Inicialmente cumpre elucidar que o termo institucionalização, para os fins jurídicos desta análise, está associado à regulamentação do instituto da autocomposição por meio de diploma legislativo. Assim, será apresentada uma análise das inovações, relativas à autocomposição, que foram encartadas no código de processo civil de 2015.
Em meio a um cenário de crescente litigiosidade e crise no sistema judiciário, causada pelo excesso de ações tramitando na justiça, desperta-se para necessidade de pensar em novas formas de tratamento dos conflitos, buscando, principalmente, transformar o paradigma cultural do litígio para o da consensualidade.
É indubitável que o conflito é necessário e está inerente à vida em sociedade, por fazer parte do ser humano. Em síntese, é através de duas opiniões divergentes que se inicia uma discussão e isso se torna um instrumento para uma construção tanto ideológica quanto cultural de um povo. Logo, o problema não está na existência de conflitos, o verdadeiro problema se encontra na cultura do litígio que está instalada na sociedade, onde a grande maioria acredita que é apenas pelo Judiciário que se é possível resolver suas controvérsias, como se não houvesse outros meios, ou como se não existisse nenhum incentivo para tanto[1].
Afirma Roberto Bacellar, nesse sentido, que o processo efetivamente judicial só deve acontecer na impossibilidade de autossuperação do conflito pelos interessados, que devem ter à disposição, mas sem obrigação, mecanismos que propiciem a resolução adequada do conflito, preferencialmente pelo método não adversarial na forma autocompositiva.[2]
Nesta conjectura, em março de 2016 entrava em vigor a lei nº 13.105/15, um novo Código de Processo Civil, promulgado em 16 de março 2015, trazendo em seu bojo diversos dispositivos que versam sobre a conciliação e a mediação judicial.O novo diploma elevou o instituto da autocomposição a uma posição de maior importância no ordenamento jurídico.
Sabe-se que há algum tempo o ordenamento jurídico brasileiro tem caminhado para a institucionalização de meios autocompositivos, considerando que antes do atual código de processo civil já havia previsão expressa na legislação, de forma esparsa, que incentivava a autocomposição, além de haver um forte estímulo à prática autocompositiva pelo Conselho Nacional de Justiça. Porém, em que pese haver previsão legal, conciliar ou mediar certamente não era a primeira opção dos litigantes.
Na concepção de Santos e Gadenz, para que o estímulo à autocomposição tenha efetivamente resultado, é necessária uma mudança significativa na sociedade, em razão da predominante cultura do litígio, da mesma forma que é necessário que os juízes deem mais atenção a este instrumento (o que não ocorria na prática, pelos excessos de demandas ou até mesmo pela conclusão antecipada de que tais tentativas, em sua maioria, restariam infrutíferas).[3]
A partir do novo paradigma apresentado pela reforma do código processual civil, o intento precípuo da Justiça moderna passou a ser a busca da autocomposição entre as partes como forma de solução pacífica da demanda posta sub judice. Neste sentido, vê-se na própria exposição de motivos da Lei nº 13.105/15 que desde o princípio “entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”[4].
Coaduna com este novo modelo as políticas de tratamento adequado dos conflitos jurídicos, que já vinham trilhando espaço no judiciário desde a edição da Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça. Logo, o novo código robusteceu a política de tratamento adequado de conflitos por meio da institucionalização da autocomposição no regramento processual.
Nesta senda, enfatiza Fredie Didier Jr. que o sistema de direito processual brasileiro foi, enfim, estruturado no sentido de estimular a autocomposição. Trazendo, não por acaso, no rol de normas fundamentais do processo civil os §§ 2º e 3º do Art. 3º do CPC:[5]
“§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” (Lei 13.105/2015)
Daniela Gabbay contribui com esse entendimento elencando sete motivos para institucionalização da autocomposição, considerando a incorporação deste instituto pelo judiciário, quais sejam[6]:
I. O Judiciário é um lugar onde se encontram e para onde confluem os conflitos devendo-se abrir uma porta e válvula de escape aos meios autocompositivos dentro dele;
II. Os meios autocompositivos viabilizam uma nova forma de acesso à justiça, entendida não apenas como acesso formal ao judiciário;
III. Os meios autocomositivos atuam como remédio para a crise do Judiciário, reduzindo a morosidade;
IV. A mediação dá visibilidade a parcelas do conflito antes ofuscada pela demanda judicial (litigiosidade contida ou reprimida);
V. Para que a autocomposição conte com a confiança das partes em relação ao Judiciário, em sua legitimidade, além do estabelecimento de regras sobre o seu funcionamento;
VI. Para que os limites do Judiciário para processar e resolver todos os litígios e a necessidade de mudança na mentalidade dos litigantes sejam reconhecidas.
VII. Para que o Judiciário possa exercer um papel fiscalizatório, quer quanto ao procedimento, quer quanto aos acordos obtidos, que podem ser objeto de homologação judicial.
Considerando essas razões, depreende-se que a institucionalização dos meios autocompositivos, mediação e conciliação, tende a trazer consideráveis benefícios para o Poder Judiciário. Ademais, muitas vezes tais motivos podem estar mais próximos do interesse das partes, do Judiciário ou de ambos.
Com isso, mostra-se que a institucionalização da autocomposição em processos judiciais pretende estabelecer um novo paradigma para a solução de conflitos. Uma vez que a incorporação das premissas da autocomposição possibilita romper com o padrão dominante, marcado pela animosidade do litígio, no qual o direito processual civil deixava, prioritariamente, nas mãos de um juiz a solução de conflitos entre particulares, bipolarizando a relação e, em consequência, fomentando a cultura do litígio. Por outro lado, o novo modelo introduzido pelo atual código processual visa dar protagonismo às partes, priorizando o diálogo e a solução amigável do litígio.
[1] VIANNA, Guaraci. Marcas do Novo CPC - Celeridade Processual, Prestígio à Conciliação e à Mediação dos Conflitos com Observância à Segurança Jurídica. Revista EMERJ| Edição no 70/2015.
[2] BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. –São Paulo : Saraiva,2012.
[3] SANTOS, Saulo do Nascimento e GADENZ, Danielli. A conciliação e a mediação no novo código de processo civil: incentivo do estado ou violação do princípio da autonomia das partes?. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.10, n.4, 3º quadrimestre de 2015. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791. Acessado em: 10 ago. 2016.
[4] Exposição de Motivos da Lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil. Disponível em https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf.
[5] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil • Vol. 1. 18. Ed. rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. P. 273
[6] GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação e judiciário: condições necessárias para a institucionalização dos meios autocompositivos de solução de conflitos. 2011. Tese (Doutorado em Direito Processual) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.