Vamos aos principais pontos, de forma muito objetiva.
O art. 2º da Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 67-A à Lei nº 4.591/64 (Lei de Incorporações Imobiliárias) para tratar dos seguintes pontos:
- Direito de arrependimento (Súmula nº 543 do STJ);
- Resolução do contrato por inadimplemento do comprador;
- Distrato.
Cuidado! Esses pontos não se confundem!
A possibilidade de desfazimento do negócio (direito de arrependimento) por parte do comprador de imóvel em incorporação está consagrada na jurisprudência (Súmula nº 543 do STJ). O comprador pode simplesmente desistir do negócio, devendo a incorporadora devolver os valores pagos, com exceção de multa arbitrada pelo juiz (normalmente entre 10% e 25% dos valores pagos). Trata-se de rescisão do contrato por vontade de uma das partes (resilição unilateral) e não por mútuo consentimento (distrato).
O grande pesadelo das incorporadoras foi o direito de arrependimento, concedido pela Súmula nº 543 do STJ. Ele foi chamado popularmente de “distrato” porque muitas vezes a incorporadora “concordava” com o desfazimento do negócio extrajudicialmente. Era assim para evitar a ação judicial do comprador, que normalmente vencia em razão da Súmula nº 543 do STJ.
Na Lei nº 13.786/2018, a resolução do contrato por inadimplemento do comprador e o desfazimento da relação de compra do imóvel por distrato estão tratados no caput do referido art. 67-A da Lei nº 4.591/64.
O leitor menos atento pensará que o caput e os dispositivos aplicáveis ao caput do art. 67-A também se aplicam ao direito de arrependimento, exatamente porque se chamava o direito de arrependimento (resilição unilateral) de “distrato”.
Na verdade, de acordo com o estrito texto da Lei, o direito de arrependimento está “escondidinho” nos §§ 10 e 11 do novo art. 67-A e não no caput.
Antes de esclarecer o real sentido do que a Lei dispõe, vejamos a quais contratos ela se aplica. A começar com uma pergunta:
A nova Lei se aplica a contratos assinados antes de sua publicação? Ou apenas a contratos posteriores a 27-12-2018?
A Lei nº 13.786/2018 não se aplica a contratos anteriores à sua vigência. E é assim porque os fatos são regidos pelas leis da época dos fatos. Há precedentes no sentido de que a lei nova não se aplica a contratos pretéritos, nem mesmo quanto a efeitos futuros desses contratos (STJ, REsp nº 45.666 e STF, 134.570, apenas para exemplificar)
Portanto, apenas contratos assinados após o advento da Lei nº 13.786/2018 serão por ela regidos.
Vejamos agora a questão que mais suscitou debates por ocasião do projeto que deu origem à Lei nº 13.786/2018: a questão dos percentuais de multa que poderão ser retidos pela incorporadora por ocasião do desfazimento do negócio.
De acordo com o texto da Lei, nas hipóteses de distrato e de resolução por inadimplemento do comprador (caput do art. 67-A), além da comissão de corretagem (inciso I do art. 67-A), a multa será prevista contratualmente: no máximo, 25% dos valores pagos (inciso II do art. 67-A) e, no caso de patrimônio de afetação, no máximo 50% dos valores pagos (§ 5º do art. 67-A).
Esses percentuais se aplicam à hipótese em que o comprador quis desistir do negócio?
A resposta, de acordo com o texto da Lei, é negativa.
Os percentuais de 25% e 50% não se aplicam à hipótese de direito de arrependimento (resilição unilateral) simplesmente porque não se referem à hipótese do § 10 do art. 67-A. Esse dispositivo limita o exercício do direito de arrependimento ao prazo de sete dias.
Nesse caso – que será raríssimo – o comprador tem direito ao recebimento dos valores totais, inclusive da comissão de corretagem:
“Art. 67- A (…) § 10. Os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador permitem ao adquirente o exercício do direito de arrependimento, durante o prazo improrrogável de 7 (sete) dias, com a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive a comissão de corretagem.”.
Na prática, o § 10 do novo art. 67-A objetiva reduzir drasticamente ou quase totalmente a aplicação da Súmula nº 543 do STJ (!), pois será muito rara a hipótese em que, no exíguo prazo de sete dias, o comprador irá desistir do negócio.
Bem, tudo isso é o que a nova Lei diz. Como a jurisprudência irá tratar dessas questões?
Os juízes tendem a proteger a parte mais fraca. Muitos deles, inclusive, já foram vítimas de contratos com incorporadoras.
Uma boa parte simplesmente não perceberá a sutil diferença entre distrato (caput do art. 67-A) e direito de arrependimento (§ 10 do art. 67-A).
A irretratablidade do contrato de aquisição de unidade em incorporação imobiliária já estava prevista no art. 32, § 2º, da Lei nº 4.561/64. A existência do § 10 do art. 67-A não deverá alterar em nada a jurisprudência que já refutava essa irretratabilidade (Súmula nº 543 do STJ).
Com relação aos percentuais de 25% e 50%, que poderão estar previstos no contrato, vislumbra-se que não serão aplicáveis pela jurisprudência por razões diversas. Tecnicamente, não devem ser aplicáveis mesmo, simplesmente porque a lei não os previu para a hipótese em que o comprador optou pelo desfazimento do negócio (direito de arrependimento).
O que muda, então, com a nova Lei?
Para os contratos anteriores, a Lei nº 13.786/2018 simplesmente não é aplicável em razão da irretroatividade da lei; para os contratos posteriores, os percentuais de 25% e 50% não se aplicam à hipótese de desfazimento do contrato por vontade exclusiva do comprador (§ 10 do art. 67-A).
Portanto, ou os juízes irão afirmar a irretratabilidade do contrato, vedando o exercício do direito de arrependimento – hipótese altamente improvável – ou irão simplesmente ignorar o cumprimento do prazo e a prova do tempestivo exercício desse direito, exigidos pelos §§ 10 e 11 do art. 67-A da Lei nº 13.768/2018.
Sempre lembrando que o § 10 do art. 67-A é quase uma repetição do art. 32, § 2º, da Lei nº 4.561/64 (irretratabilidade do negócio), que já era ignorado pela jurisprudência.
Em suma, na prática, nada muda com a Lei nº 13.768/2018 quanto ao direito de arrependimento.