1. INTRODUÇÃO
O crime organizado e a ação das organizações criminosas são objetos de diversos estudos e trabalhos científicos, seja no meio jurídico, jornalístico, sociológico ou ainda no debate político no polo das medidas de segurança pública, propiciando variadas indagações, muitas vezes carentes de conceituação adequada.
O presente trabalho consubstancia-se no estudo acadêmico sobre as organizações criminosas, com o objetivo de delimitar com precisão seu conceito e características no ordenamento penal brasileiro, esclarecendo-se os contornos dogmáticos de seus modelos estruturais, como meio indispensável para que se compreenda os obstáculos na abolição de suas práticas criminosas, devido à teia complexa de reações formadas desde sua origem histórica.
2. ORIGEM NO BRASIL
A origem das organizações criminosas no Brasil carece ainda de um estudo sistêmico, havendo divergentes abordagens entre os autores que desenvolvem o tema. O promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo Eduardo Araújo Silva (2003, p. 25-26) relaciona a origem das organizações criminosas ao fenômeno do cangaço, definindo-o como o antecedente da criminalidade organizada brasileira.
Ao mesmo tempo, o autor também afirma que o jogo do bicho foi a primeira infração penal organizada no Brasil e cita organizações criminosas recentes (o Terceiro Comando, o Comando Vermelho e a Falange Vermelha) como provenientes da escassa estrutura dos estabelecimentos prisionais cariocas das décadas de 70 e 80.
Por outro lado, Ivan Luiz da Silva (1998, p. 52) entende que a origem da criminalidade organizada no Brasil desenvolveu-se em duas fontes distintas, compreendendo a primeira como a natural evolução e crescimento da atividade criminosa individual para a prática de crimes através de quadrilhas especializadas em determinados tipos de crimes; e a segunda estabelecida na ajuda, por meio de conhecimentos e táticas de guerrilhas e organização, transmitida pelos presos políticos aos presos comuns.
No que tange o posicionamento de Raúl Cervini (1997), por sua vez, ele compreende ser uma ser uma visão pequena do tema ao relacionar o surgimento do crime organizado com os comandos carcerários.
Por fim, apesar das compreensões explanadas, não há como se garantir que a conceituação de crime organizado atual seja perfeitamente correspondente às organizações dos séculos passados, tendo em vista que as características de tais grupos de criminosos e de toda a sociedade está e constante evolução.
3. CONCEITO
No que tange a conceituação de crime organizado, percebemos diversas correntes doutrinárias estudam o tema, muito embora percebida uma dificuldade de se atingir consenso. Basicamente, o crime organizado nada mais é do que toda organização cujas atividades são destinadas a obter poder e lucro, por meio de atividades ilícitas.
Entende-se como crime organizado toda a organização cujas atividades são destinadas a obter poder e lucro, sendo esse feito de forma ilícita, por meio de transgressões do ordenamento jurídico. A observar:
o crime organizado, entendido como a conduta praticada por indivíduos que se associam de forma organizada (o que remeteria ao conceito de organização criminosa) para a prática de atividades ilícitas não dá lugar a uma estrutura criminosa. Nota-se, portanto, que criminalidade organizada, organização criminosa e crime organizado são expressões interligadas (PRADO, 2016, p. 553).
A definição de organização criminosa por sua vez é complexa e controversa, assim como a própria atividade do crime nesse cenário. Todavia, em que pese tamanha complexidade, podemos buscar no presente estudo uma compreensão próxima da objetividade, que vise guiar a compreensão de sua natureza.
Ao analisar a definição legal de organização criminosa, destaca-se o artigo 1º, §1º, da Lei 12.850/13:
“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Dessa forma, compreende-se como organização criminosa um determinado grupo de pessoas, dotadas de interesses comuns, que visam união objetivando a prática de crime. A exemplo das pessoas que se unem a fim de praticar crimes para obter grande volume de dinheiro ao assaltar um banco.
“Tais organizações possuem características especiais como, por exemplo, um sistema normativo infracultural, que privilegia valores específicos e determinados estilos de comportamento (honra, amizade, solidariedade, Omertà e a violência como instrumento para ascender socialmente) que apresentam, como maior risco, a possibilidade de infiltração no sistema político-administrativo”. (MONTOYA, 2007).
Entre as características desse fenômeno social, perceber-se que nesses grupos há sempre o enfrentamento, além do combate das forças policiais de sua região, a oposição de outras facções ilegais.
Como forma de garantir suas atuações ilícitas, os membros de organizações criminosas dispõem de forte armamento, garantindo por meio de intimidação externa e assassinatos a sustentação de seu crime organizado.
Ainda, outra característica perceptível desses grupos é a mobilização das organizações criminosas no sentido de manter a ocultação de informações sobre suas atividades . Para tanto, utilizam-se de falhas nos sistemas de segurança, destruições de provas, subornos, etc.
3.1. CARACTERÍSTICAS
Por meio de seu estudo, Cervini e Gomes (1997) apresentam uma proposta de definição de organização criminosa que possibilita a inclusão das seguintes características, dentre as quais ao menos três delas teriam de ser necessariamente verificadas em concreto:
I - hierarquia estrutural; II - planejamento empresarial; III - uso de meios tecnológicos avançados; IV - recrutamento de pessoas; V - divisão funcional das atividades; VI - conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agente do poder público; VII - oferta de prestações sociais; VIII - divisão territorial das atividades ilícitas; IX - alto poder de intimidação; X - alta capacitação para a prática de fraude; XI - conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa (CERVINI; GOMES, 1997, p. 99-100).
Por sua vez, percebemos elencadas características essenciais e secundárias na obra de Baltazar Junior (2008), que contribuiriam para a constituição concreta do conceito de organização criminosa.
Baltazar identifica como características essenciais “a pluralidade de agentes, estabilidade ou permanência, finalidade de lucro, divisão de trabalho e estrutura ou planejamento empresarial”. Ainda, por características secundárias, o autor lista “a hierarquia; disciplina; conexão com o Estado, ramificada em corrupção e clientelismo; violência; entrelaçamento ou relações de rede com outras organizações; flexibilidade e mobilidade dos agentes criminosos; mercado ilícito ou exploração ilícita de mercados lícitos; monopólio ou cartel de determinados setores do mercado; controle territorial; utilização de sofisticados recursos tecnológicos; transnacionalidade ou internacionalidade; embaraço do curso processual e compartimentalização, a partir da criação de uma cadeia de comando” (BALTAZAR JUNIOR, 2008).
No que tange unicamente os estudos de critérios sociológicos e criminológicos para a real definição das organizações criminosas, Ferro destaca os seguintes elementos:
a organização criminosa pode ser conceituada como a associação estável de três ou mais pessoas, de caráter permanente, com estrutura empresarial, padrão hierárquico e divisão de tarefas, que, valendo-se de instrumentos e recursos tecnológicos sofisticados, sob o signo de valores compartilhados por uma parcela social, objetiva a perpetração de infrações penais, geralmente de elevada lesividade social, com 47 grande capacidade de cometimento de fraude difusa, pelo escopo prioritário de lucro e poder a ele relacionado, mediante a utilização de meios intimidatórios, como violência e ameaças, e, sobretudo, o estabelecimento de conexão estrutural ou funcional com o Poder Público ou com algum(ns) de seus agentes, especialmente via corrupção - para assegurar a impunidade, pela neutralização da ação dos órgãos de controle social e persecução penal -, o fornecimento de bens e serviços ilícitos e a infiltração na economia legal, por intermédio do uso de empresas legítimas, sendo ainda caracterizada pela territorialidade, formação de uma rede de conexões com outras associações ilícitas, instituições e setores comunitários e tendência à expansão e à transnacionalidade, eventualmente ofertando prestações sociais a comunidades negligenciadas pelo Estado. E crime organizado é a espécie de macrocriminalidade perpetrada pela organização criminosa. (FERRO, 2009, p. 499).
4. MODELOS ESTRUTURAIS
No estudo técnico da doutrina especializada, percebem-se predominantemente reconhecidas quatro formas básicas de organizações criminosas. São elas:
4.1.Tradicional (ou Clássicas)
Esse tipo de organização possui como exemplo notório as Máfias. Compreende o modelo clássico das organizações criminosas, revelando características específicas, de tipo mafiosas. As associações de tipo mafioso se diferenciam das comuns por meio de seu elemento constitutivo especial: a existência de uma profunda força intimidatória, que atua de forma autônoma, difusa e permanente.
4.2. Rede (Network – Rete Criminale – Netzstruktur)
Neste tipo de organização, percebemos a globalização como a sua principal característica. Constitui-se por meio de um grupo de experts sem ritos, vínculos, base ou critérios mais rígidos de formação hierárquica. Trata-se de uma organização provisória em natureza, que se aproveita das diversas oportunidades que surgem em cada setor e local, formando-se por meio de ‘indicações’ e ‘contatos’ existentes no ambiente criminal, sem qualquer compromisso de vinculação ou permanência.
As organizações criminosas de rede concentram a sua atuação nos espaços e territórios que favorecem os delitos de sua proposição, estendendo suas atividades por um curto período de tempo até diluir-se. Seus integrantes passam a se unir a outros agentes, constituindo uma nova célula em outro local.
4.3. Empresarial
Nesta espécie de organização criminosa, percebemos o seu desenvolvimento âmbito de empresas licitamente constituídas, ambiente em que seus empresários, aproveitando-se da própria estrutura hierárquica da empresa e mantendo as suas atividades primárias lícitas, de modo a fabricar, produzir e comercializar bens de consumo para, secundariamente, praticar crimes fiscais, crimes ambientais, cartéis, fraudes, etc.
4.4. Endógena
Neste formato de organização criminosa, as atividades ilícitas concentram-se dentro do próprio Estado, em todas as suas esferas, Federal, Estaduais e Municipais, que a depender de seus objetos e atividades, envolve cada um dos Poderes da União (Legislativo, Executivo e Judiciário). Sua formação se compõe basicamente de políticos e agentes públicos de todos os escalões, consequentemente envolvendo crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração Pública, bem como, quase que inevitavelmente, outras infrações penais como aquelas que se relacionam direta ou indiretamente.
É forma de organização criminosa denominada, na doutrina alemã de Kriminalität der Mächtigen – ‘Criminalidade dos Poderosos’”.
5. CONCLUSÃO
Os pressupostos jurídicos e científicos que possibilitam a compreensão do nosso atual sistema penal, alimentado e estruturado pelos grandes grupos criminosos que o compõe são de extrema relevância, de forma a garantir a inserção do cientista jurídico na visualização de uma solução plausível para uma nova estrutura de segurança pública capaz de abolir esse complexo sistema organizacional criminoso.
A compreensão do que constitui os elementos identificadores do crime organizado é elemento fundamental para se promover um real estudo de abolição desta prática criminosa, ainda que impossível de se visualizar atualmente.
No entanto, percebe-se uma dificuldade muito grande da doutrina no sentido de compreender suas definições básicas e estruturais, necessitando o constante estudo sobre o tema, vez que este está em constante desenvolvimento global.
6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e Crime Organizado. Aspectos legais. Autoria mediata. Responsabilidade penal das estruturas organizadas de poder. Atividades criminosas. RJ, Lumen Juris, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa: comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. [E-book].
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. A criminalidade organizada: do fenómeno ao conceito jurídico-penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 71, mar. - abr. 2008, p. 11- 30.
FERRO, Ana Luiza Almeida. Crime organizado e organizações criminosas mundiais. Curitiba: Juruá, 2009.
BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime Organizado. Currículo Permanente. Caderno de Direito Penal: módulo 04. Porto Alegre: Tribunal Regional Federal – 4ª Região, 2008.
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa: Lei 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Especial. Vol. 3. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
VIANA, Lurizam Costa. A Organização Criminosa na Lei 12.850/13.Disponível em <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS-ASHGA3/a_organiza__o_criminosa_na_lei_12.850_13__disserta__o___lurizam_costa__viana_.pdf?sequence=1>. Belo Horizonte, 2017.