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As operações da Polícia Federal e as influências políticas.

Manifesto pela desvinculação do Departamento de Polícia Federal do Poder Executivo

01/08/2005 às 00:00
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As recentes operações envolvendo a Polícia Federal, noticiadas na grande mídia, têm em comum o fato de envolverem políticos e a elite rica do país. São exemplos recentes as "Operação Narciso", que levou à prisão pessoas ligadas à empresa Daslu, "Operação Cevada", que prendeu representantes da Schincariol e, por fim, "Operação Confraria", com a prisão, dentre outros, do ex-Prefeito de João Pessoa/PB, filiado ao PSDB.

Não obstante a lisura, isenção, independência e autonomia de tais operações, todas fulcradas em dispositivos constitucionais e legais – não se pode desconhecer, por exemplo, a existência de lei disciplinando a "prisão Temporária", prisão de natureza cautelar que objetiva auxiliar a investigação criminal ainda na fase do Inquérito Policial; ou os instrumentos de investigação criados pela chamada Lei de Crime Organizado, lei 9.034/95, tais como a ação controlada e quebras de sigilos bancários e fiscais de integrantes de organizações criminosas; ou, ainda, a Lei de Interceptação Telefônica, cujo nome sintetiza os fins; ou a Lei Complementar 105/01, que disciplina quebras de sigilo bancário; o Mandado de Busca e Apreensão, disciplinado no próprio Código de Processo Penal, entre outros instrumentos utilizados com maestria pelos Delegados de Polícia Federais no combate ao crime e na defesa do Estado Democrático de Direito, pelo fim ou, pelo menos redução, da corrupção e demais formas de criminalidade – tem se verificado a existência de críticas aprofundadas contra esse bom trabalho, em parte pelo desconhecimento dos fundamentos da ação policial federal, mas principalmente pela triste sensação de que, como no pretérito, a Polícia Federal serviria a interesses de governo e de momento.

Dir-se-ia que são operações surgidas do nada com o único intuito de encobrir ou desviar a atenção da sociedade para outras ações igualmente importantes envolvendo pessoas ligadas ao Governo Federal. E, ainda, em alguns casos chega-se a duvidar da autonomia e capacidade intelectual dos Delegados de Polícia Federal, como se não tivessem idêntica, ou superior, formação que advogados e membros do Ministério Público e do Judiciário.

A crise deflagrada pela CPI dos Correios e reforçada com as histórias – e estórias – relacionadas ao "mensalão" mencionado pelo Deputado Federal Roberto Jefferson, apenas reforça essa sensação, que termina por diminuir o brilho do trabalho policial federal hodierno.

É preciso que fique claro, no entanto, que após longo tempo estagnado, há alguns anos o Departamento de Polícia Federal iniciou séria renovação e atualização de seus quadros.

A Academia Nacional de Polícia, templo do conhecimento policial federal, capacita os mais diversos profissionais, durante o ano inteiro, oferecendo desde cursos específicos para o treinamento de investigadores criminais nas diversas especialidades em que o crime se apresenta, como também para agentes públicos de diversos órgãos, intrinsecamente ligados, no entanto, com a investigação criminal, como são exemplos os cursos oferecidos para os membros do Poder Judiciário e Ministério Público.

Ressalte-se, nesse sentido, que atualmente os Delegados Federais e seus Agentes ao passarem para a última fase da carreira, a classe especial, com a conclusão, respectivamente, dos Cursos Especial e Superior de Polícia, estarão obtendo título de especialização equivalente ao MBA em Gestão e Segurança Pública, não se olvidando do fato de que, recentemente, foi aprovada e formalizada autorização para que os Policiais Federais, na condição de professores, pudessem dar um pouco mais de sua contribuição intelectual e empírica diferenciada nas Universidades públicas e privadas, entre outras, com a edição da Instrução Normativa nº 03/2004-DG/DPF, de 22 de março de 2004, que disciplina o exercício do magistério por integrantes da Carreira Policial Federal, editada pelo ilustre Senhor Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal.

Outrossim, se em alguns rincões do país ainda se verifica a existência de Delegados "calça-curta", sem formação jurídica, é mister que se dê publicidade ao fato de que os Delegados da Polícia Federais são todos, no mínimo, bacharéis em Direito aprovados em concursos públicos disputadíssimos, verdadeiro crivo para adentrar nos umbrais da Polícia Federal, que exigem não apenas conhecimento jurídico aprofundado, mas também capacidade e saúde física, mental e, por que não dizer, espiritual, de modo que a aprovação em suas várias etapas, que inclui atualmente quatro meses em Curso de Formação Profissional na Academia Nacional de Polícia, em Brasília/DF, informa que ali se encontra alguém diferenciado dentro da sociedade, capaz de sobreviver a momentos de grande e extrema tensão física e psicológica, com habilitação para comandar as investigações criminais utilizando, com igual maestria, tanto a pena quanto a espada.

O Departamento de Polícia Federal do terceiro milênio, conforme se verifica, tem em seus quadros os mais capacitados profissionais, muitos doutores, mestres e especialistas, de longa data perpetuando o bom nome dessa organização policial federal, cujo nível de excelência é reconhecido internacionalmente. Nesse sentido, verifica-se que muitas são as palestras e textos de elevado teor que nossas autoridades policiais e demais integrantes federais fornecem não apenas no Brasil, mas nas principais cidades da América do Sul, Europa e Estados Unidos, entre outras localidades.

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As críticas, duras, à atuação policial, no entanto, sob nossa ótica têm uma justificativa: o Departamento de Polícia Federal, apesar de ser a Polícia Judiciária da União, também é órgão do Ministério da Justiça, sendo, pois, também, a Polícia Administrativa da União.

Logo, mais fácil a conclusão de que o Senhor Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal não teria meios de contrariar os interesses do Exmo. Sr. Ministro da Justiça, responsável por sua indicação, a quem é subordinado, e o qual, em última análise, é homem da confiança do Exmo. Sr. Presidente da República.

Ora, de fato se o Ministro da Justiça é um homem isento, como é o caso atualmente do Dr. Márcio Thomaz Bastos, a Polícia Federal atua com eficiência e eficácia, combate a criminalidade, sem seleção, e ainda cria o efeito psicológico tão necessário à diminuição ou prevenção da criminalidade no país; de outro modo, antitético, a Polícia Judiciária da União se apaga e fica em segundo plano, com prioridade para o crime e o criminoso, em prejuízo da sociedade, seja o cidadão comum seja o grande empresário.

Em qualquer hipótese, entretanto, fica a mácula da difamação da mídia e de políticos no sentido de que a ação é direcionada e parcial.

Em alguns exemplos, não tão distantes, a mídia destacou que policiais federais estariam sendo perseguidos por ações que teriam atingido pessoas ligadas ao Governo Federal. Casos de tal espécie são mais comuns, ainda, quando se mencionam as polícias civis em sua relação com os políticos estaduais, quase impossíveis de serem investigados pelos órgãos policiais dos Estados federados em razão da ausência de independência e em razão da excessiva ingerência que tanto mal faz às instituições democráticas.

Verdade ou não a questão da ingerência, o fato é que a sociedade exige e a Polícia Judiciária, seja da União seja dos Estados, necessita de isenção e independência para que seu trabalho seja reconhecido como tal e, por conseqüência, para que o crime seja percebido como fato que deve ser repelido pela razão e não pela emoção.

E a independência que defendemos deve ser reconhecida pela própria Constituição Federal, a fim de evitar que se coloquem as autoridades policiais e seus agentes ao alvedrio de cada novo governo, a cada novo período eleitoral, como massa de manobra. Tal tese, compartilhada pela classe como uma grande saída para a moralização de nossas instituições e para a consecução de um efetivo Estado Democrático de Direito, já vem sendo defendida pelo festejado jurista Fábio Konder Comparato.

O exemplo a ser seguido é fácil e próximo: ou alguém desconhece que o Ministério Público se tornou o defensor da sociedade, como hoje se apresenta, com as modificações (deveres e garantias) inseridas na Constituição Federal de 1988?

Assim, se as críticas têm uma justificativa, uma análise desapaixonada demonstrará que também têm uma solução: o Departamento de Polícia Federal, tal como o Órgão do Ministério Público, necessita estar desvinculado do Executivo Federal, com autonomia funcional, administrativa, financeira e orçamento próprio, constitucionalmente definido, para a plena consecução de suas importantes finalidades constitucionais.

A desvinculação, dando a autonomia constitucional necessária, é o que a sociedade efetivamente necessita, de modo que as investigações criminais de vários meses ou anos na consecução dos fins do direito penal, ultima ratio e maior poder que o Estado dispõe para manter a ordem democrática e a segurança da sociedade, jamais possam ser consideradas como meros instrumentos de interesses políticos, verdadeiras mulas-sem-cabeça.

A efetividade do Texto Constitucional, pela defesa da ordem jurídica e da sociedade democrática, enfim, demanda a criação do Ministério de Polícia Federal, órgão desvinculado do Executivo Federal, com discriminação constitucional expressa dos deveres e garantias dos Delegados de Polícia Federal, função essencial à consecução da Justiça Criminal, em especial independência funcional e inamovibilidade, no combate à corrupção e todas as demais formas de criminalidade, venha de onde vier.

A alternativa a esse modelo? Arbítrio e abutres.

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Sobre o autor
Stenio Santos Sousa

delegado de Polícia Federal, pós-graduando em Ciências Criminais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Stenio Santos. As operações da Polícia Federal e as influências políticas.: Manifesto pela desvinculação do Departamento de Polícia Federal do Poder Executivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 758, 1 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7091. Acesso em: 24 abr. 2024.

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