termo “lei” deve ser compreendido em sentido amplo, abrangendo leis delegadas e medidas provisórias, porém deve-se observar em relações a estas leis as vedações perpetradas pela própria Carta Magna em face dos direitos fundamentais.

Portanto, a reserva de lei barra a admissão de medidas que restringem os direitos fundamentais pela Administração Pública se não houver fundamento legal constitucional. 

Já o requisito material da restrição tem por atributo assegurar a conformidade substancial da lei que limita os direitos fundamentais fundada em princípios e regras da própria Constituição. Abordaremos brevemente alguns destes princípios adiante.

Princípio da não retroatividade – este princípio tem por base preservar a segurança jurídica dos cidadãos, resguardando a inalterabilidade dos fatos que já foram devidamente consolidados. Assim, o cidadão pode confiar que serão criadas medidas limitando seus direitos apenas com o aval das normas constitucionais.

Princípio da proporcionalidade – é o princípio segundo o qual tem por escopo que a limitação compulsória de um direito fundamental deve ser proporcional em sentido estrito, adequada e necessária. 

Nesse sentido, José Cristovám (CRISTOVÁM, 2006. p. 211):

A proporcionalidade é uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial.  Pelos critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público.

Assim, para a restrição ser legítima deverá ser necessária a sua utilização, bem como deve se dar por meio adequado, observando as vantagens e desvantagens da aplicação da medida por meio da ponderação.

Há ainda o princípio da generalidade e abstração – este princípio está umbilicalmente unido ao princípio da igualdade previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Assim, pautado na isonomia, este princípio traz a vedação das restrições por meio de leis de natureza individual e concreta, uma vez que elas devem ser gerais e abstratas.

Princípio da proteção do núcleo essencial – este princípio busca ressaltar a ideia de que os direitos fundamentais são dotados de um núcleo essencial que não pode ser violado. Assim, a lei infraconstitucional não pode restringir um direito fundamental ao ponto de furtar sua característica essencial, perdendo a mínima eficácia e impondo ao legislador um limite de atuação.

Portanto, verificamos que a Carta Magna é o fundamento de validade dos direitos fundamentais dispostos em nosso ordenamento jurídico, bem como estes são direitos dotados de flexibilidade e valores que não são absolutos, podendo assim, sofrer limitações desde pautadas nos fundamentos expostos até aqui.

Veremos, a seguir, a colisão direta dos direitos fundamentais objeto do presente estudo, o direito a manifestação cultural em conflito com o direito ao meio ambiente equilibrado, adotando a solução mais justa,pautada nos valores humanitários e na ordem jurídica vigente, ponderando sempre que é inadmissível consentir que um direito fundamental se evapore de sua finalidade.

A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Neste capítulo, será exposto a colisão dos direitos fundamentais objeto da pesquisa em tela, ou seja, a colisão do direito à manifestação cultural em frente ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo um dos temas mais abstrusos do presente estudo.

Inicialmente, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, pautando-se na jurisprudência alemã,posicionou-se no sentido de que não há hierarquia entre os direitos fundamentais, sendo que estes dispõem da mesma proteção jurídica. Assim, de pronto percebemosnão haver hierarquia entre o direito cultural e o direito ao meio ambiente.

Os direitos fundamentais são passíveis de entrar em colisão uns com os outros, e esta “colisão de direitos ocorre quando dois ou mais direitos abstratamente válidos entram em conflito diante de um caso concreto, hipótese na qual as soluções serão divergentes de acordo com o direito aplicado”(NOVELINO, op. cit., p. 420).

Entretanto, não há uma regra específica sobre qual direito deve prevalecer sobre a incidência deste duelo, sendo assim, é necessária a análise de cada caso em concreto mediante a ponderação, a adequaçãoe a necessidade do evento, para então avaliarmos qual direito prevalecerá sobre o outro naquele determinado momento. Portanto, haverá uma cedência recíproca dos direitos, visando um consenso que obtenha a maior efetividade da aplicação no caso isolado.

Destarte, a colisão de direitos fundamentais pode se dar em sentido impróprio ou por colisão autêntica, sendo que nesta última o confronto parte do exercício do titular de um direito enfrentando o exercício do direito de outro titular. Já a colisão em sentido impróprio é aquela que decorre do exercício de um direito fundamental enfrentando bens constitucionalmente protegidos, como por exemplo, o patrimônio cultural.

Longe de esgotar o assunto posicionado, bem como estabelecer conclusões absolutas sobre a questão, passaremos a analisar um tema atual, que está sendo desígnio de divergentes posicionamentos e aplicações em todo território nacional.

3.1 A Segunda Dimensão Fundamental

Os direitos fundamentais de segunda dimensão são aquelas entendidos como os direitos que impõem ao Estado uma obrigação de fazer, baseando-se na noção de igualdade material, ou seja, tratando-se de direitos positivos, sendo eles os direitos econômicos, sociais e culturais.

No plano fático, a prestação material é exigível para assegurar a redução das desigualdades, dando origem a um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias institucionais. Sendo assim, tem por escopo promover a dignidade da pessoa humana através da prestação do Estado de forma positiva visando uma justiça social.

De acordo com Paulo Bonavides (BONAVIDES, 2003, p. 378):

O Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática. Trata-se de um conceito que deve iluminar sempre toda hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos. Obriga o Estado, se for o caso a prestações positivas; a promover meios, se necessários, para concretizar comando normativos de isonomia.

Deste modo, tratam-se de direitos que, para serem assegurados, precisam da intervenção do Estado, bem como este Estado disponha de meios para executá-los para que sejam cumpridos com efetividade.

No que tange ao direito à manifestação cultural, a Carta Magna estabeleceu uma democracia cultural. Em outras palavras, não há uma cultura oficial estabelecida no Texto Maior; o que há é um enunciado do que é identificado como cultura nacional.

Assim, temos uma pluralidade cultural a ser protegida com os mais diversos conceitos, impondo ao Estado o dever de garantir o exercício da cultura e das manifestações culturais, uma vez que, conforma Maria Salles (SALLES, 2014. p. 26-27), provém dos princípios fundamentais

que incluem a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução da desigualdade sociais e regionais e a promoção do bem de todos

Concluímos, portanto, que os direitos culturais são direitos fundamentais de segunda dimensão protegidos, garantidos e fomentados pelo Estado.

3.1.2 Da Movimentação Econômica da Cultura dos Estados

O direito à manifestação cultural está expressamente garantido no artigo 215, §1º, da Constituição Federal, e garante que “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.

Em verdade, a cultura se espelha no modo de vida da sociedade, interferindo em seu comportamento, modo de pensar e modo de agir. Partindo desta premissa, é de suma importância que o Estado garanta a todos cidadãos o pleno exercício da liberdade cultural, protegendo as formas de culturas populares e proporcionando o acesso a elas.

Intriga-nos que recentemente o direito à manifestação cultural entrou em colisão com o direito ao meio ambiente equilibrado, ao desabrochar da Emenda Constitucional nº 96 de 2017, uma vez que ela dispõe que práticas desportivas, desde que sejam manifestações culturais, não serão consideradas maus tratos aos animais.

Esta emenda dá à luz a um questionamento no mínimo enigmático quanto às leis estaduais referentes aos costumes brasileiros, pois anteriormente o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional, como exemplo, a “farra do boi” e a “rinha de galo”, com fulcro no entendimento de que as leis sobre as referidas práticas estavam criando uma excludente do tipo ilícito em relação ao artigo 225, inciso VII da Constituição Federal.

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Fato é que a emenda em questão deu um aval às práticas desportivas culturais que utilizam animais como forma de expressão, colocando em risco a integridade física e psicológica destes seres vivos, que deveriam ao menos, ter o direito de não serem objetivados ao uso e gozo do homem.

Estas práticas se transformaram em indústrias milionárias, de tal forma, que de acordo com Cláudia Magalhães (PÁGINA RURAL, 2007, s/p):

Embora não haja um estudo que contabilize os recursos envolvidos durante a realização do esporte, a estimativa, segundo Egilson Teles, apresentador do Programa Vaquejada, da TV Diário, é que cada evento envolve somas que podem chegar a R$ 500 mil.

Em Santa Quitéria, por exemplo, conforme o vice-prefeito e organizador da vaquejada do Município, Chagas Mesquita, a etapa realizada no período de 24 a 26 último no Parque Arteiro Lobo de Mesquita, envolveu cerca de R$ 250 mil em recursos. O evento reuniu cerca de 500 vaqueiros divididos em 100 equipes do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Rio de Janeiro, além de 350 bois e 300 cavalos. Em premiação foram distribuídos R$ 22 mil para os 20 primeiros lugares e mais uma moto Honda e R$ 3 mil para o grande vencedor do evento.

Podemos afirmar assim, que, as manifestações culturais que se valem de animais, tais como a vaquejada, a rinha de galo e a farra do boi, rendem milhões de reais, entre empregos, publicidade e premiações, movimentando de forma significativa a economia do estado que a materializa, e diante dosnúmeros exorbitantes que surgem, o Estado vela os olhos não dando a devida atenção ao atentado contra a vida de seres inocentes que estão sendo sujeitados aos maus tratos perpetuados através das práticas, pagando em sua carne o preço do capitalismo.

Portanto, nos incube o dever de desconstruir esse padrão cultural-social de que é bonito e comemorativo subjugar um animal, que sente tanto quanto qualquer pessoa humana, ao sofrimento, sendo inconstitucional explorá-los.

3.2 A Terceira Dimensão Fundamental 

Mesmo não se encontrando no artigo 5º da Constituição Federal, o Direito ao Meio Ambiente Equilibrado é tutelado pelo Texto Maior em forma de garantia fundamental, visto que se faz essencial para que todos os indivíduos da sociedade possam desfrutar de uma vida no mínimo digna.

O Direito ao Meio Ambiente Equilibrado, portanto, está intrínseco aos direitos difusos de terceira dimensão, abrangendo toda a sociedade, de forma coletiva e indivisível, compreendendo a fauna e flora, isto é, animais domésticos e silvestres, bem como o solo, águas e toda vida vegetal.

Muitos escritores e filósofos partem da asserção de que os animais são seres dotados de capacidade de sentir sensações, ainda que de forma rudimentar, ou seja, são seres aptos a sentirem dor, prazer, entre outros sentimentos, sendo crueldade submetê-los a serem objetivados ao gozo do ser humano, havendo uma necessidade de implementarmos garantias jurídicas que regulem e controlem as práticas que se valem de animais. 

Ao compasso da evolução científica, o estudioso Charles Darwin, em seu livro Teoria da Evolução, demostrou com fulcro em suas pesquisas que homens a animais são seres com mais semelhanças do que imaginávamos, e entre estas semelhanças, a manifestação à dor conforme escreveu (DARWIN, 2000. p.79):

Em quase todos os animais, até mesmo nos pássaros, o terror provoca tremores pelo corpo. A pele empalidece, o suor aparece e os pelos se arrepiam. As secreções do canal alimentar e dos rins aumentam, e eles são involuntariamente esvaziados, por causa do relaxamento dos músculos esfíncteres, como sabemos acontece com o homem, e como observei com gado, cachorros, gatos e macacos.

Continua Darwin (DARWIN, op. cit., p. 73):

Quando os animais agonizam de dor, eles geralmente se contorcem terrivelmente, e aqueles que habitualmente usam a voz soltam soluções e uivos penetrantes. Praticamente todos os músculos do corpo são intensamente acionados. No homem, a boca comprime-se fortemente, ou mais comumente os lábios retraem-se, com os dentes cerrados. Diz-se que há ‘ranger de dentes’ no inferno; e eu ouvi claramente o ranger de dentes de uma vaca que sofria intensamente de uma inflamação no intestino.

Diante de todo estudo e pesquisa de Darwin, fica evidente que os animais não humanos, mas são seres sencientes, ou melhor, são seres dotados de sensibilidade física, passiveis de sentir dores tão terríveis quanto as que podemos sentir em nosso físico, havendo um dever de nos atentarmos para este fato, bem como havendo necessidade do direito voltar nossos olhos a estes seres que são tão frágeis e vulneráveis à maldade humana.

Pensando, então, não somente no equilíbrio ecológico, o legislador prevê uma tutela constitucional,no artigo 225 §1º, inciso VII, da Carta Magna, que dispõe incumbir a todos a preservação da “fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Entretanto, recentemente foi sancionada a Emenda Constitucional nº 96 de 2017, inserindo a previsão expressa de que são permitidas as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme já mencionado.

Posto isso, mergulhamos em um conflito de direitos fundamentais, direitos estes indisponíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, e que estão hierarquicamente em posição de igualdade. Diante deste conflito, entretanto, a dúvida que paira em parte da população brasileira é: o direito à manifestação cultual deve mesmo prevalecer sobre o direito à não crueldade?

3.2.1 Do alcance da proteção constitucional ao Meio Ambiente

Nos últimos tempos, a evolução industrial, bem como a evolução tecnológica, contribuíram vastamente para a degradação do meio ambiente, ao passo que tal deterioração tem germinado a conscientização da população para a preservação do ambiente em que vivemos, de modo que a proteção a este meio ambiente foi encampada em nosso ordenamento jurídico enquanto, além de direito fundamental na Constituição Federal, norma de tratados e convenções internacionais, sendo portanto, indispensável sua preservação para uma qualidade de vida sadia.

Ao desenvolver o assunto, diz Marcelo Novelino (NOVELINO, op. cit, p.1.062):

No âmbito da legislação infraconstitucional, a proteção ao meio ambiente também é bastante ampla e diversificada. Dentre os diplomas legais referentes ao tema, podem ser mencionados: a Lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências; a Lei 7.754/1989, que estabelece medidas para proteção das florestas existentes nas nascentes dos rios e dá outras providências; a Lei 9.795/1999, que dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências; a Lei 9.605/1998, que dispõe sobre as sansões penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências; a Lei 9.985/2000, que regulamenta o artigo. 225, § 1º, I, II, III, e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, e a Lei de Biossegurança, Lei 11.105/2005.

Assim, a Constituição Federal de 1988 inovou ao tratar deste assunto, visto que as constituições anteriores apesar de mencionarem a proteção ao meio ambiente, não tratavam de forma tão minuciosa como a atual, sendo esta consequentemente, uma das constituições mais desenvolvidas sobre o tema.

Em verdade, devemos nos atentar para o fato de que o meio ambiente não se limita apenas à flora, mas sim se consolida em todas as coisas com vida e sem vida que existem no planeta, e que afetam outros ecossistemas.

Assim, compreende-se como Meio Ambiente (SIGNIFICADOS, 2018, s/p):

Para as Organização das Nações Unidas (ONU) o meio ambiente é o conjunto de elementos físicos, químicos, biológicos e sociais que podem causar efeitos diretos ou indiretos sobre os seres vivos e as atividades humanas. O meio ambiente é o conjunto de unidades ecológicas que funcionam como um sistema natural. Assim, o meio ambiente é composto por toda a vegetação, animais, micro-organismos, solo, rochas, atmosfera. Também fazem parte do meio ambiente os recursos naturais, como a água e o ar e os fenômenos físicos do clima, como energia, radiação, descarga elétrica e magnetismo.

Vislumbramos, assim, que os animais são componentes do meio ambiente, sendo dotados de proteção fundamental constitucional para uma vida equilibrada.

De forma expressa, a Carta Maior abomina condutas que ameacem a fauna e flora, promovam extinção de espécies ou subjuguem animais a crueldade. Assim, como já dito, e fundado no artigo 225,§ 1º, inciso VI, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional “lei estadual que autorize e regulamente, sob título de prática ou atividade esportivas com aves de raça ditas combatentes, as chamadas ‘rinhas’ ou ‘brigas de galo’” (STF, 2007, ADI 3.776).

Não obstante, a Corte Superior já se posicionou declarando a inconstitucionalidade de outras práticas como a ‘vaquejada’ e a ‘farra do boi’, sob o entendimento de que tais condutas não são compatíveis com o dispositivo constitucional, impondo aos animais tratamento cruel.

Dito isso, verificamos que esta proteção ambiental vem acompanhada da responsabilidade ambiental, no teor do Texto Maior (BRASIL, 1988, art. 225, § 3º):

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sansões penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Portanto, uma conduta pode ser passível de três penalidades: crime, infração administrativa e ilícito ambiental, pautando-se na independência das esferas de responsabilidade, ou seja, há responsabilidade no plano penal, no plano administrativo e no plano civil.

Ademais, passaremos à apresentação de legislações de outros países que estão mais desenvolvidas no tema abordado, onde a inviolabilidade física e psíquica do animal tem tomado forma de categoria jurídica.

A BUSCA DA INVIOLABILIDADE FÍSICA E PSÍQUICA DO ANIMAL COMO CATEGORIA JURÍDICA

Neste importante capítulo será abordada a temática do ponto de vista de países que estão mais avançados na proteção animal em relação ao Brasil.Isso porque, no Brasil, o campo ainda é infértil, embora acreditemos que isso pode ser tratado e corrigido gradualmente, gerando uma inovação neste campo futuramente.

A legislação vigente em nosso ordenamento jurídico acolhe a proteção aos animais, entretanto não admite que sejam sujeitos ofendidos por crimes perpetrados contra eles, portanto a norma é paritária, mas a interpretação – equivocada – traz essa prioridade ao interesse dos seres humanos. Assim, exemplificando, em uma ação penal onde um animal sofreu maus tratos, ele é objeto de prova, sendo, portanto, considerado objeto de para todos os fins jurídicos e não sujeito de direitos.

Tal realidade é no mínimo intrigante, uma vez que o texto constitucional diz que são vedadas “práticas que submetam os animais à crueldade”, e assim, o entendimento extraído é de que a sujeição de uma animal a um ato cruel está ligada diretamente ao seu bem estar e não ao equilíbrio ecológico, gerando um campo nebuloso sobre o assunto.

Tagore Trajano diz a respeito do assunto(TRAJANO, 2014, p.15-16):

Também é conhecido que apenas a severidade das penas não é suficiente para se prevenir novos crimes e criar uma cultura de respeito e proteção aos animais, no entanto, é um passo inegavelmente necessário e que diferencia os países que timidamente começam a olhar para esses seres, como o Brasil, e os que, conectados com uma nova ética que o Direito e a própria sociedade em diversos segmentos estão buscando, já garantem aos animais o direito à dignidade que lhes é merecido, reconhecendo a capacidade de sentir que os mesmos possuem. São os casos, por exemplo, da Alemanha e da Áustria, que prevêemexpressamente a assertiva da dignidade das criaturas em suas respectivas Constituições, além da Suíça que prevê este objetivo em Lei infraconstitucional. De forma semelhante, a Alemanha se tornou, em 21 de junho de 2002, a primeira nação da União Européia a garantir, em sua Lei Fundamental, direitos animais. Após uma discussão de cerca de 10 anos no parlamento alemão, 542 deputados votaram a favor da inclusão de uma finalidade de “proteção aos animais” na Constituição Alemã. JohannesCaspar e Martin Geissen ensinam que a inserção de uma finalidade de“proteção aos animais” na Constituição evidencia a obrigação do Estado de concretizar este objetivo. O direito dos animais ganha uma posição importante no sistema jurídico alemão, visto que esta norma passa a ser, para o legislador, uma obrigação estatal de desenvolver políticas de proteção aos animais. Resta ao legislador a obrigação de promover a proteção dos animais da forma mais eficaz possível, sendo contrária ao novo dispositivo a supressão ou redução de padrões já comprovados de proteção aos animais. Há uma verdadeira proibição do retrocesso, de modo que o novo objetivo estatal é o de que um patamar mínimo de dignidade animal seja protegido.

Esta é uma das críticas que pode ser apontada no tocante a proteção dos animais na legislação brasileira, um cenário distante, mas não impossível de um dia ser contemplado.

4.1 O Abolicionista ao Novo Bem-Estarista

Como demonstrado anteriormente, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de uma proteção à integridade do animal, mas nada que altere o padrão cultural que vigora no cenário brasileiro. Busca-se, portanto, amenizar ao máximo a dor do animal, contudo, sem inovações filosóficas e culturais, assim sendopossível afirmar que a legislação vigente segue a linha do bem-estarismo.

Posto esta premissa, segue o raciocínio de Tagore Trajano (TRAJANO, op. cit., p. 20):

Os seguidores do bem-estar animal negam qualquer forma de sofrimento desnecessário imposto aos animais. O que se pede é que os animais sejam tratados humanamente. Para os defensores do bem-estar animal, não existe nada de errado em utilizar animais em pesquisa científica ou até mesmo vendê-los como alimentação. O argumento principal parte da quantidade de sofrimento imposto ao animal.

Na contramão, caminham os seguidores da filosofia abolicionista, defendendo uma mudança mais rígida em relação aos interesses dos animais, uma vez que, se eles têm algum interesse, este seria certamente o de não ser exposto à violação física ou psicológica, no mínimo.

Fato é que os abolicionistas advogam para que os animais tenham direitos básicos através de uma categoria jurídica que proporcione a eles direito de representação e equiparação a sujeito incapaz. Entretanto, estamos longe dessa mutação filosófica ganhar força majoritária.

O autor Daniel Lourenço assim entende(LOURENÇO, 2015, p. 262):

Pode-se afirmar, sem chance de errar, que tal doutrina (bem estarista) abraça o pensamento kantiano no sentido de os animais possuírem apenas valor relativo, não constituindo “fins em si próprios”. A utilização de vocábulos pomposos como “uso responsável”, “práticas abusivas”, entre outras, serve ao único propósito de mascarar uma realidade subjacente de que a proteção da fauna serviria aos propósitos humanos sejam eles de não se brutalizarem com a prática de atos ditos “abusivos” ou de perda da qualidade ambiental por nós usufruída. Os interesses mais fundamentais dos animais são virtualmente colocados em segundo plano diante dos mais frívolos interesses humanos.

Assim, o bem-estarista defende o proteção ao animal, mas em conflito com interesse humano, este último prevalece. Esta é a corrente adota hoje pelo Brasil, ou seja, os animais são tratados como coisas, podendo sofrer com os atos aos quais os seres humanos os sujeitam.

Ainda há atualmente uma nova corrente filosófica denominada novo bem-estarismo, que defende que “por enquanto, os defensores dos animais se contentem apenas com a atenuação dos seus sofrimentos e desenvolvam formas de diminuí-los ainda mais” (SOUZA, 2012. p. 44).

Em verdade, o que tal filosofia prega é que mais vale uma “ratoeira acolchoada”, do que não conquistar nenhum benefício, pois é a partir de pequenas reformas que gradualmente se conquista o objeto fim, não sendo sensato punir os que sofrem hoje buscando uma mudança radical que não ocorrerá bruscamente.

Os conceitos são fáceis de serem confundidos, uma vez que parecem tão próximos, mas o bem-estarismo busca a minimização do sofrimento do animal como forma de compaixão, já o novo bem-estaristaafere mais uma questão de valor moral, ou seja, é movido pelo senso de justiça.

Portanto, cada conquista, ainda que mínima, é uma vitória na árdua batalha de obter uma categoria jurídica adequada no futuro para estes seres vivos.

4.2 Modernização Legislativa: O Reconhecimento dos Animais como Seres Senciente

Primeiramente, faz-se necessário especificar o significado de ser senciente: um ser dotado de senciencia é aquele capaz de sentir sensações e emoções de forma consciente, e, sendo assim, não há como negar que não é um privilégio do ser humano ser dotado desta capacidade, mas também dos animais. Todavia, como já analisado, no ordenamento jurídico brasileiro os animais possuem status de coisas.

Verdade seja dita, a ganância vem se vestindode ignorância, pois o ser humano tende a abominar o que não conhece, mas por meio da pesquisa é fácilentender que os animais são dotados de inteligência e têm sua própria organização, ainda que de forma diferente da inteligência humana, mas tendo asenciencia como equivalente.

Fato é que, apesar da Constituição Federal de 1988 ser protecionista e muito avançada nas garantias ambientais, não reconhece textualmente que os animais sejam sujeitos de direito. Em contrapartida, alguns países já adotam a inovação legislativa, libertando os animais da escravidão. Em 2015, a França e a Nova Zelândia alteraram suas legislações outorgando aos animais uma categoria jurídica como seres sencientesabolindo, seu status de coisa.

Nos dizeres de Steve Merchant apud DaiaFlorios, (GREENME, 2018, s/p):

A percepção do bem-estar animal está mudando rapidamente e muitas práticas antes consideradas normais, fossem para os animais de estimação fossem para os de criação para abate, já não são mais aceitáveis ou toleradas. 

A lei está em consonância com a mudança de atitude da nossa nação sobre o estado dos animais na sociedade.

Assim, em países como a Suíça, Alemanha, Áustria, França e Nova Zelândia, foi inserido em seusordenamentos jurídicos um complexo de penalidades que visa tratar as agressões de forma mais eficaz, garantindo o bem-estar do animal, dentre outras medidas, classificando os animais não humanos como "sui generis" (IZAR, 2013, s/p).

Longe de esgotar o assunto, o que buscamos neste tópico é apresentar o tema e demostrar que o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito não é uma possibilidade distante, visto que vários países já o fazem em sua legislação infraconstitucional.Assim, ascendemos a luz da esperança para que a mudança em nosso país prospere também.

PRÁTICAS DESPORTIVAS E AS LESÕES PROVOCADAS NOS ANIMAIS

Conforme definição na língua portuguesa brasileira, o verbete “terráqueo” significa pertencente ou relativo ao planeta Terra; terrestre (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2018, s/p). Ou seja, o significado da palavra terráqueo abrange todos os seres vivos que habitam o planeta. Contudo, é o terráqueo humano que tende a dominar a Terra, frequentemente tratando outros seres vivos como objetos do qual detém total poder de usar, gozar e dispor.

Esta conduta primitiva do homem, em escravizar e matar as demais espécies, é denominada especismo, em uma analogia com o racismo e o sexismo, é o preconceito a favor dos membros de uma espécie contra os membros de outra espécie, 

De acordo com Ricardo Timm de Souza(SOUZA, 2007. p.124):

Máquinas vivas, alvos fáceis da vontade de destruição racional, objetos de exploração de todos os tipos, de tortura, de decoração e uso, sem falar em alimento sempre à mão, os animais experimentaram desde sempre todo tipo concebível de violência humana. Incapazes de argumentar senão com sua existência nua, expostos a todas as agruras por existirem sem poderem se contrapor a seres empenhados não apenas em reduzir obsessivamente a existência da realidade externa a uma função sua, mas em determinar absolutamente o valor de realidade do Outro que si mesmo exclusivamente a partir de categorias destiladas por seu próprio cérebro, algo mais desenvolvido em suas funções cognitivas, os animais não-humanos ocuparam sempre o lugar de alvo predileto de uso violento-objetificador da vida pelos animais humanos.

Postas estas premissas, podemos concluir que o animal humano, desde os primórdios de sua existência, discrimina os animais não humanos, dando menor importância às suas espécies de tal modo que ignoram o dever de oferecer o mínimo de consideração pelos interesses de outras classes de terráqueos.

Sem dúvidas, há grandes diferenças entre ambos, uma vez que os animais não humanos não têm todos os desejos que temos, nem compreendem tudo o que compreendemos. Porém todos os seres humanos e animais compreendem que temos liberdade de movimento e compreendem a sensação de dor. Assim,em meio a tantas diferenças, existe como semelhança a consciência do mundo.

Partindo desta premissa, passaremos à análise de algumas práticas desportivas consagradas,manifestações culturais que já passaram por avaliação do Supremo Tribunal Federal, expondo as lesões que causam à integridade física do animal, caracterizando os maus tratos, bem expondo, portanto, o posicionamento Supremo Tribunal Federal a respeito de cada demanda.

5.1 A Farra do Boi

A Farra do Boi consiste na prática cultural eminente na cultura catarinense, que se destina a soltar o animal em local ermo e induzi-lo a perseguir os participantes da prática desportiva, estes últimos, por fim, agridem o boi com objetos, furando seus olhos, bem como arrancando rabo e orelhas, entre outras espécies de atrocidades.

O ápice do evento se concretiza quando o animal não consegue mais se levantar, seja pela exaustão física e psicológica, seja por sua morte.

Há casos de bois que morreram de susto. Mas poucos têm essa sorte. Esses animais são perseguidos por horas, até a exaustão, são espancados com paus, espetos, têm olhos furados, rabos e orelhas arrancados, alguns quebram os ossos no desespero da fuga. Outros vão em direção ao mar e se afogam. A diversão sangrenta persiste há quase 300 anos no Sul do Brasil (NEWS BRASIL, 2018, s/p).

Portanto, estamos falando de uma barbárie atração revestida de tortura que persiste há mais de 200 anos no Sul do Brasil, sendo uma cerimônia germinada pelos colonizadores do estado de Santa Catarina como expressão de costume religioso, acontecendo em meados da Semana Santa, mais frequentemente na sexta-feira. As atrocidades começam mesmo antes da referida cerimônia, quando o boi é confinado, colocando o animal em posicionamento de desespero, deixando-o sem água e comida por alguns dias (NEWS BRASIL, 2018, s/p).

Em exame difuso de constitucionalidade pela 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Francisco Rezek relatou inicialmente, votando no sentido de declarar a inconstitucionalidade da modalidade desportiva perpetrando os seguintes dizeres(Ibidem, STF. ADI 3.776):

Não tenho como conviver com a tese de que aquilo que se nos defronta é urna manifestação cultural. Bem disse o ilustre advogado da tribuna: manifestações culturais são as práticas existentes em outras partes do País, que também envolvem bois submetidos à fobia do público, mas de pano, de madeira, de “papiermachê”, não de seres vivos, dotados de sensibilidade e preservados pela Constituição da República desse gênero de comportamento.

Referido recurso movido por organização popular, por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade das práticas de maus trados naFarra do Boi, determinando-a como ato cruel contra os animais.

Também foi defendida a inconstitucionalidade da prática cultural catarinense pelo Ministro Marco Aurélio, o qual entende que o espetáculo tirânico não trata de manifestação cultural, mas de prática cruel que busca o sacrifício do boi (Ibidem, STF. ADI 3.776).

Ademais, a própria Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, prevê em seu artigo 32 a detenção de até um ano para quem esteja envolvido na prática, podendo a aumentar no caso de se resultar na morte do animal.

Apesar de existir a lei repudiando práticas como a Farra do Boi, muitas pessoas não a respeitam, visto que, na prática, a pena é reduzida ao cumprimento de serviço comunitário ou pagamento em cesta básica, ou seja, a ausência da efetividade do poder de polícia, da fiscalização e penas mais severas resultam em atos clandestinos de sujeição do boi ao palco sanguinário da aludida manifestação cultural.

Portanto, não restam dúvidas que os maus tratos dirigidos ao boi são de notoriedade incontestável, e, consequentemente, não há dúvidas também quanto àinércia do Estado, cabendo ao Judiciário promover a repressão contra atos atentatórios aos preceitosconstitucionais de proibição da sujeição dos animais a atos de crueldade.

5.2 Da Rinha de Galo

Outra prática também entendida como manifestação cultural gerou questionamentos na Instância Maior. A Rinha de Galo compõe-se em uma espécie de combate em ringue, onde galos “de raça”são postos em luta, enquanto os participantes da prática demandam suas apostas (MUNDO ESTRANHO, 2018, s/p).

As lesões aos animais aptos a esta prática são impreteríveis, sendo muitas vezes permanentes, como,por exemplo, a cegueira. A rinha de galo é proibida no Brasil, uma vez que é apontada como maus tratos aos animais, entretanto, devido à falha fiscalização a prática ainda é encontrada clandestinamente pelo território nacional.

Por esta razão, e objetivando a inconstitucionalidade da Lei Estadual Fluminense nº 2.895, de 20 de março de 1988, o Procurador Geral da República interpôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1856 do Rio de Janeiro, regulando as práticas desportivas que envolvem combates de animais não silvestres.

A referida Ação de Inconstitucionalidade declarou que o “galismo” incube em prática desportiva ilegal, visto que se trata de ato cruel contra os animais, aos dizeres da Ministra Carmem Lúcia (STF, 2010, ADI 1.856):

Incumbe ao Estado vedar práticas que conduzam a isso. É uma tônica que, a meu ver, precisamos dar; não é o Estado que tem de ficar proibindo ou impondo às pessoas condutas que dignifiquem, mas a sociedade é que deve fazer isso. A sociedade tem de ser democrática para termos um Estado verdadeiramente democrático, na linha do que Vossa Excelência acaba de se referir. Quer dizer, há tanta violência, mas a violência, que parte de cada um, precisa ser coibida só nos excessos.

À vista disso, é clarividente o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a favor do respeito ao meio ambiente, repudiando atos, ainda que considerados culturais, que submetam os animais a práticas excruciantes. Passível a conclusão, ainda, de que a rinha de galo demanda de atos lancinantes,sendo uma afronta ao art. 225, §1º, inciso VII, da Constituição Federal, que visa proteger tanto a fauna quanto a flora.

5.3 Da Vaquejada

A Vaquejada é uma modalidade esportiva derivada da cultura do nordeste brasileiro. A referida prática consiste na perseguição de um bezerro em um campo demarcado pelo vaqueiro, o qual é despenhado ao chão puxando sua calda.

Trata-se de uma centenária prática que recentemente foi designo de ampla discussão entre os ambientalistas protetores dos animais e os agentes que exploram a modalidade em questão, visto que é uma popular manifestação cultural a qual gera grandes eventos, fazendo parte do patrimônio cultural nordestino.

Apesar de estes eventos gerarem empregos e movimentar a economia nordestina, busca-se mostrar que o custo aos animais sujeitos à prática é absurdo. As lesões causadas variam entre luxações e hemorragias internas, chegando até a decepar sua calda. Além desta imolação a céu aberto, os bois e bezerros são submetidos ao tratamento degradante antes mesmo da cerimônia, sendo maltratados com tapas, choques e até mesmo a mutilação de seus chifres sem nenhum tipo de anestésico.

De acordo com parecer técnico emitido em 25 de julho de 1999 por Irvênia Luiza de Santis Prada, observamos (LEITÃO, 2002, p. 23):


Ao perseguirem o bovino, os peões acabam por segurá-lo fortemente pela cauda (rabo), fazendo com que ele estanque e seja contido. A cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma seqüência de vértebras, chamadas coccígeas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Nesse gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito provável que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de contato de uma com a outra. Com essa ocorrência, existe a ruptura de ligamentos e de vasos sangüíneos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco. Como a porção caudal da coluna vertebral representa continuação dos outros segmentos da coluna vertebral, particularmente na região sacral, afecções que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal vertebral. Esses processos patológicos são muito dolorosos, dada a conexão da medula espinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos nociceptivos (causadores de dor). Volto a repetir que além de dor física, os animais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental.

A estrutura dos eqüinos e bovinos é passível de lesões na ocorrência de quaisquer procedimentos violentos, bruscos e/ou agressivos, em coerência com a constituição de todos os corpos formados por matéria viva. Por outro lado, sendo o “cérebro”, o órgão de expressão da mente, a complexa configuração morfo-funcional que exibe em eqüinose bovinos é indicativa da capacidade psíquica desses animais, de aliviar e interpretar as situações adversas a que são submetidos, disto resultando sofrimento.

Posto isso, verificamos que gradativamente a sociedade está se conscientizando de que apesar de ser uma manifestação cultural intrínseca de uma determinada região brasileira, devemos levar em consideração os atos aos quais estamos subjugando os animais.

É necessário, deste modo, reputar o bom senso de que estes seres sentem de forma consciente as lesões causadas pela a referia prática desportiva e assim buscar alternativas para este relevante conflito de direitos fundamentais.

Nesse sentido, ajuizou-se também no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidadenº 4.983, despertando um questionamento referente à Lei nº 15.299 de 2013, que regulamentava a prática da vaquejada no estado do Ceará.

De acordo com o julgamento do mérito da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade, por maioria de votos, a manifestação cultural cearense foi declarada inconstitucional por sujeitar os animais a tratamento cruel, conforme ementa (STF, 2017, ADI 4983):

VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada.

Entretanto, apesar do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a polêmica perdura até os dias atuais, devido ao desabrochar da Emenda Constitucional nº 96 de 2017, que ampliou os parágrafos do artigo 225 da Constituição Federal, que passou a vigorar com o seguinte texto:

§7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.

Deste modo, o indagamento que emerge é quanto à constitucionalidade desta inovação legislativa, visto que a referida emenda fere diretamente o artigo 60, §4º, da Carta Magna, o qual perpetua que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...], IV – os direitos e garantias individuais”, ou seja, a Emenda Constitucional nº 96 de 2017 altera rudemente uma cláusula pétrea guardiã dos direitos fundamentais de terceira dimensão, entretanto esta inconstitucionalidade será tratada com maior profundidade no próximo capítulo.

Portanto, entendemos que a vaquejada é uma manifestação que submete os animais aos maus tratos, sendo considerada uma infâmia ao direito ao meio ambiente equilibrado, direito este cravado como cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico.

6 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 96 DE 2017

No capítulo anterior apresentamos algumas práticas desportivas consagrada como manifestações culturais que já passaram por avaliação do Supremo Tribunal Federal, expondo o porquê de elas caracterizarem maus tratos.

As principais correntes filósofas apresentadassobre o tema, denominadas “abolicionistas” e “novos bem-estaristas”, posicionam-se em prol da incumbência de direitos aos animais e o fim dos costumes institucionalizados que os operam como instrumento, tais como as manifestações culturais apresentadas no capítulo anterior, demonstrando a forma díspar com que ambas suportam a dificuldade da mutação dos animais em sujeitos de direitos.

Assim, por muito tempo, escritores, juristas e filósofos lutam por um tratamento autônomo aos animais, considerando que peculiaridades, tais como senciencia, é parâmetro para estabelecer uma categoria jurídica favorável a eles. Partindo deste conceito, de que os animais deveriam receber um posicionamento legal mais protetivo, ao contrário do que é predominante atualmente, é que analisamos as alternativas pelos que defendem a alteração do tratamento conferido a eles hoje em dia.

Neste capitulo finalístico, será apresentada uma análise crítica sobre o conflito da Emenda Constitucional nº 96 de 2017 frente à Constituição Federal, demonstrando as principais teses da acusação de inconstitucionalidade da emenda em questão, em que abordaremos o que não está em consonância com o princípio da vedação à crueldade, disposto no artigo 225, inciso VII § 3°, também da Constituição.

6.1 Breves Considerações Sobre a Teoria Geral da Inconstitucionalidade

O controle de constitucionalidade retrata um método de exame para averiguar a compatibilidade entre leis e outros atos normativos com a Constituição Federal.

Assim, este instrumento está intimamente ligado com a supremacia da Constituição, de modo a ser um sistema que garanta e certifique a superioridade e rigidez das normas no ordenamento jurídico, com cunho hierárquico, em uma pirâmide jurídica idealizada com fundamento nas ideias de Hans Kelsen, onde as normas inferiores se subordinam à epígrafe constitucional, em sua doutrina intitulada como “teoria da construção escalonada”, sendo “a ideia de um princípio supremo, que determina a ordem estatal em sua totalidade e a essência da comunidade constituída por essa ordem” (KELSEN, 1981. p.152).

Assim, a percepção da Constituição como lei fundamental importa na condecoração da sua supremacia na ordem jurídica, bem como na subsistência de instrumentos capazes de protegê-la contra ataques jurídicos. Logo, visando assegurar tal supremacia, faz-se necessário um mecanismo que exerça um controle sobre as leis e os atos normativos, o denominado como controle de constitucionalidade.

Nesse sentido é apresentado por José Afonso da Silva apud Pedro Lenza (LENZA, 2012. p. 239):

Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.

Essas ideias inicias de fidelidade aos princípios basilares em respeito a supremacia da Constituição, origina de um processo de progressão calhado em diversos países influenciando o modelo vigente preferido na constituição brasileira.

Em síntese, o controle de constitucionalidade, prima por observar a supremacia da própria Carta Magna, atinente às garantias fundamentais, como a imposição de limites ao Poder do Estado sob si mesmo, de modo a balancear os desníveis como mecanismo de freios e contrapesos, na observância de um Estado Democrático de Direito.

6.1.1 O sistema de controle de constitucionalidade das emendas no Brasil

Conforme apresentado em apertada síntese, o controle de constitucionalidade é um dos instrumento mais relevantes da jurisdição constitucional, pois por meio dele o Supremo Tribunal Federal exerce sua função de protetor da Lei Maior, de tal modo que o estudo da maneira de como atua a Suprema Corte no controle de constitucionalidade é primordial para a compreensão da dinâmica das modificações na interpretação constitucional. Tal mecanismo é prontamente responsável pelas mudanças na interpretação jurídico-constitucional, portanto, tratando-se de uma das medidas mais eficientes no estudo da atuação do Supremo Tribunal Federal como suporte do desenho institucional brasileiro.

A Constituição da República Federativa do Brasil adota dois tipos de controle de constitucionalidade, sendo eles o controle preventivo e o controle repressivo. O controle preventivo é aquele que acontece antes da promulgação de Projetos de Lei e propostas de Emenda Constitucional, ou seja, espécies normativas que ainda estão sendo elaborados. Por outro lado, o controle repressivo é aquele que se realiza após a conclusão definitiva do processo legislativo, assegurando a Supremacia Constitucional, invalidando leis e atos dos poderes públicos (NOVELINO, op. cit., p. 234 e 235).

Fato é que não se admite que uma norma infraconstitucional esteja em desacordo com a Carta Magna, não bastando apenas a conformidade com as diretrizes constitucionais, mas também pelo o que a doutrina denomina como “omissão da aplicação de normas constitucionais”, toda vez que o Texto Maior assim estabelecer.

Nesse sentido, o que se entende é que poderá haver mudanças na Carta Magna para manter a ordem normativa superior em consonância com a realidade da evolução social, através da previsão da possibilidade de Emendas à Carta, conforme previsão do artigo 59, inciso I da própria Lei Maior.

Postas estas premissas, o questionamento que surge é o que legitimaria a Suprema Corte a controlar a constitucionalidade de Emendas Constitucionais? Pois é de fundamental importância compreendermos esta atuação de fiscalização da constitucionalidade.

Este controle ostenta particularidades muito específicas, pois trata, diretamente, das prerrogativas do processo legislativo, através de ferramentas próprias para a aprovação das Emendas, de modo que para que é imprescindível um maior grau de entendimento no Parlamento para sua aprovação.

Assim, uma Emenda Constitucional desabrocha de procedimento próprio, e apesar de inserida no processo legislativo, sendo que sua previsão se encontra no artigo 60, §3º da Constituição, desfruta de rigidez procedimental em relação à sua forma de discussão e aprovação, que são mecanismos adotados para proteger as regras constitucionais contra a eventual ação violadora do legislador comum (BONAVIDES, 2006, p. 208).

Portanto, consistem na via solene do poder de reforma constitucional, e assim sendo, são sujeitas àslimitações expressas de cunho formal e material, previstas na égide da Constituição, no caput e parágrafos do artigo 60 da Lei Maior, bem como as limitações ligadas à reforma constitucional, conforme o tópico a seguir.

6.1.2 Limitações do Poder de Reforma

É irrefutável dizermos que o poder de reforma constitucional é dotado de limitações, uma vez que é a própria Lei Maior que dita as regras dos procedimentos a serem seguidos, os quais, ao não serem observados,implicarão vício na criação da Emenda.

As limitações explícitas ou expressas são aquelas formalmente postas no texto

constitucional, enquanto que as limitações implícitas ou tácitas são as decorrentes dos

classificados como procedimentais, temporais e circunstanciais; quanto de ordem material,

denominados cláusulas pétreas, que podem ser expressas ou implícitas no texto constitucional.

As limitações explícitas ou expressas são aquelas formalmente postas no texto

constitucional, enquanto que as limitações implícitas ou tácitas são as decorrentes dos

classificados como procedimentais, temporais e circunstanciais; quanto de ordem material,

denominados cláusulas pétreas, que podem ser expressas ou implícitas no texto constituci

Estes limites podem ser implícitos, decorrentesde princípios constitucionais, ou expressos, solenemente redigidos no texto da Constituição, sendo que ainda podem ser tanto de natureza formal, relacionados à iniciativa e procedimento da reforma, quanto de natureza material, qual seja, pelas cláusulas pétreas.

As limitações formais têm previsão no artigo 60, incisos I a III da Carta de Direitos, e estão em umbilicalmente ligadas à redação constitucional, sendo que se estabelecem, como sujeitos ativos a apresentarem proposta de Emenda à Constituição, pelo menos 1/3 (um terço) dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; o Presidente da República, sendo importante frisar que ele não dispõe de prerrogativa de sancionar as emendas constitucionais; mais da metade das Assembleias Legislativas das Unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas pela maioria relativa de seus integrantes.

Ainda, conforme entendimento majoritário, este não trata de um rol exemplificativo, sendo, portanto, taxativo, de legitimados a apresentarem projeto de Emenda à Constituição.

Conforme Sarlet (SARLET, 2013, p. 129):

Assim sendo, percebe-se que os requisitos formais estabelecidos no art. 60, I a III, bem como nos § § 2 e 3, implicam uma legitimidade democrática reforçada e, por outro lado, uma maior autonomia do Poder Legislativo em  relação ao Chefe do Poder Executivo, cuja capacidade de intervenção no processo legislativo é limitada em relação ao que ocorre no âmbito das demais formas legislativas, onde não apenas há necessidade da sanção presidencial, como existe a possibilidade de um veto por parte do Presidente da República, aspectos que serão devidamente aprofundados na parte deste curso sobre o Poder Legislativo.

Assim, o caput do artigo 60 da Carta Magna apresenta os legitimados para proporem uma Emenda Constitucional, sendo que ainda o §2º estabelece o quórum de aprovação, e finalmente, o §5º dispõe quanto à vedação de uma Emenda rejeitada ou prejudicada ser reapresentada na mesma sessão legislativa (MENDES, 2007, p 205).

Não obstante, temos as limitações materiais, quais sejam, as cláusulas pétreas, conforme previsão do artigo 60, §4º da Constituição Federal, sendo:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

As cláusulas pétreas são “cláusulas eternas” dotadas de rigidez e mecanismos específicos a serem observados, de acordo com o jurista Sarlet SARLET, et. alli.op. cit., 2013. p. 117):

Justamente para que a constituição permaneça em vigor, não apenas simbolicamente, como uma mera “folha de papel” (Ferdinand Lassale), e cumpra sua função estabilizadora, é preciso que ela seja sempre também um projeto em permanente reconstrução, aberto ao tempo e ao câmbio da realidade, de tal sorte que permanência, estabilidade e mudança não são incompatíveis entre si, mas pelo contrário, constituem exigências recíprocas e que se retroalimentam, desde que guardado o necessário equilíbrio.

Vislumbramos, assim, que a função das cláusulas pétreas é proporcionar a estabilidade jurídica no ordenamento, fomentando um núcleo de valores para o Estado, assegurando a imutabilidade destes valores e preservando a paridade do projeto originário constituinte, e, para tanto, o constituinte obstou alguns conteúdos da aplicação do poder de Emenda.

Entretanto, conforme entendimento majoritário, “só faz sentido declarar imutáveis certas normas se a própria declaração de imutabilidade também o for. Do contrário frustar-se-ia a intenção do constituinte originário” (MENDES, op. cit., 2007, p. 208). Portanto, o rol disposto no §4º do artigo 60 também é uma cláusula pétrea e não pode ser abolido.

Há ainda de se observar que o texto constitucional traz a expressão “tendente a abolir”, portanto não sendo vedada a modificação das cláusulas pétreas, desde que seja matéria a ser ampliada, vedando-se apenas sua extinção.

Nesse sentido, no próximo tópico abordaremos a violação da cláusula pétrea no conteúdo da Emenda Constitucional nº 96 de 2017, ou seja, o direito ao meio ambiente equilibrado, quanto ao princípio da vedação da crueldade aos animais.

6.2 Violação de Cláusula Pétrea

Conforme apresentado, as cláusulas pétreas tratam de limitação material do poder de reforma constitucional.

Todavia, em 07 de junho de 2017 foi publicada a Emenda Constitucional nº 97, que inseriu o §7º no artigo 225 da Constituição Federal: “para determinar que práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis”.

Em verdade, a finalidade da referida Emenda foi superar a decisão da Suprema Corte, que declarou a modalidade desportiva da vaquejada como inconstitucional, conforme visto anteriormente, devido àsua característica de tratamento cruel aos animais,instrumentos da prática, caracterizando maus tratos.

A decisão do Supremo Tribunal Federal foi decorrente da Lei nº 15.299 de 2013, que regulamenta a prática da vaquejada no Estado do Ceará. O Procurador-Geral da República, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4983 contra a referida lei, juntando aos autos laudos técnicos que demonstram que as vaquejadas causam absurdas lesões à saúde dos bovinos, tais como luxações, hemorragia interna, fraturas, ruptura dos ligamentos e dos vasos sanguíneos, traumatismos e deslocamento da articulação, comprometendo a medula espinhal, gerando dores físicas e sofrimento mental.

Perante esses laudos, em um placar apertado de 6 x 5 votos, Suprema Corte entendeu que é incontestável o fato de que os animais instrumentos da modalidade cultural sofrem tratamento cruel, contrariando o artigo 225, § 1º, inciso VII, da Constituição Federal, declarando a inconstitucionalidade da lei cearense.

Posteriormente à decisão proferida, o Congresso Nacional editou a Lei nº 13.364 de 2016, com o seguinte texto (LEI Nº 13.364, 29/11/2016):

Art. 1º Esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.

Art. 2º O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional.

Nesse sentido, o Congresso Nacional manobrou de forma que contrariou a decisão emanada do Supremo Tribunal Federal, o que, todavia, não violaria formalmente a referida decisão. O mesmo não se pode dizer quanto à violação material.

Visto isso, antes da aprovação da Emenda nº 96 de 2017, o presidente Michel Temer sancionou a lei em questão, regulamentando como patrimônio cultural imaterial nacional as práticas, levando o Brasil ao sentido oposto das decisões nacionais recentes e do que se tem visto em outros países que repudiaram os esportes com animais e que praticam os maus tratos.

Ocorre que o instrumento suficientemente capaz para superar materialmente a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4983, uma vez que o entendimento pautado no acórdão não era por falta de lei regulamento a prática desportiva, mas por violar a vedação da não crueldade aos animais, seria a Emenda.

Foi então que, consciente deste fato, o Congresso optou por alterar a própria Lei Maior, introduzindo uma previsão expressa de que são permitidas práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, no § 7º do artigo 225 da Constituição Federal, ou seja, o que veio a ser a Emenda Constitucional nº 96 de 2017, sendo uma “jogada de mestre” para dar o aval às manifestações culturais que potenciam a economia do estado.

De modo infeliz, o Congresso Nacional diligenciou a manobra com a pretensão de reverter as decisões da Suprema Corte, uma vez que a Lei Estadual n° 15.299 de 2013 foi caracterizada como violadora da epígrafe do Texto Constitucional e portanto apontada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, embora a proteção constitucional não seja satisfatória à casas legislativas, é assegurado,por meio da materialização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do princípio da vedação da crueldade aos animais, uma tutela a estes seres, tratando de direito fundamental de terceira dimensão do próprio homem, referente a um direito de cunho difuso que abrange toda coletividade.

Assim pontua Pedro Lenza (LENZA, 2013. p. 865):

Novos problemas e preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores, só para lembrar aqui dois candentes temas. O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade.

Fato é que este direito não pode ser abolido nem restringido, pois desta forma constitui sério descumprimento de preceito legal, vez que a Constituição Federal veda, por meio da tutela ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, práticas que provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Portanto, não há que prosperar o direito àmanifestação cultural sobre o direito ao meio ambiente equilibrado, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 96 de 2017 firma-se um sólido retrato do retrocesso da sociedade brasileira.

6.3 Vedação ao Retrocesso – Princípio do “Efeito Cliquet

Conforme exposto anteriormente, o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito fundamental de terceira dimensão positivado no ordenamento jurídico brasileiro. Uma vez estabelecidos estes direitos fundamentais, há uma proibição de retrocedê-los.

Essa proibição ao retrocesso atua como uma garantia constitucional do cidadão em desfavor as atuações do Poder Legislativo e do Poder Executivo, protegendo os direitos fundamentais recepcionados pela Constituição Federal de serem alterados de modo que os diminuam ou extingam. Assim, quando estes direitos são inseridos sob a égide constitucional, não podem ser protelados.

Referido princípio também é conhecido como “Efeito Cliquet” e tem por escopo que, desde que não haja uma imposição de obrigação de avançar, há uma proibição de retroceder os direitos fundamentais já efetivados pelo Estado.

Assim asseta Canotilho (CANOTILHO, 2002. p. 336):

"Efeito cliquet” dos direitos humanos significa que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar na proteção dos indivíduos. Significa que é inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios.

Há que se destacar que o princípio do “Efeito Cliquet” não está explícito na Lei Maior, todavia, é predominante o entendimento de que se deve respeitar a proibição ao retrocesso, uma vez que as garantias adquiridas não podem se perder, não sendo uma opção regredir.

Fica clarividente, com a exposição deste princípio tão importante, que a Emenda Constitucional nº 96 de 2017 trata não só de uma verdadeira afronta àevolução do direito ao meio ambiente equilibrado, mas também de um retrocesso aos direitos já adquiridos, bem como a vedação dos maus tratos, pois acabou por ser um aval à sujeição dos animais ao tratamento cruel, mascarando esta barbárie com o manto de espetáculo cultural.

7 CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho monográfico, procuramos analisar os requisitos legais adotados para decidir quanto à colisão dos direitos fundamentais, mais especialmente o direito à manifestação cultural e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,com maior ênfase quanto à vedação ao tratamento cruel dos animais, uma vez que não há hierarquia entre o ser humano e os demais animais.

Nesse sentido, percebemos que, apesar de serem direitos que estão em patamar de igualdade, através da formalidade e materialidade entendemos quehá excessos nas práticas culturais quanto à violação daintegridade física e psíquica dos animais, contrariando-se os preceitos constitucionais.

Expusemos, posteriormente, as correntes filosóficas que buscam o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito que necessitam de proteção legal contra práticas que violem sua carne e mente, bem como as atividades que poderiam sujeitar os animais a atos de maus tratos e crueldade, infringindo a Constituição Federal, sendo elas a Farra do Boi, a Rinha de Galo e a Vaquejada, de modo que ficou evidente que estas modalidades causam dor e sofrimento aos seres sencientes.

Concluímos, com esta pesquisa, uma grande complexidade em abordar um tema repleto de variáveis e argumentos históricos, culturais, científicos e até mesmo da seara veterinária, entretanto sendo necessária a discussão de direitos aos animais para gerar debates quanto à temática que influenciem gradativamente num avanço futuro, buscando entendimento diferente do que foi adotado pela emenda constitucional objeto do trabalho.

Ademais, o sancionamento da Emenda Constitucional nº 96 de 2017, inserindo a previsão expressa de que são permitidas as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais mostra-se como uma verdadeira afronta ao princípio da não retroatividade dos direitos fundamentais, o qual dispõe que após a aquisição de um direito fundamental, este último não poderá ser revogado, gerando uma certa frustação jurídica em relação aos posicionamentos que a Suprema Corte adotava, levantando o questionamento quando a constitucionalidade da referida emenda, uma vez que é expressamente inconstitucional o tratamento cruel aos animais.

Sendo assim, por mais problemático que seja um assunto como esse, a pretensão do estudo é demonstrar que, sendo os animais seres dotados de sistema extra nervoso central e senciente, pelo amparo constitucional, no artigo 225, §1º, inciso Vll, éinconstitucional submetê-los ao entretenimento do ser humano que gere maus tratos, ainda que com a aprovação da Emenda Constitucional nº 96 de 2017, que, como visto, desabrochou com inconstitucionalidade ao retroceder no tocante aos direitos fundamentais de terceira dimensão positivados na Carta Magna.

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