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Igrejas ou organizações criminosas?

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26/12/2018 às 15:55
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IMUNIDIDADE RELIGIOSA

A imunidade tributária dos templos religiosos está consagrada na Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso VI, alínea “b”, sendo um instrumento de proteção ao direito de liberdade religiosa, o qual é também protegido pela Constituição Federal, ao elencá-lo como um dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo e da coletividade, no artigo 5º, inciso VI.

Com esta proteção constitucional, pode-se afirmar que o Brasil é um país laico, devendo o Estado preocupar-se em assegurar a seus cidadãos um ambiente para o exercício da liberdade religiosa, não permitindo a intolerância religiosa ou a realização de qualquer ato tendente a impedir ou restringir o exercício de culto, seja qual for a crença.

Destaca-se também que em meio a este laicismo religioso, o Estado deve proporcionar segurança e garantir a todos o livre exercício de todas as religiões não pode haver nenhuma religião oficial.

É o que evidencia a Carta Magma em seu artigo 19, ao dispor que:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

II - recusar fé aos documentos públicos;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. (BRASIL, 1988)

Sobre o Estado laico, que é a base do livre arbítrio religioso, enfatiza Santos Júnior (2007, p. 62):

Laicismo expressa o sistema jurídico-político no qual o Estado e as organizações religiosas não sofrem interferências recíprocas no que diz respeito ao atendimento de suas finalidades institucionais; laicidade, por seu turno seria simplesmente a qualidade de laico, o caráter de neutralidade religiosa do Estado. Poder-se-ia dizer, assim, que o laicismo é o sistema caracterizado pela laicidade.

Em defesa do Estado laico como garantia do exercício dos direitos humanos, Flávia Piovesan e Silvia Pimentel (2003) entendem que:

O Estado laico é garantia essencial para o exercício dos direitos humanos. Confundir o Estado com religião implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis, que, ao imporem uma moral única, inviabilizam qualquer projeto de sociedade pluralista, justa e democrática. A ordem jurídica em um Estado democrático de Direito não pode se converter na voz exclusiva da moral católica ou da moral de qualquer religião. [...] Os católicos e outros religiosos tem o direito de constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são partes de uma sociedade democrática. Mas não têm o direito de pretender hegemonizar a cultura de um Estado constitucionalmente laico.

Oportuno ressalta que, apesar de o Brasil ser uma nação secular, com separação entre as religiões, aprouve o Poder Constituinte originário elencar o exercício da crença religiosa no país como direito e garantia fundamental, demostrando, assim, que o constituinte intendeu e observou os benefícios trazidos pela religião, ou seja, o caráter inigualável e benéfico de todas as religiões para a sociedade, trazendo valores éticos e princípios morais para famílias, apregoando o fortalecimento e o aperfeiçoamento do indivíduo, contribuindo, assim, para o exercício de uma vida digna saudável, além da  realização de obras sociais benevolentes.

Como forma de impulsionar o mínimo existencial trazido pela religião, ou seja, a fim de preservar o princípio fundamental que regula as relações entre o Estado e os cidadãos, o Poder Constituinte originário estabeleceu na Carta Magna, medidas de proteção à liberdade religiosa, primeiramente, elencadas no artigo 5º, incisos VI a VIII.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (BRASIL, 1988).

Nessa mesma linha de proteção à liberdade de culto, o artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal, estimula o crescimento religioso, independentemente da crença, quando determinar a não incidência do poder de tributar sobre os templos religiosos.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

b) templos de qualquer culto;

Portanto, o dispositivo constitucional descrito acima, estabelece a imunidade tributária dos templos religiosos, segundo o qual não incidirá impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das entidades religiosas.

Sabendo-se que, quando o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso VI, fala sobre o livre exercício do culto entende-se que, a palavra culto deve ser interpretada de forma mais amplificada, a fim de compreender toda a forma de manifestação religiosa, sendo este o entendimento de Paulo de Barros Carvalho (2005, p.193):

Cabem no campo de sua irradiação semântica todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada religiosidade, por mais estrambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam. E as edificações onde se realizarem esses rituais haverão de ser consideradas templos. Prescindível dizer que o interesse da coletividade e todos os valores fundamentais tutelados pela ordem jurídica concorrem para estabelecer os limites de efusão da fé religiosa e a devida utilização dos templos onde se realize.

A imunidade dos templos de qualquer culto, também conhecida popularmente como imunidade religiosa, foi criada com o objetivo de garantir a liberdade de crença e promover uma igualdade entre as crenças religiosas.

A imunidade dos templos religiosos demarca uma norma constitucional de não incidência de impostos sobre os templos de qualquer culto. Não se trata de um benefício qualquer, mas de uma exoneração de ordem constitucional, à qual se pode atribuir o rótulo de “imunidade religiosa”. (SABBAG, 2017, p. 322)         

Inicialmente pode-se pensar que a imunidade se restringiria apenas ao prédio, ao templo de qualquer culto, porém não é bem assim, ora visto que, o paragrafo 4º, do artigo 150 da Constituição Federal estende esta imunidade ao patrimônio, renda e serviço das entidades religiosas, que estejam destinados à finalidade de culto.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. (BRASIL, 1988).

Assim, a imunidade prevista no artigo 150, inciso IV, alínea “b” da Constituição Federal de 1988, não impede a incidência do imposto somente sobre o prédio, ou só sobre o local onde se professa o culto, mas alcança todo o patrimônio da entidade religiosa, desde que esteja ligado a finalidade da entidade religiosa.

São considerados templos não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, isto é, os locais onde o culto professa, mas, também, os seus anexos. Consideram-se ‘anexos dos templos’ todos os locais que tornam possíveis, isto é, viabilizam o culto. (CARRAZA, 2012, P. 311).

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Nos dizeres de Aliomar Baleeiro (2009, p.311).

Não se deve considerar templo “apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência do pároco ou pastor, desde que não empregados em fins econômicos.

E este é também o entendimento jurisprudencial, conforme a ementa colacionada abaixo:

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO. IMUNIDADE RELIGIOSA. TEMPLO DE QUALQUER CULTO. IMÓVEL UTILIZADO NAS ATIVIDADES RELIGIOSAS. CRÉDITO TRIBUTÁRIO DESCONSTITUÍDO. REMESSA CONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA.

1- A Constituição da República estabelece situações específicas nas quais há verdadeira vedação ao poder de tributar, visando assegurar o regime democrático e possibilitando a implementação de direitos e garantias entendidas como de interesse da sociedade.

2- O art. 150, inciso VI da Constituição prevê a imunidade religiosa, proibindo a instituição de impostos sobre os templos de qualquer culto.

3- O Supremo Tribunal Federal mantém entendimento já pacificado de que a imunidade aqui tratada não só atinge os prédios destinados aos cultos religiosos, abarcando também o patrimônio, a renda e os serviços concernentes às atividades essenciais da entidade.

4- Comprovado nos autos que o imóvel objeto de cobrança do IPTU referente à inscrição fiscal nº 003.2.073.016.001, era utilizado para atividades inerentes às finalidades religiosas da entidade, inexistem motivos para alterar a sentença na qual a julgadora desconstituiu o crédito tributário diante do reconhecimento de que a embargante faz jus à imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição da República. (QUARTA CÂMARA CÍVEL 21/06/2018 - 21/6/2018 Remessa Necessária 00225271220148080048 (TJ-ES) JORGE DO NASCIMENTO VIANA) (TJ-ESPÍRITO SANTO, 2018)

Contudo, ressalta-se que esta imunidade tributária abrange apenas o patrimônio que esteja registrado em nome da Instituição Religiosa e que tenha relação com suas atividades essenciais, pois se a entidade religiosa passar a exercer atividade econômica, ou seja, promover atividade comercial, por exemplo, não haverá o benefício da imunidade tributária.

Tem-se, ainda, que, por força da aplicação da Súmula vinculante 52 do Supremo Tribunal Federal às entidades religiosas, caso o seu imóvel seja alugado a terceiros, este patrimônio poderá estar imune aos impostos, se comprovado que o valor do aluguel foi empregado nas atividades essenciais da entidade.

Súmula vinculante 52 - Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas. (STF, 2015)

Como se pode verificar a imunidade tributária dos templos religiosos determina a não incidência de impostos sobre o patrimônio, mesmo quando alugado a terceiros, a renda e os serviços de tais entidades, desde que ligados às atividades essenciais da entidade religiosa.

Portanto, as imunidades tributárias destinadas aos templos de qualquer culto é uma das formas que o Estado estabeleceu para não criar objeções, a fim de permitir as diversas formas de expressões religiosas e reafirmar seu compromisso constitucional de proteção aos locais de culto e suas liturgias, buscando, com isso, promover o exercício do mínimo existencial, que é viabilizado com a manutenção da crença religiosa do indivíduo, razão pela qual o Estado a fomenta através do status negativos, ou seja, não exercendo o seu Poder de Tributar sobre as entidades religiosas.

Todavia, a busca pela desoneração da carga tributária pelo indivíduo, pode levá-lo a enxergar na imunidade religiosa uma forma de se evadir da tributação e, com isso, passa-se a surgir desvirtuamentos na concessão desta imunidade, o que será objeto de discussão no próximo capítulo.

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Sobre o autor
Renato de Barros Fernandes

Universitário do 8º período de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Renato Barros. Igrejas ou organizações criminosas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5656, 26 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70963. Acesso em: 21 nov. 2024.

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