O que acontece se o Prefeito Municipal não cumprir uma lei?

11/12/2018 às 07:39

Resumo:


  • O princípio da legalidade é uma diretriz obrigatória no Estado Democrático de Direito.

  • Na administração pública, deve-se fazer apenas o que a lei permite, diferentemente das relações entre particulares.

  • O descumprimento de leis por parte do Prefeito Municipal pode resultar em crime de responsabilidade ou improbidade administrativa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Descumprimento injustificado de Lei Municipal por parte do Chefe do Executivo pode gerar consequências jurídicas graves

Imaginem a seguinte situação:

A Câmara Municipal do Município Alfa aprovou uma lei prevendo vantagens para os munícipes (isenção de pagamento em concursos públicos municipais, por exemplo). Pergunta-se: poderia o Prefeito do Município Alfa, não cumprir esta norma? Quais seriam as consequências?

De fato, não pode o Chefe do Executivo simplesmente deixar de cumprir uma lei, seja ela nacional, estadual ou municipal, isto porque é decorrência lógica do direito brasileiro, que o princípio da legalidade é diretriz de observância obrigatória no Estado Democrático de Direito:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.

Assim, o princípio da legalidade gera para a Administração Pública o dever de fazer apenas o que a lei permite, ao passo que no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe.

No direito brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.[1]

Deste modo, da análise sistemática dos dois dispositivos que tratam da legalidade na Constituição Federal, interpretação não resta a não ser é a de que, se existe lei vigente para a administração pública, ela inevitavelmente precisa ser cumprida, por consequência de sua coercibilidade natural, pelo simples fato de ser uma norma.

Em que pese o Princípio da Legalidade ser, por si só, razão pela qual não só o Prefeito Municipal, mas também qualquer outra pessoa, cumpram as normas do ordenamento jurídico, existem também dispositivos pontuais no direito brasileiro, que preveem sanções para o caso de descumprimento de normas, vejamos:

I - CRIME DE RESPONSABILIDADE POR RECUSA A CUMPRIMENTO DE LEI

O Decreto-Lei 201, de 27 de fevereiro de 1967, trata sobre a responsabilização de prefeitos e vereadores, trazendo normas de conteúdo penal, mas também de responsabilizações político-administrativas.

Desta forma, uma das previsões da norma é a prática de crime de responsabilidade por parte do Prefeito Municipal, que negar execução a lei, ou deixar de cumprir ordem judicial sem justo motivo/impossibilidade:

DECRETO-LEI 201, DE 1967

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
[...]
XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;

Tal previsão é importante, pois acaba constituindo num importante mecanismo de controle do sistema de freios e contrapesos, evitando com que o Chefe do Executivo Municipal, a bel-prazer ignore leis vigentes, ou descumpra comandos judiciais sem justo motivo, frustrando o trabalho dos outros poderes constituídos.

Desta forma, recente julgado do Tribunal de Justiça de SP ratificou essa máxima:

Ação Penal Originária. Crime de responsabilidade. Prefeito. Artigo 1º, inciso XIV, do Decreto-lei nº 201/67. Contratação de servidores contra expressa disposição legal. Falta de realização de concurso público. Denúncia que descreve conduta típica. Prova de materialidade e presença indícios de autoria. Denúncia recebida.
[Tribunal de Justiça de SP. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO MP Nº 0025697-67.2016.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Criminal. Rel. Des. Sérgio Coelho. Julgado em 1º de dezembro de 2016]

II - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR ATO ATENTATÓRIO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Se como visto acima, o Princípio da Legalidade deve ser observado por todos, inclusive pelo Chefe do Executivo, é inegável que a conduta de abstenção ante uma obrigatoriedade imposta por lei municipal, pode gerar a prática de improbidade administrativa pelo Prefeito Municipal:

LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
[...]
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
[...]
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)
IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Da redação da Lei de Improbidade Administrativa-, extrai-se que a hipótese do inciso II, do art. 11, trata-se da chamada “prevaricação administrativa, consistente em retardar ou omitir ato de ofício sem justificativa legal”.[2]

Na jurisprudência:

APELAÇÃO AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ATO ATENTATÓRIO À LEGALIDADE Preliminar:
Impossibilidade jurídica do pedido. Sujeição dos agentes políticos ao regime de responsabilização da Lei nº 8.429/92, sem prejuízo das disposições do Decreto-lei nº 201/67. Ausência de bis in idem. Preliminar rejeitada. Mérito: Os agentes da Administração Pública, no exercício de suas atribuições, devem guardar em seus atos a mais lídima probidade, a fim de preservar o interesse último dos atos praticados, qual seja, o bem comum. Elementos fáticos-probatórios dos autos que evidenciam a conduta atentatória à legalidade da Administração. Procedência da ação. Reiteração de conduta que demonstra o elemento volitivo qualificado necessário à configuração do ato ímprobo - aplicação dos instrumentos de sanção cabíveis, mediante processo de individualização da pena respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade - sentença mantida. Recurso improvido.
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[Tribunal de Justiça de SP. Apelação nº 0000834-24.2011.8.26.0129. 4ª Câmara de Direito Público. Rel Des. Paulo Barcellos Gatti. Julgado em 16 de outubro de 2017].

CONCLUSÃO

Ante o exposto, conclui-se que apenas em casos devidamente pontuais e justificados poderia o Chefe do Poder Executivo se omitir ante um comando normativo, sob pena, de correr o risco de se ver responsabilizado penal e administrativamente (e até civilmente, se num caso concreto eventual munícipe se sentir lesado pela omissão do gestor), com base no Decreto-Lei 201, de 1967, e na Lei de Improbidade Administrativa, Lei Nacional 8.429, de 1992.


[1] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31ª ed. rev. atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. Versão Eletrônica, p. 131/132.

[2] PAZZAGLINI Filho, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 7ª ed. - São Paulo: Atlas, 2018. Versão Eletrônica, p. 108.

Sobre o autor
Lucas Domingues

Advogado e Diretor de Divisão de Assuntos Jurídicos da Câmara de Sorocaba inscrito na OAB-SP nº 406.038. Aprovado em concursos do SAAE Sorocaba-SP, e do Ministério Público de São Paulo. Pós-graduado em Direito Municipal pela Escola Paulista de Direito e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela Esamc Sorocaba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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