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Ciclo completo de polícia

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30/12/2018 às 11:23
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A Problemática do Ciclo Completo de Polícia no Brasil

Após conhecermos um pouco das polícias de outros países, devemos relembrar o modelo adotado no Brasil em que há polícias federais e estaduais, sendo que a Polícia Federal possui natureza de polícia preventiva e repreensiva, demostrando maior vocação para a segunda faceta, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal são evidentemente polícias preventivas.

No âmbito dos Estados-membros as policiais civis são, exclusivamente, repreensivas e as polícias militares preventivas (não vamos considerar aqui a atividade atípica).

Chegamos à raiz do problema ao tentarmos inserir o chamado ciclo completo de polícia no Brasil, embora tenhamos a certeza que o modelo atual não está funcionando.

No conceito mais conhecido de ciclo completo seria uma polícia que realiza tantos as funções que cabem à polícia preventiva quanto de polícia preventiva, fazendo com que a mesma polícia pratique todas as atividades policiais.

Neste conceito temos o modelo unificado de polícia que no Brasil teria que superar algumas dificuldades.

No âmbito das polícias da União seria simples dizer que a atual Polícia Federal absorveria as polícias preventivas, o que na prática significa a unificação da Polícia Federal com a polícia Rodoviária Federal, resultando assim, em uma única polícia que realizaria tanto a função de polícia preventiva quanto repreensiva.

O maior obstáculo estaria na esfera dos Estados-membros em que seria necessário unificar duas polícias que estão habituadas a funções distintas e que possuem estruturas extremamente distintas.

Preparar o policial civil para o serviço preventivo e o policial militar para conduzir investigações implicaria em um custo elevado e uma subutilização da mão de obra, uma vez que, além de qualificar o policial para outra missão, estaria o mesmo deixando de se aprofundar naquela para a qual foi originalmente treinado.

Outro fator importante é a questão da estrutura, já que uma polícia tem caráter civil e a outra militar, de maneira que a unificação pressupõe a militarização de uma ou a desmilitarização da outra.

Embora exista um grande debate acerca da desmilitarização das polícias, tal temática ficaria para outra oportunidade por não afetar diretamente a proposta que será apresentada. Bastando apenas mensurar que os efeitos da militarização ou desmilitarização abalariam as estruturas da polícia que sofrer a mudança.

Imaginemos que uma “rixa” supostamente existente entre as duas polícias de fatos ocorra, a simples fusão não porá fim ao entrevo, pois policiais oriundos de uma das polícias, em especial a que for transformada para se adequar a realidade da outra, manterão a chama da discórdia acesa, porém em uma mesma instituição composta por uma parte que foi compelida a ser militarizada, mas que guarda sua vontade e valores de instituição civil ou o oposto ocorrerá.

A desmilitarização não tem relação com o ciclo completo de polícia, a maior prova disso são as polícias militares da França, Itália e Espanha, que denominadas de maneira genérica como Gendarmarias (embora seja a nomenclatura oficial da polícia militar francesa, o termo também é usado para definir às outras).

Outro ponto é a disponibilidade de efetivo e de mão de obra qualificada, pois conceitos como o de que “crime se combate com inteligência e investigação” poderia resultar no esvaziamento da atividade de polícia preventiva em razão do remanejamento do efetivo para a atividade repreensiva, o que seria um grave erro, pois a prevenção além de coibir a pratica de infrações penais permite que o policial que realiza o patrulhamento tenha maior chance de efetuar a prisão em flagrante.

Por outro lado, o conceito de que o Estado deve promover “maior sensação de segurança” e a mais fácil percepção do público, resultando em maior apelo político, pode significar o esvaziamento da polícia de investigação, cuja atuação não é percebida com a mesma clareza, impedindo que crimes mais complexos sejam devidamente apurados.

A deficiência da mão de obra poderia ser outro problema haja vista que o policial poderá ser deslocado da função ostensiva para a investigação ou no sentido inverso, fazendo com que os policiais tenham que ser qualificados para as duas missões, aumentando o custo da formação, ou que sejam empregados sem a formação adequada, prestando um serviço deficiente.

Outra hipótese que vem sendo levantada é a execução do ciclo completo de polícia de acordo com a região, sem que as polícias sejam unificadas. É uma adaptação do modelo francês fazendo com que uma polícia atue no interior do Estado-membro e a outra nas áreas metropolitanas.

A aplicação de tal modelo, também não parece o mais adequado, em que pese o Brasil seja um país continental, existindo entes federativos com proporções territoriais dignas dos maiores países da Europa, isso não justifica a existência de Gendarmarias subordinadas aos entes autônomos e não soberanos, pois tais polícias do continente europeu acumulam a função de proteger o território nacional na qualidade de força armada, estando subordinadas ao governo central e soberano.

Por outro lado, esse modelo não contribui tanto assim com a ação da polícia, pois a celeridade obtida com a introdução do ciclo completo torna-se uma evolução, enquanto a divisão territorial dificulta a integração das forças de segurança, especialmente se observarmos que as grandes organizações criminosas têm se ramificado para o interior dos estados.

Fica ainda a pergunta, a respeito do emprego de efetivo, já que os grandes centros urbanos utilizam a maior parte do efetivo das forças policiais e no modelo será difícil remanejar efetivo entre áreas de grande concentração e o interior. Há uma complexidade ao observarmos as forças policiais brasileiras em definir qual área deveria receber qual polícia, considerando que, uma é composta por agentes habituados ao serviço de investigação e a outra ao policiamento ostensivo.

Uma terceira possibilidade é a divisão das polícias conforme a gravidade dos delitos, sem que sejam unificadas, ficando a cargo de uma realizar o ciclo completo de polícia nos casos dos crimes de maior gravidade e para a outra apurar e prevenir os de menor gravidade.

Uma hipótese dessas levaria, em tese, as seguintes consequências. Ao estabelecer o ciclo completo, como tem sido difundido, naturalmente se conclui que a polícia realizará as duas atividades, observando que atuariam na mesma área, teriam uma polícia responsável por patrulhar para coibir crimes graves, efetuar a prisão em flagrante nos casos em que ocorrerem tais crimes e proceder nas investigações, por sua vez, a outra força policial estaria incumbida de prevenir as infrações menos graves, realizar a prisão em flagrante (quando couber) e investigar os mesmos.

Como os crimes praticados em flagrante não dependem da ação policial, os agentes surpreendem o infrator, é óbvio que uma força policial irá se deparar com diversos crimes que cabem à outra força investigar, criando um ciclo completo cruzado. A polícia efetuaria a prisão e acionaria a que é responsável por dar seguimento ao crime conforme sua gravidade.

Criando uma hipótese ainda mais drástica, podemos cogitar uma gama de conflitos de atribuições positivo ou negativo por parte das polícias, em relação aos crimes de maior complexidade ou nos que houver conexão entre os mais e menos gravosos.

Em havendo a dita “rixa”, o conflito seria ainda mais acirrado.


Conclusão

O que chamamos de “Um Novo Conceito” a respeito do Ciclo Completo de Polícia, em verdade, é uma adaptação do que é experimentado em outros países, especialmente o modelo português, levando-se em conta, a realidade e a funcionalidade do modelo de polícia brasileiro.

Nossa proposta causa menos impacto nas estruturas da polícia, aproveita a mão de obra qualificada, reduz as dificuldades apresentadas e, ao mesmo tempo, fortalece as diversas instituições policiais por dar-lhes funções específicas.

Devemos começar revisando o conceito de ciclo completo, que como dito, para muitos significa que a polícia executará as funções de polícia preventiva e repreensiva, compreendendo o policiamento ostensivo, a manutenção da ordem, a investigação e a atividade de polícia judiciária (que para alguns é investigar, para outros, dar cumprimento às ordens judiciais e para a última corrente presidir a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante exercendo função judicial).

O que não se propõe é que a investigação não é uma continuidade natural da prisão em flagrante, pois ao ser preso em flagrante é natural que o indivíduo seja alvo de um processo penal, excetuando-se quando o flagrante não trouxer suporte suficiente para o oferecimento da denúncia.

Se o infrator é preso em flagrante e levado diretamente ao juiz na audiência de custódia, não é necessário que um delegado de polícia verifique as formalidades da prisão, pois o juiz o fará. Conduzir o preso até uma unidade de polícia civil para posteriormente apresenta-lo em juízo, sendo que as duas oportunidades servem para o mesmo fim, é desperdiçar dinheiro público e tempo dos agentes para realização de uma mesma tarefa duas vezes, o chamado retrabalho. Ferindo de morte o princípio da Eficiência da Administração Pública contido no caput do artigo 37 da CRFB/88.

O ciclo que se inicia com o policiamento ostensivo e resulta na prisão em flagrante se fecha com a apresentação ao juiz, pois traz em seu arcabouço todos os elementos necessários para a instauração de um futuro processo penal.

A polícia preventiva realizaria o ciclo completo de polícia ao realizar o patrulhamento, efetuar a prisão em flagrante, autuar o infrator e apresentá-lo ao Poder Judiciário, seria uma polícia mais eficiente sem que haja a interdependência em relação à polícia repreensiva.

Fortalece a instituição, pois deixam de existir as dificuldades em se deslocar até as sedes da polícia judiciária, reduz o tempo desperdiçado nas unidades para lavratura do APF e dá cabo de possível entrevo entre as forças.

No caso da polícia repreensiva, a mudança resultará no melhor emprego de seu efetivo, atualmente muitos policiais exercem atividade de cartório realizando a lavratura dos autos de prisão em flagrante que são resultados das ações da polícia ostensiva.

Os agentes das polícias repreensivas poderiam dedicar seu tempo para apuração dos crimes que realmente necessitam de investigação, fazendo com que um percentual muito maior de crimes que não se verificam em estado de flagrante ou mesmo que precisam de inquéritos minuciosos, sejam elucidados.

A estimativa dos crimes solucionados através de inquéritos policiais é extremamente baixa no Brasil, parte por falta de pessoal ou investimento, mas podemos dar parte do crédito ao emprego, dos que poderiam e deveriam atuar nas investigações, em atividades de cartório de lavratura de autos de prisão e termos circunstanciados.

Defendemos ainda que a lavratura do auto de prisão em flagrante ou do termo circunstanciado seja realizada por profissional de segurança conhecedor das garantias individuais, no entanto, já mencionamos que boa parte das polícias militares estabelece como pré-requisito para a investidura na carreira de oficial a formação em Direito.

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A existência da figura do delegado de polícia para presidir o inquérito policial também é algo que consideramos de suma importância, sugerindo inclusive que sejam ampliadas as atribuições dos mesmos para melhor conduzirem a investigação e mantê-la em sigilo. A necessidade de formação em Direito também se faz presente para que o inquérito não viole garantias fundamentais e que sirva de sustentáculo de um futuro processo. A expertise de tais profissionais somada ao emprego de agentes e peritos resultaria na melhor condução da persecução penal, em processos penais mais robustos e na aplicação da justiça em face dos que praticam os delitos que mais causam prejuízo à sociedade.

Estaríamos diante de uma polícia capaz de autuar em flagrante os infratores que por ventura forem pegos delinquindo, durante a prática da atividade de polícia ostensiva ou na manutenção da ordem social, bem como, de um polícia de investigação dedicada exclusivamente à apuração dos crimes sem disponibilizar inúmeros agentes para atividade cartorária.

A atividade cartorária a fim de melhor empregar o efetivo poderá ser feita, em grande parte, por policiais que apresentem restrições para a atividade fim da polícia ostensiva, o que por muitas vezes ocorre em razão dos confrontos envolvendo os agentes.

Concluímos que, independentemente da desmilitarização das polícias, a melhor solução encontrada seria a divisão entre a polícia preventiva que realizará o ciclo completo até a apresentação ao juízo, e, a polícia repreensiva que se dedicará com exclusividade à elucidação das infrações penais que não se verificam sem investigação. Nesta hipótese as atividades de polícia preventiva da Polícia Federal poderiam ser transferidas para o que hoje é a Polícia Rodoviária Federal que teria seu alcance ampliado, mas a reestruturação das polícias ficará para outra ocasião.


Notas

1 https://www.pc.ms.gov.br/?page_id=14

2 https://canalcienciascriminais.com.br/sistema-penal/

3 https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-policia/

4 https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-politica/

5 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm

6 https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/44771/43467

7 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

8 https://www.pf.gov.br/institucional/historico

9 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm#livroitituloixcapituloii

10 https://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm

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Sobre o autor
Leandro dos Santos Costa

Bacharel em Direito pela Universidade da Cidade. Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Pós Graduando em Direito Processual Civil pelo Curso Fórum. Pós Graduando em Direito Administrativo pelo Curso Fórum. Aprovado no XVIII Exame da Ordem. Diretor Acadêmico do Curso Direito nas Escolas. Autor do Livro Direito nas Escolas - Noções de Direito Constitucional para alunos do Ensino Médio. Palestrante.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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