INTRODUÇÃO
Para uma abordagem propedêutica sobre o tema de licitações públicas, é torna necessário analisar sua regulação na Carta Magna de 1988, que está primeiramente prevista no seu artigo 37, inciso XXI:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis a garantia do cumprimento das obrigações;
Também está prevista no artigo 22, que versa sobre as competências legislativas da União:
Art. 22. Compete à União legislar privativamente sobre:
(...)
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados,Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;
Tamanha é a importância desse tema, que além da Constituição, as Licitações Públicas estão previstas em diversas leis esparsas, dentre elas tem destaque a Lei 8666 de 1993, principal lei a versar sobre Licitações e Contratos da Administração Pública. Para conceituar Licitação, nos pareceu mais convincente a definição dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2018, p. 701):
Licitação traz a ideia de disputa isonômica ao fim da qual será selecionada a proposta mais vantajosa aos interesses da administração com vistas à celebração de um contrato administrativo, entre ela e o particular vencedor do certame, para a realização de obras, serviços, concessões, permissões, compras, alienações ou locações.
A licitação é um procedimento da Administração Pública, e como tal, é revestido de cunho constitucional isonômico e deve seguir diversos princípios, estes que versam praticamente toda atividade administrativa, mas que o legislador ordinário optou por tipificá-los expressamente no artigo 3° da Lei 8666/ 1993, em que ela, além de selecionar a proposta mais vantajosa para a administração e garantir o desenvolvimento nacional sustentável, deve seguir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório e pelo julgamento objetivo.
Não obstante todas essas características, a Licitação Pública deve obedecer todo um rito, um processo (logicamente constituído por um complexo de fases) com o objetivo de ser aprovada. Em suma esse procedimento é constituído primeiramente por uma fase interna, em que será aberto o procedimento administrativo com todos seus atributos, seguida pela fase externa, de maior complexidade, ela tem início com a publicação do edital ou envio da carta-convite, passando para a fase de habilitação, que em regra, irá separar os concorrentes inabilitados dos habilitados, conceituam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2018, p.731) que “A habilitação tem por fim garantir que o licitante, na hipótese de ser vencedor do certame, tenha condições técnicas, financeiras e idoneidade para adequadamente cumprir o contrato objeto da licitação”. E por fim a fase de julgamento seguida pela fase de homologação e adjudicação do objeto, em que finalmente as propostas serão julgadas e será determinado um vencedor, sendo necessária a homologação do procedimento licitatório como controle de legalidade, assim como a adjudicação que será a atribuição do objeto ao vencedor.
A licitação também se divide em diversas modalidades, que são bem enumeradas pelos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2018): a primeira delas é a concorrência, presente no parágrafo 1° do Art. 22 da lei 8666/93, ela é a mais complexa das modalidades, na qual quaisquer interessados que comprovem os requisitos mínimos na fase de habilitação preliminar podem participar, presta-se à contratação de obras, serviços e compras, de qualquer valor; a segunda modalidade é a tomada de preços, presente no consecutivo parágrafo 2° do Art. 22, em que a habilitação é prévia à abertura do procedimento, mas visando garantir a competitividade, os interessados não previamente cadastrados poderão se inscrever até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas; a terceira modalidade é o convite, presente no parágrafo 3° do artigo 22, em que os interessados do ramo pertinente ao seu objeto são convidados pela unidade administrativa através de uma carta-convite, devendo atender a um número mínimo de 3 (em casos excepcionais poderá ser aceito menos) , é normalmente utilizada para contratações de menor valor; a quarta modalidade é o concurso, presente no parágrafo 4° do Art. 22, o que determina esse modelo é a natureza do objeto do contrato, o julgamento será feito por comissão especial e é necessário regulamento próprio; a quinta modalidade é o leilão, nos termos do Art. 22 parágrafo 5°, que permite a entrada de qualquer interessado, para a venda à quem tiver o maior lance, de bens móveis inservíveis para a administração, produtos legalmente apreendidos e penhorados, e bens imóveis cuja aquisição tenha se dado por meio procedimento judiciais ou dação em pagamento; a sexta modalidade é o pregão, que não está arrolada no artigo 22 da lei 8666/12, foi instituída pela MP 2026/2000, é uma modalidade passível de utilização por todas as esferas da Federação para a aquisição de bens e serviços comuns, seja qual for o valor da contratação, tem como critério o menor preço da proposta; por último existe a consulta, que também não consta na lei 8666/93, é uma modalidade que surgiu pela Lei Geral de Telecomunicações – Lei 9472/97, aplicável apenas às agências reguladoras que dispõe sobre suas contratações.
Após essa sumária explicação sobre o procedimento licitatório, torna-se necessário também uma breve abordagem sobre as facetas da Responsabilidade Jurídica, para o perfeito entendimento do objeto deste artigo. Pode-se conceituar responsabilidade como “(...) medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa que a ela pertencente ou de imposição legal.” (DINIZ, 1999, p.34). Nosso país adota o chamado sistema dúplice de responsabilidade, que a divide em subjetiva (Art. 186, CC), postula que para aferir a responsabilidade é necessário levar em consideração a culpa, devida por negligência, imprudência ou imperícia, e objetiva (Art. 927, CC), que é sem culpa, bastando apenas a conduta cumulada com a produção ou risco de dano a outrem. As responsabilidades Jurídicas se dividem em Civil, Penal e Administrativa.
A Responsabilidade Civil se caracteriza por uma reparação ou ressarcimento do prejuízo causado a uma vítima mediante uma ação antijurídica do autor, essa podendo ser de ordem subjetiva ou objetiva, como preceitua de maneira didática Carlos Roberto Gonçalves: “A responsabilidade civil tem, pois, como um de seus pressupostos, a violação do dever jurídico e o dano. Há um dever jurídico originário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou secundário, que é o de indenizar o prejuízo.”(GONÇALVES, 2011, p.24).
Já a Responsabilidade Penal busca impor ao infrator uma sanção punitiva, com viés repressivo que visa proteger a incolumidade pública, resguardando bens jurídicos de alta importância, relativos tanto ao Poder Público quanto ao particular. Essa é de ordem subjetiva, pois amparada nos princípios do Direito Penal, com ênfase no da presunção de inocência, se torna necessário comprovar a intenção do agente, tanto em relação ao dolo quanto à culpa.
Por fim temos a Responsabilidade Administrativa, que consiste na penalização de caráter administrativo por uma infração contra normas também administrativas impostas pelo Poder Público, tanto para seus funcionários quanto para os administrados em geral, conforme nos conceitua Chamone (2008).
DESENVOLVIMENTO
Que a L.8.112 pode estabelecer a responsabilidade administrativa de seu servidor é lógico e de esperar; que estabeleça responsabilidade civil e penal, só será isso admissível como lembrete ou recordação às autoridades. Não será nunca a Administração quem apurará a responsabilidade civil do servidor, nem muito menos penal, mas única e exclusivamente o Poder Judiciário, por suas seções civil e criminal.Passado estas considerações iniciais sobre o assunto, será tratado a Responsabilidade na atuação do Agente Público, esse tema está versado de maneira clara na lei 8112, de forma mais estrita nos artigos 121 ao 125. De acordo com essas disposições legais, o servidor público está sujeito a responder civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas funções (tríplice responsabilidade), sendo que estas poderão ser cumuladas, já que são independentes entre si e uma só conduta pode acarretar responsabilização nas 3 esferas. A responsabilidade Civil é decorrente de ato comissivo e omissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou terceiro, ela apresenta uma diferença sutil em relação à responsabilidade administrativa, pois nesta a conduta omissiva ou comissiva deverá ser praticada no desempenho do cargo ou função. Já a responsabilidade Penal abrange não apenas os crimes praticados pelo servidor nessa qualidade, mas também as contravenções penais. Cabe ressaltar que essa lei tem o viés de recordar as autoridades à possibilidade da responsabilização do servidor nos outros âmbitos, pois ela só poderá punir no administrativo, devendo encaminhar as outras ações à justiça competente, como postula Ivan Barbosa Rigolin:
Cabe ressaltar que mesmo essas instâncias sejam independentes entre si, existem situações em que a absolvição na esfera penal irá repercutir também nas outras esferas, seria inviável que a absolvição criminal e a comprovação da não-autoria do agente não vinculassem também o âmbito civil e administrativo, tendo em vista a economia processual e a busca de evitar decisões contraditórias, de acordo com o artigo 126 da Lei 8112/90.
Convém informar que, por disposição constitucional (Art. 37 § 6°, CF/88), caso a conduta danosa do agente público venha a afetar terceiros, a responsabilidade irá recair sobre o Órgão prestador de serviços público competente. Tendo em vista que o Brasil adota a teoria do Risco Administrativo, em que, como preceitua Alexandrino (2018, p.917), é aquela em que a atuação estatal que cause dano a terceiros gera obrigação objetiva da Administração em indenizar, independente da existência de falta do serviço ou de culpa de determinado agente público, mas podendo na sua defesa afastar ou atenuar sua responsabilidade, demonstrar a ocorrência de excludentes (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior). Visto que dano causado pelo agente se torna oneroso para a Administração, pode esta pleitear ação regressiva própria contra aquele, porém a responsabilidade do agente será objetiva, cabendo à autora a comprovação do dolo ou culpa do seu servidor.
RESULTADOS
-Comissão de Licitação:Responsabilidade dos agentes na fase de licitação.
A atuação dos agentes públicos durante o procedimento licitatório está condicionada às regras do regime jurídico que incide sobre a Administração Pública e, portanto, não estão isentos de seguir tais regras, devendo agir em conformidade com a legislação, bem como os princípios que conduzem o funcionamento da máquina estatal.
Nessa discussão há jurisprudência pacífica no Tribunal de Contas da União no sentindo que as atuações dos membros da comissão de licitação estão sob sua jurisdição, podendo, sempre que os atos praticados por estes causem danos ao erário ou constituam grave ofensa à ordem jurídica, e em decorrência desse descumprimento legal ou prejuízo à Administração poderá decorrer penas como a imputação de débito e aplicação de multas, podendo ser cumulados ou não.
Na Lei Geral de Licitações, especificamente no seu art. 51, § 3°, dispõe sobre a responsabilidade dos membros que participam das comissões de licitação, destacando a forma em que responderão, cita-se o texto legal, a seguir:
“Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão. ”
Destaca-se no artigo acima exposto que a responsabilidade dos membros da comissão de licitação será solidária, sendo que a responsabilidade solidária é aquela onde a responsabilidade pela dívida contraída ou outro compromisso é partilhada por várias partes, sendo possível ao reclamante cobrar a dívida integralmente a qualquer uma delas. Destaca-se ainda que tal circunstância só é afastada quando houver membro lavrar e registrar fundamentadamente sua oposição na tomada da decisão. Tal regra incide tanto sobre as comissões permanentes (insertas na estrutura fixa da Administração) quanto as comissões especiais (aquelas instituídas para processar e julgar determinadas ou um conjunto de licitações, sendo dissolvidas após a realização de suas funções específicas).
Não diferente, a doutrina entende haver a responsabilidade solidária entre os membros da comissão, com o acréscimo de informação defendendo ser necessário comprovar dolo ou culpa do agente em sua atuação. Sobre o assunto explicita o doutrinador Marçal Justen Filho (2005, p. 752):
“A responsabilidade solidária dos membros da comissão depende de culpa, somente havendo responsabilização se caracterizada a atuação pessoal e culposa do agente no cometimento da infração ou irregularidade ou que tenha se omitido (ainda que culposamente) na adoção na prática dos atos necessários para evitar o dano. Se o agente, por negligência, manifestou sua concordância com o ato viciado, tornou-se responsável pelas consequências dele advindas. Se, porém, ele adotou as precauções necessárias e o vício era imperceptível não obstante a diligência empregada, não há responsabilidade pessoal. (FILHO, 2005, p. 752)
Seguindo a corrente que postula ser necessário provar o dolo ou culpa do agente o Tribunal de Contas da União entende que a responsabilidade dos membros da comissão de licitação deve agir com dolo ou assumindo o risco de causar danos ao erário. Em várias decisões daquele Tribunal já decidiu pela condenação dos membros da comissão de licitação quando ficou constatado que tais agiram com culpa ou dolo. Demonstrando a decisão do TCU sobre a responsabilidade por fraude na licitação e superfaturamento, segue trecho do relatório de decisão:
Acórdão nº 1.235/2004 – Plenário, ratificado pelo Acórdão nº 678/2006 - Plenário e mantido mediante o não conhecimento do Recurso de Revisão pelo Acórdão n° 1.862/2006 – Plenário. Trechos do Relatório: 7.3.14. Observa-se, assim, que os integrantes da comissão de licitação agiram com dolo eventual, porque assumiram o risco de produzir danos ao erário, ao aceitarem participar de uma licitação com conhecimento prévio de que se tratava de uma farsa para legalizar um procedimento suspeito. Por tal razão, suas justificativas devem ser rejeitadas. ”
– Responsabilidade dos agentes envolvidos na homologação e adjudicação:
Entende-se por adjudicação o ato da autoridade que coloca o objeto à disposição do vencedor da licitação, nesse diapasão, tem-se o princípio da adjudicação compulsória, pelo qual a Administração Pública não tem a obrigação de contratar o licitante vencedor, mas tão somente a adjudicar-lhe o objeto, tendo direito subjetivo de que outro não seja contratado no seu lugar.
A homologação, por sua vez, é o ato pelo qual é ratificado todo o procedimento licitatório, com o intuito da produção dos efeitos jurídicos necessários pela autoridade competente. Em relação à homologação, além de ser tido como um ato declaratório deve-se ressaltar que esta autoridade verificará se todos os atos praticados na licitação foram devidamente observados a luz da lei, bem como avaliar o mérito da contratação do objeto licitado. Caso seja constato algum vício, a autoridade determinará a sua anulação, ou, se possível, o seu saneamento, caso seja passível de tal. Sobre o assunto leciona Alexandre Mazza (2014, p. 418-419):
(...) os autos sobem para autoridade superior, que procederá à avaliação de todo o procedimento em busca de eventuais irregularidades. Se houver algum vício, a autoridade superior pode anular o certame ou, preferencialmente, somente os atos prejudicados pelo defeito, preservando os demais. É possível ainda revogar a licitação na hipótese da ocorrência de causa superveniente que torne a licitação contrária ao interesse público (...), devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta.
Na apreciação do procedimento licitatório a autoridade competente para verificar a legalidade e a conveniência na contratação do objeto licitado tem diante de si três posições: confirmar seu julgamento, homologando-o; solicitando a retificação de atos sanáveis; ou anular todo o procedimento licitatório quando constatado irregularidades insanáveis e prejudiciais ao certame. Portanto, a partir do momento que a autoridade superior homologa o certame e determinada a adjudicação, passa a responder por todos os efeitos e consequências da licitação, em virtude deste já ter supervisionado os atos praticados pelas instâncias administrativas inferiores, ocorrendo sua superação por decisão da autoridade competente.
Na jurisprudência do Tribunal de Contas da União existem decisões em que a autoridade incumbida de verificar a legalidade e conveniência do procedimento licitatório foi declarada responsável por ter homologado o procedimento mesmo quando constatado a desvinculação dos preceitos editalícios. Esse entendimento pode ser melhor observado diante da decisão do TCU no Acórdão n° 1.533/2006:
Responsabilidade por aceitação de proposta com alteração, ocorrida após a fase de lances, em desacordo com o edital.
2. Na busca da proposta mais vantajosa para a Administração não se pode relegar a um segundo plano os princípios básicos do procedimento licitatório e da Administração Pública, não se podendo cogitar sobreposição de princípios licitatórios
“9.2. Rejeitar as razões de justificativa apresentadas pelo então Coordenador-Geral de Logística substituto do Ministério (...) responsabilização de Agentes Segundo a Jurisprudência do TCU [responsável pela homologação] e aplicar-lhe a multa prevista no art. 58, II, da Lei nº 8.443/1992, no valor de R$ 30.000,00 (...), considerando sua responsabilidade por: 9.2.1. Ter homologado a adjudicação do objeto do Pregão Presencial 31/2005 à licitante (...), a despeito de essa empresa ter apresentado, após a fase de lances do pregão, cotação de preços com alteração na composição do custo relativo ao auxílio-transporte, mediante o emprego de veículo próprio ou terceirizado em substituição à forma de atendimento prevista no edital
O TCU tem entendido a exclusão de responsabilidade da autoridade que homologa o certame por falhar surgidas na execução do contrato, como quando a fraude não era detectável de uma simples análise do processo licitatório, tendo ocorrido na fase de execução, portanto, alheia à atuação do responsável pela homologação e adjudicação.
-Responsabilidade dos pareceristas nos processos de contratação públicas:
Em relação ao parecerista jurídico estabelece o art. 38, parágrafo único, da lei n° 8666/1993 “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”. Neste contexto entende o Tribunal de Contas da União que o parecerista responde quando a peça que elaborou tenha fundamentação absurda ou insuficiente, bem como tenha servido de fundamentação jurídica à prática do ato irregular. Entretanto, tem entendido aquele Tribunal ser afastado a responsabilização quando for demonstrada a possível complexidade jurídica da matéria tratada.
Corrente doutrinária sustenta que a manifestação jurídica acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação vincula o emitente do parecer aos autos dos atos, e, consequentemente, resultando na responsabilidade pessoal e solidária da assessoria jurídica pelo que foi praticado.
Sobre o tema tem-se a decisão do Supremo Tribunal Federal, sobre o Mandado de Segurança n° 24.631, cujo relator foi o Ministro Joaquim Barbosa, cita-se o trecho da decisão sobre a emissão do parecer jurídico e a sua responsabilização:
É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa.
Quanto ao parecerista técnico serão fornecidos quando as circunstâncias de cada caso assim o exigir, isto é, quando diante de uma determinada licitação o objeto desta depende de conhecimentos técnicos para que a Administração possa ter a plena convicção de que está adquirindo um material condizente com sua real necessidade, dando um suporte maior ao procedimento licitatório e sua posterior aquisição. E não sendo diferente dos pareceristas jurídicos, o agente público que emite parecer de natureza técnica pode ser responsabilizado em razão da eventual existência de vícios no parecer que conduzam à prática de atos irregulares, principalmente quando sua manifestação se afigura indispensável para fundamentar o ato administrativo, sujeitando-se à responsabilização solidária juntamente com autoridade que praticou o ato.
Imprescritibilidade da ação de ressarcimento de prejuízo ao erário por ato de improbidade administrativa.
A atual Constituição Federal no seu artigo 37, § 5°, prescreve que “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. ”. Com isso percebe que a Constituição deu ao legislador infraconstitucional competência para legislar sobre os prazos prescricionais de ilícitos praticados quer seja servidor, ou não. A parte a qual merece ser discutida é a que afirma que ressalva as ações de ressarcimento de danos causados contra o erário público que diante de um caso concreto pode ser configurado como ato de improbidade administrativa envolvendo as contratações públicas.
Tal situação veio a ser discutida no Supremo Tribunal Federal, que culminou na tese, para fins de repercussão geral “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na lei de improbidade administrativa”. A tese em si parece não ser específica quanto à sua aplicabilidade nas contratações públicas, entretanto, na lei n° 8.429/92 no seu art. 10, inciso VIII, prescreve que:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente.
Por conseguinte, não cabem dúvidas de que é totalmente possível aplicar a tese do STF que leciona serem imprescritíveis as ações de ressarcimento causadas ao erário público oriundas de condutas dolosas tipificadas na lei n° 8.429/92.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto neste trabalho, chega-se à conclusão de que a responsabilidade dos agentes públicos nas contratações públicas da Administração deve se pautar em condutas que exigem além da observância da lei, uma postura coadunada com a boa-fé, de tal forma que exima a sua atuação perante possíveis incidências de responsabilidades dentro do processo licitatório. Além disto, insta salientar o papel importante da jurisprudência sobre o supramencionado assunto do Tribunal de Contas da União, que visa assegurar uma maior observância da atuação dos agentes públicos e também na fiscalização na licitação.
REFERÊNCIAS
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