Negócios processuais que limitam o poder instrutório do juiz no CPC/2015

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08/01/2019 às 15:33
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O presente estudo tem por escopo examinar os negócios jurídicos processuais realizados pelas partes e pelo juiz, a necessidade de homologação como condição de eficácia, o controle judicial e a limitação ao poder instrutório do juiz.

Sumário:

1 A compreensão dos dispositivos da Constituição Federal/1988 após o advento do CPC/2015. 2 Cláusula geral de negociação processual e objeto dos negócios processuais: atos do processo ou situações jurídicas processuais. 3 Negócios processuais e autonomia da vontade das partes. 4 Negócios processuais e protagonismo judicial. 4.1 Negócios processuais unilaterais e bilaterais. Exigência de manifestação da vontade das partes. 4.2 Negócios processuais plurilaterais. Exigência de manifestação da vontade das partes e do juiz.  4.3 Homologação judicial. Condição de eficácia dos negócios atípicos. 4.4 Limites aos negócios processuais. Controle judicial. 5 Negócios processuais que limitam o poder instrutório do juiz no CPC/2015.  5.1 O CPC/2015: novas premissas. 5.2 A colaboração no processo civil: novo modelo. 5.3 Limitação aos amplos poderes instrutórios do juiz. 6 Conclusões.  Referências.

  1. A compreensão dos dispositivos da Constituição Federal/1988 após o advento do CPC/2015

No plano das relações entre processo e Constituição, há o direito processual constitucional que constitui a condensação metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo[2], revelando dois sentidos vetoriais em que se podem sentir as relações entre processo e Constituição: de um lado, na via Constituição-processo, a tutela constitucional deste e dos princípios que devem regê-lo, alçados a nível constitucional; de outro, na perspectiva processo-Constituição, a jurisdição constitucional, voltada ao controle da constitucionalidade das leis e atos administrativos e à preservação de garantias oferecidas pela Constituição.

Além da tutela constitucional do processo e da jurisdição constitucional, a metodologia constitucional incorpora-se no âmbito do direito processual civil[3], com o incremento teórico propiciado pela nova teoria da interpretação das normas e do processo civil, na perspectiva dos direitos fundamentais[4].

O Estado Constitucional incorporou na pauta do direito o modo de pensar por princípios. Nesse espaço, surge uma nova proposta de classificação das normas, como a igualdade, a ponderação, a razoabilidade e a proporcionalidade na categoria dos postulados normativos[5].

A importância dessas normas para a prática do direito contemporâneo influencia no direito processual civil, pois, sem tais aportes, o direito processual civil estaria em descompasso com o direito constitucional.

Cuida-se do fenômeno da constitucionalização do processo civil, consistente no reconhecimento da aplicação direta de normas constitucionais sobre o direito processual, independente de regulamentação infraconstitucional, em virtude de sua autoaplicabilidade[6].

Com o surgimento do Estado constitucional, e da consequente remodelação dos próprios conceitos de direito e de jurisdição, surge a necessidade de uma nova teoria do processo, uma vez que os conceitos de jurisdição, ação e processo, por sua inquestionável ligação a uma forma de Estado, não podem ser compreendidos fora de um contexto histórico, pois impossível pretender válidos tais conceitos clássicos de teoria do processo, sem examiná-los a partir do direito constitucional e da teoria do direito.[7]

A partir da teoria formulada por Konrad Hesse[8], a força normativa da constituição produziu reflexos em todos os ramos do direito, resultando, no processo civil, da necessidade de observância dos direitos e garantias fundamentais.

A repercussão é expressa no art. 1º do CPC/2015[9], segundo o qual o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições do próprio Código.

Fredie Didier Jr.[10] elucida que a ciência do processo cuida de examinar, dogmaticamente, o Direito Processual, formulando diretrizes, apresentando fundamentos e oferecendo subsídios para as adequadas compreensão e aplicação de suas normas[11].

A relevância de garantias constitucionais, a exemplo do contraditório, é bem destacada por Elio Fazzalari[12], ao acentuar que há processo onde houver procedimento em contraditório (paritário), porquanto compreendido processo judicial como espécie do gênero procedimento realizado em contraditório[13].

Não se pode olvidar da perspectiva instrumentalista do direito processual civil, doutrina introduzida por Cândido Rangel Dinamarco[14], cuja ideia é a de que o direito processual civil revela-se como instrumento a serviço do direito material, atento às necessidades sociais e políticas de seu tempo, superando a perspectiva puramente técnica.

Na perspectiva instrumentalista do processo defendida por Cândido Rangel Dinamarco, o processo civil é compreendido como um sistema que têm escopos sociais, políticos e jurídicos a alcançar, rompendo com a ideia de que o processo deve ser encarado apenas pelo seu ângulo interno[15].

Essa perspectiva favorece uma maior interação entre a Constituição e o direito processual civil, porquanto o processo assume função de vanguarda nos ordenamentos modernos: é instrumento voltado a auxiliar na efetivação dos direitos constitucionais, a exemplo da busca da efetividade, valor impregnado no sistema processual[16], interferindo no modo de compreensão de dispositivos da Constituição Federal.

O processo em contraditório[17] está renovado não mais unicamente como garantia do direito de resposta, mas como participar do processo e influir nos seus rumos[18]; direito de influência e dever de debate[19], ampliando-se a noção de processo democrático, em contraditório.

Assentadas essas idéias basilares sobre a relevância das garantias constitucionais no processo civil, passa-se ao exame dos negócios processuais, autonomia da vontade das partes e limitações aos poderes do juiz, observando-se o devido processo constitucional.

2 Cláusula geral de negociação processual e objeto dos negócios processuais: atos do processo ou situações jurídicas processuais

O art. 190 do CPC/2015[20] estatui a denominada cláusula geral de negociação processual[21], conferindo às partes a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais que tenham como objeto atos do processo ou situações jurídicas processuais, isto é, direitos, poderes, faculdades, ônus e deveres, assim como mudanças no procedimento que reputarem relevantes para melhor tutela do direito posto em litígio.

Trata-se da consagração do direito fundamental à liberdade no processo por meio do exercício do autorregramento da vontade, surgindo um novo e relevante princípio processual: o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo[22], o qual deve ser inserido no rol de normas fundamentais do processo civil[23].

Negócio jurídico processual é a declaração de vontade expressa, tácita ou implícita, a que são reconhecidos efeitos jurídicos, conferindo-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer certas situações jurídicas processuais, sendo sua característica marcante a soma da vontade do ato com a vontade do resultado prático pretendido[24].

É fato jurídico voluntário, cujo suporte fático confere-se ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais[25].

No negócio jurídico, há escolha da categoria jurídica, do regramento jurídico para uma determinada situação, razão pela qual revela-se inquestionável a existência de um espaço deixado aos diversos sujeitos processuais para que possam influir e participar na construção da atividadeprocedimental[26].

Negócios jurídicos processuais são fatos voluntários (exteriorizações de vontade unilaterais, bilaterais ou plurilaterais) que sofreram a incidência de norma processual, cujo suporte fático atribui ao sujeito o poder de decidir quanto à prática ou não do ato e quanto à definição de seu conteúdo eficacial (tanto selecionando uma categoria jurídica eficacial já definida previamente pelo sistema jurídico, quanto estabelecendo, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, determinadas situações jurídicas processuais ou alteração do procedimento)[27].

São, portanto, objeto dos negócios processuais situações jurídicas tipicamente processuais.

Os negócios jurídicos processuais submetem-se a diversos critérios de classificação. Quanto ao objeto, há negócios relativos ao objeto litigioso do processo (a exemplo da transação extintiva do litígio e do reconhecimento da procedência do pedido) e aqueles atinentes ao processo em si (tais como o acordo para suspensão convencional do processo e as convenções acerca da distribuição do ônus da prova)[28].

  1. Negócios processuais e autonomia da vontade das partes

A questão em análise cinge-se à harmonização da autonomia da vontade das partes com o caráter público do processo,sem implicar no retorno à fase do privatismo processual[29] e à redução do protagonismo judicial.

A autonomia da vontade decorre da circunstância de serem as partes as destinatárias da prestação jurisdicional e de possuírem interesse e maiores condições de avaliar as providências necessárias para o alcance da solução do litígio, sem, com isso, deixar de resguardar os objetivos processuais ligados ao interesse público, tais como a paz social e o bem comum[30].

O CPC/2015 permite às partes a celebração de convenções sobre o procedimento e sobre as suas situações jurídicas processuais (ônus, deveres, poderes e faculdades), reduzindo o protagonismo judicial[31].

A partir da classificação dos atos jurídicos em geral, é possível chegar aos atos jurídicos processuais, compreendidos como todo ato humano que uma norma processual tenha como apto a produzir efeitos jurídicos em uma relação jurídica processual[32].

O ato jurídico processual em sentido amplo relaciona-se com uma norma jurídica processual e se refere a um procedimento, não sendo, todavia, essencial que integre a cadeia procedimental[33].

A vontade no negócio jurídico é manifestada para compor o suporte fático de certa categoria jurídica, visando à obtenção de efeitos jurídicos que tanto podem ser predeterminados pelo sistema, como deixados, livremente, a cada um, sem efeito jurídico ex voluntate[34].

No negócio jurídico, a vontade não cria efeitos porque estes estão definidos pelo ordenamento; apenas, dentro de uma amplitude variável, as normas jurídicas concedem às pessoas certo poder de escolha da categoria jurídica.

No campo processual, há limitações à autonomia privada, mas que não afetam a existência da categoria de fato jurídico; o balizamento da autonomia privada molda o conceito de negócio jurídico processual[35], sem, contudo, desnaturá-lo.

No plano da existência, o negócio jurídico processual deve conter manifestação da vontade, autorregramento dessa vontade e referibilidade ao procedimento.

No plano da validade, devem estar presentes a capacidade processual, competência, imparcialidade, respeito ao formalismo, uma vez que os negócios jurídicos têm como objeto situações tipicamente processuais, sobre as quais incide sua eficácia, sendo a disponibilidade sobre os efeitos processuais que afere a admissibilidade[36] desses negócios, em caso de vício que cause prejuízo.

  1. Negócios processuais e protagonismo judicial

4.1. Negócios processuais unilaterais e bilaterais. Exigência de manifestação da vontade das partes

Os negócios inerentes ao processo subdividem-se nos que redefinem situações jurídicas processuais e nos que reestruturam o procedimento[38].

Quanto ao suporte legal, classificam-se os negócios em típicos e atípicos. São típicos os regulados expressamente em tipos legais, a exemplo do calendário processual e da escolha consensual do perito, previstos, respectivamente, nos arts. 191 e 471 do CPC/2015. São atípicos os não regulados expressamente em tipos legais, que encontram lastro na cláusula geral de atipicidade dos negócios processuais, encartada no art. 190 do Código[39].

O negócio processual atípico pode recair sobre dois grupos de objetos: i) ônus, faculdades, deveres e poderes das partes (criando, extinguindo ou modificando direitos subjetivos processuais); e, ii) redefinição da forma ou ordem dos atos processuais (procedimento).

Nesse sentido, destaque-se o Enunciado n. 257 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 190) O art. 190 autoriza que as partes tanto estipulem mudanças do procedimento quanto convencionem sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”.

Conquanto o art. 190, caput, do CPC/2015 assegure expressamente apenas a celebração de negócios processuais pelas partes, Fredie Didier Jr. destaca que inexiste vedação para a celebração de negócio processual atípico que inclua a participação do órgão jurisdicional, até porque, segundo o autor, poder negociar sem a interferência jurisdicional é mais do que fazê-lo com a participação do juiz[41].

Em se tratando de negócios de procedimento quando o juiz não é sujeito do negócio jurídico processual, o art. 190, parágrafo único[42], do CPC/2015 permite expressamente que o magistrado controle a validade das convenções sobre o procedimento, recusando-lhes aplicação em caso de invalidade ou abusividade.

O controle judicial reside em verificar a possibilidade das partes regularem o procedimento da forma como desejam.

O dispositivo não se reporta à exigibilidade de homologação como condição da eficácia externa do negócio, ou como controle de validade.

A homologação serve como um filtro, para delimitar se as partes estão dentro do seu espectro de atuação decorrente do autorregramento da vontade, ou se estão indo além dos seus poderes, ou seja, se não estão dispondo a respeito de uma situação jurídica que não seja por eles titularizada[43].

O controle de validade permitido pelo parágrafo único do art. 190 não é discricionário, mas vinculado, pois os negócios somente não estarão aptos a modificar o procedimento, caso o magistrado verifique que não preenchem os seus requisitos de validade – dentre eles o requisito negativo de não dispor sobre a situação jurídica do magistrado[44].

Admite-se a atuação das partes para a adaptação do procedimento de acordo com sua convenção, presumindo-se válidos os seus negócios, independentes de qualquer ato de manifestação do juiz.

Exige-se a homologação do juiz para permitir que o negócio produza os seus efeitos específicos no processo, apenas como conditio iuris para a eficácia externa do ato.

Os negócios processuais não dependem, necessariamente, da intervenção ou intermediação judicial para produzir os seus efeitos. Nessa linha de idéias, Fredie Didier Jr. e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira[45] exemplificam que a desistência do recurso já produz o efeito de transitar em julgado de imediato a decisão recorrida, sem que se necessite da intermediação judicial para sua a propagação.

E acrescentam: se à parte é dada a possibilidade de manifestar vontade, abdicando do direito de recorrer e o ordenamento jurídico valora e recebe esse querer, dando-lhe inclusive primazia sobre os provimentos jurisdicionais posteriores que o contrariem, é porque está reconhecido o poder de autorregramento da vontade no processo[46].

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Para caracterizar um ato como negócio jurídico é relevante a circunstância de a vontade estar direcionada não apenas à prática do ato, mas, também, à produção de um determinado efeito jurídico, com poder de autorregramento[47]; todavia, no negócio jurídico nem sempre se verifica necessária correspondência unívoca entre a vontade e os efeitos resultantes do ato.

Quanto aos negócios sobre o procedimento, a disposição das partes presume-se válida e eficaz, cabendo ao juiz somente atuar no controle de validade do ato[48].

Na verificação da validade do negócio processual sobre procedimento, não se pode construir um critério apriorístico para determinar se o acordo sobre o procedimento é legítimo; contudo, convém registrar posições doutrinárias relevantes.

Uma delas alude à plena incidência do art. 142 do CPC/2015[49] ao controle de validade dos negócios processuais; outra, à impossibilidade de se valer de negócios jurídicos processuais para alterar aspectos que tornam especial certo procedimento, como ocorre, por exemplo, nos juizados especiais.

A atuação das partes que for de encontro à justa e eficiente prestação da atividade jurisdicional, é passível de controle pelo magistrado, através do permissivo dado pelo devido processo legal substancial e da economia processual, informadores da teoria das invalidades dos atos jurídicos[50], ex vi art. 139, incisos II e III do CPC/2015[51], na medida em que impõem ao juiz o dever de zelar pela duração razoável do processo e prevenir ou reprimir atos contrários à dignidade da justiça.

As partes podem dispor livremente dos prazos, desde que não configure ato desproporcional, que a prestação da tutela jurisdicional em prazo razoável e de forma eficiente seja protegida, não se exigindo, para tanto, a manifestação de vontade do juiz para o aperfeiçoamento do negócio.

4.2  Negócios processuais plurilaterais. Exigência de manifestação da vontade das partes e do juiz

A necessidade de homologação de um negócio processual deve vir prevista em lei. Quando isso acontece, a homologação judicial é condição legal de eficácia do negócio jurídico processual.

O negócio jurídico é produto da autonomia privada ou da autorregulação de interesses, implicando liberdade de celebração e de estipulação. Isso não impede que a legislação fixe o regime de determinados negócios. Nesse caso, tem-se um tipo previsto em lei, estando nela regulado. É o chamado o negócio jurídico típico, sendo dispensável o esforço da(s) parte(s) na sua regulação, pois a regulação já está estabelecida em lei[52].

O negócio processual atípico baseado no art. 190 do CPC/2015 segue a regra geral do caput do art. 200 do CPC/2015, produzindo efeitos imediatamente, salvo se as partes, expressamente, houverem modulado a eficácia do negócio, com a inserção de uma condição ou de um termo[53].

Quanto às hipóteses em que o magistrado atua para que o ato preencha seus requisitos de validade, influenciando, portanto, na situação jurídica do juiz; situações em que o legislador impõe a manifestação do próprio magistrado como elemento para o aperfeiçoamento do negócio processual, como núcleo do suporte fático do negócio, revela-se indispensável a manifestação do juiz.

Sem a emissão volitiva do juiz, o ato não está apto a superar o plano da validade. Estes são os negócios processuais plurilaterais, exigindo a manifestação de vontade válida das partes e do magistrado.

Nesses casos, o juiz atua como sujeito do ato, razão pela qual, sem sua participação não há se falar em negócio jurídico processual válido[54].

  1. Homologação judicial. Condição de eficácia dos negócios atípicos

À vista do art. 200 do CPC/2015[55], revela-se superado o posicionamento histórico construído sob a égide dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973, atribuindo-se à homologação judicial pressuposto de existência da desistência da ação. Também ultrapassado o entendimento de que o ato judicial homologatório de desistência da demanda seria requisito de sua validade. No contexto atual, a homologação judicial tem função de ato integrativo da eficácia de negócios jurídicos processuais[56].

Ao estabelecer a necessidade de homologação judicial de um determinado ato jurídico, o ordenamento pretende que o juiz fiscalize a validade do ato praticado. Reconhecida a higidez do ato, a homologação confere ao ato, antes dotado de eficácia parcial, a sua plena eficácia. Negada a homologação, não se perfaz a condição legal de eficácia do ato.

Há situações nas quais a lei exige, expressamente, a homologação judicial de um negócio jurídico processual unilateral ou bilateral/plurilateral[57].

Contudo, inexistindo previsão expressa de submissão do negócio processual à homologação judicial, esta é reputada desnecessária, produzindo-se imediatamente os efeitos decorrentes do acordo entabulado.

A eficácia dos negócios processuais é consequência da norma extraída do art. 200 do CPC/2015 e decorrência lógica do princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo. O entendimento que subordina irrestritamente a eficácia de todo negócio processual à chancela judicial revela dessintonia com o direito à liberdade no âmbito processual[58].

Eficácia dos negócios processuais atípicos é a aptidão legal para produzir os efeitos decorrentes da manifestação da vontade negocial das partes[59].

No plano da eficácia, depreende-se do art. 200 do CPC/2015 que os negócios processuais produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção dos direitos segundo a vontade manifestada pelas partes[60], não mais se exigindo a homologação da convenção pelo juiz, salvo quando o próprio ordenamento jurídico limitar a eficácia do ato, como sucede na desistência da demanda, que só se tem eficácia com a homologação[61], conforme acima explicitado.

4.4 Limites aos negócios processuais. Controle judicial

Conquanto não mais se exija a homologação judicial, o juiz não está impedido de controlar a validade da convenção e fiscalizar e restringir os efeitos provisórios ou definitivos[62].

O juiz deve [63]

O controle previsto no parágrafo único do art. 190 do CPC/2015 permite a intervenção do magistrado, podendo acionar as partes sobre defeitos do negócio, a serem corrigidos.

Também, não se pode olvidar que as regras de ordem pública representam obstáculo à autonomia da vontade das partes em todos os ramos do direito, inclusive no processo[64].

Nesse contexto, há óbices à celebração dos negócios processuais se violarem os princípios do devido processo legal, da segurança jurídica, do contraditório e ampla defesa, da busca da verdade, do juiz natural, da celeridade, ou do interesse público de duração razoável do processo[65].

  1. Negócios processuais que limitam o poder instrutório do juiz no CPC/2015

  1. O CPC/2015: novas premissas

O CPC/2015 tem premissas absolutamente diversas das que vigoraram sob a égide do CPC/1973. A cláusula geral da atipicidade de negócios processuais, o princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes e a eficácia jurídica dos precedentes judiciais são apenas algumas das novidades que romperam com o sistema do CPC/1973.

Por isso, revela-se essencial que o intérprete altere suas premissas, sob pena de esvaziar o potencial e o alcance dessa nova sistemática, o que resultaria em interpretação claramente contra legem[66].

No novo modelo processual, onde convivem harmonicamente o publicismo e o privatismo, a eficácia jurídica prevista das convenções processuais independe de homologação judicial, exceto nos casos em que a lei expressamente exigir o prévio controle ou participação do juiz[67].

Exigir a homologação da convenção pelo juiz é insistir no antigo modelo publicista, no qual todo e qualquer tipo de ato é controlado integralmente pelo magistrado.

Nesse contexto, ao interpretar o princípio do autorregramento da vontade das partes, aplica-se a teoria da eficácia externa das normas preconizada por Humberto Ávila[68], para quem as normas jurídicas não atuam somente sobre a compreensão de outras normas. Elas atuam sobre a compreensão dos próprios fatos e provas.

Sempre que se aplica uma norma jurídica é preciso decidir, dentre todos os fatos ocorridos, quais deles são pertinentes (exame da pertinência) e, dentre todos os pontos de vista, quais deles são os adequados para interpretar os fatos (exame da valoração).

Neste ponto, Humberto Ávila destaca a noção da eficácia externa, pois as normas jurídicas são decisivas para a interpretação dos próprios fatos. Seguindo o entendimento do autor, não se interpreta a norma e depois o fato, mas o fato de acordo com a norma e a norma de acordo com o fato, simultaneamente[70].

O mais importante cinge-se à eficácia externa que os princípios têm: como eles estabelecem indiretamente um valor pelo estabelecimento de um estado ideal de coisas a ser buscado, indiretamente eles fornecem um parâmetro para o exame da pertinência e da valoração[71].

Aplicando-se, pois, o princípio do autorregramento da vontade das partes depreende-se que o [72]

Não se concebe, entretanto, poderes ilimitados às partes no autorregramento de suas vontades, pois as regras de ordem pública representam obstáculo à autonomia da vontade das partes em todos os ramos do direito, inclusive no processo.

Sem dúvidas, os contratos processuais são vedados se violarem os princípios do devido processo legal, porquanto acarreta na previsibilidade do procedimento alcançando a segurança jurídica, contraditório e ampla defesa, busca da verdade, juiz natural, celeridade.

As convenções processuais que regulam os prazos e alteram o cronograma procedimental devem atentar para o interesse público de duração razoável do processo[73].

No Estado Democrático de Direito, verifica-se a conjugação das peculiaridades do processo liberal e do processo social a partir de um modelo, no qual o juiz há de dialogar com as partes, sempre com base no critério participativo.

O equilíbrio da posição e funções das partes e do juiz decorre do modelo colaborativo ou comparticipativo de organização do processo.

O modelo colaborativo comparticipativo de organização do processo, próprio do Estado Democrático de Direito, decorre de uma concepção conjunta entre o juiz e as partes[74].

A colaboração no processo decorre do Estado Constitucional Democrático, que constitui a resposta à necessidade de participação equilibrada do juiz e das partes no processo civil[75].

No processo civil, o juiz se encontra a todo tempo em pé de igualdade com as partes, sem, todavia, ignorar a imperatividade da jurisdição e a necessidade de submissão da parte ao seu comando à vista da assimetria inerente à atuação estatal[76].

Paula Costa e Silva[77] entende a colaboração no processo civil como um princípio (previsto no art. 266/1 do Código de Processo Civil Português), salientando que este princípio vem a refletir-se na imputação de situações jurídicas aos diversos intervenientes processuais, que visam uma actuação colaborante ao longo do processo[78].

Como princípio, o fim da colaboração está em servir de elemento para organização de processo justo idôneo a alcançar, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva, consoante preconiza o art. 6.º do CPC/2015.

Observa-se, pois, o diálogo como instrumento essencial para condução do processo, apurar a verdade das alegações das partes, com o escopo de bem aplicar o direito e empregar as técnicas executivas adequadas para a realização dos direitos.

A colaboração no processo civil, no contexto de Estado Constitucional, não é uma colaboração entre as partes. É uma colaboração do juiz para com as partes[79].

Pode ocorrer de uma das partes ter de cooperar com o juízo a fim de que este colabore com a outra. Isto, contudo, não autoriza que se defenda existir colaboração entre as partes.

É a própria estrutura adversarial ínsita ao processo contencioso que repele a ideia de colaboração entre as partes[80].

Assim, por força do contraditório, o juiz está obrigado ao debate, ao diálogo Judiciário, devendo dirigir o processo isonomicamente, a partir do dever de cooperação, dever este que, por sua vez, se desdobra em múltiplos outros deveres: (i) pedir esclarecimento; (ii) prevenção; (iii) auxílio; (iv) consultar[81].

Pelo dever de pedir esclarecimentos, consoante sublinha Paula Costa e Silva, o tribunal pode ouvir as partes, convidando-as a prestar esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que afigurem pertinentes.

Entretanto, há diferença o entre o poder de convidar a parte a prestar esclarecimentos e o dever de indicar um caminho adequado à parte. Através da prestação destes esclarecimentos, a parte pode lograr convencer o tribunal de que a sua perspectiva quanto à matéria de direito é a adequada. Pelo que o pedido deduzido se revelará também correto[82].

Pelo dever de prevenção, o julgador se vê compelido a prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos (no direito português, chamado de “convite ao aperfeiçoamento”)[83].

O dever de prevenção não foi consagrado como cláusula geral, tendo sido previsto para uma situação específica: a complementação ou clarificação na exposição da matéria de fato[84]. Por este dever, compete ao juiz advertir as partes do perigo de o êxito de seus pedidos ser frustrado pelo uso inadequado do processo.

Por dever de auxílio, o juiz deve auxiliar as partes na superação de determinadas dificuldades que impeçam o exercício de direitos e prerrogativas ou que inviabilizem o cumprimento de seus ônus e deveres processuais.

Observa-se, assim, que os poderes do juiz são aumentados (a partir do necessário caráter constitucional conferido ao processo), impondo-se ao julgador, por conseqüência, o dever de informar as partes as iniciativas que pretende exercer, de modo a permitir-lhes espaço ao debate, ao contraditório, como bem assinalado por Hermes Zaneti Jr. no item 1 deste estudo.

A partir dessas premissas, pode-se construir uma idéia de que para alcançar os escopos da jurisdição, todos os sujeitos do processo devem colaborar com o desenvolvimento do processo[85].

O modelo cooperativo de estrutura do processo pode ser visualizado por diversos ângulos em todo o procedimento. Quando analisado pelo ângulo do direito probatório, o modelo cooperativo impõe uma nova divisão de trabalho entre os sujeitos processuais[86].

Não se verifica mais aquela rigidez na divisão de um juiz mais passivo e inerte e as partes, necessariamente, mais ativas. Ocorre agora um nivelamento, pelo qual todos passam a ter que atuar em conjunto, de maneira ativa[87].

  1.  Limitação aos amplos poderes instrutórios do juiz

O tema dos amplos poderes instrutórios do juiz[88] no processo civil navega em águas turbulentas entre a teoria do ativismo judicial e a teoria do garantismo processual[89].

No centro do debate ativismo versus garantismo, orbitam enfoques sobre (i) os aspectos ideológicos do processo civil; (ii) o sistema dispositivo, no qual cabe às partes a iniciativa probatória e o sistema inquisitivo, no qual o juiz detém amplos poderes na atividade instrutória; (iii) a participação ativa das partes e do juiz no processo; (iv) a dimensão constitucional da jurisdição; (v) o conteúdo e significado do devido processo legal; (iv) a garantia constitucional da defesa e contraditório, dentre outros[90].

Entretanto, no atual modelo de processo compatível com o Estado Constitucional Democrático, no qual o princípio do autorregramento da vontade das partes sobreleva-se, assumindo feição principiológica peculiar, a celebração de acordo entre as partes interfere na esfera dos poderes instrutórios do julgador.

Pensar diversamente é não dialogar harmonicamente com o novo modelo processual introduzido pelo CPC/2015, no qual se vislumbra nitidamente o retorno ao respeito à autonomia das partes, coexistindo com a autoridade judicial, com fortes impactos e conseqüências em tema de ingerência da prova no processo[91].

O juiz como único destinatário da prova, seu convencimento acerca da verdade dos fatos controvertidos e a motivação do julgado foram fundamentos para os defensores da teoria da prova determinada ex officio[92].

Atualmente, entretanto, o juiz está vinculado ao quanto negociado pelas partes, em regra, salvo se macular as garantias constitucionais já aqui abordadas. Também, em regra, independe da adesão do magistrado, em razão do direito fundamental à prova titularizado pelas partes.

Humberto Theodoro Jr, Dierle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flavio QuinaudPedron[93], examinando o §2.º do art. 357 do CPC/2015[94], identificam uma faceta da autonomia privada lastreada pela boa-fé objetiva, dentro do perfil comparticipativo do CPC, ao permitir aos litigantes a apresentação ao juiz de uma delimitação consensual das questões de fato e de direito (pontos controvertidos) a serem elucidadas processualmente, sendo que tal delimitação, se homologada, vincula as partes e o julgador[95].

O dispositivo analisado acompanha a tendência de valorização das negociações processuais (arts. 190 e 191, clausula geral de negociação processual e calendarização).

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria Oliveira[97] defendem ser possível através de convenção das partes, impor-se a um ato jurídico (sentido amplo) uma forma específica, advogando a tese de que o poder instrutório do juiz tem limitação.

A fundamentação reside na intelecção que fazem do art. 109 do Código Civil[98] ao estatuir que no negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substancia do ato.Desse modo, quando o instrumento público é forma imposta por convenção das partes, somente ele poderá ser utilizado como prova, afastando-se todos os outros meios[99].

Com razão, sustentam os autores que se as partes acordarem no sentido de não ser produzida prova pericial, o juiz não pode determinar a produção desse meio de prova.

Elencam ainda outras hipóteses de limitação ao poder instrutório do juiz: se a parte renunciar a certo testemunho, o juiz não pode determinar a sua produção; se houver convenção sobre o ônus da prova (art. 373, §§3º e 4º) o juiz não pode decidir contra o que foi convencionado[100].

Em suma, são limites aos poderes instrutórios do juiz: (i) vedação de determinação de produção de meios de prova cuja fonte não tenha sido revelada por algum elemento da ação; (ii) ausência do dever de provar cabalmente a ocorrência ou não de um fato afirmado, esgotando as fontes de provas, mas apenas o dever de conhecer os fatos alegados pelo autor ou réu (constitutivos, modificativos, extintivos ou impeditivos), haja vista o modelo de constatação de verossimilhança ou preponderância de provas, inerentes ao processo civil[101].

O negócio jurídico celebrado em tema de prova é a concretização do pleno exercício do autorregramento da vontade das partes, disciplinando ex voluntate os efeitos decorrentes de sua prática.

Trata-se de negócio processual porque regulado por norma de natureza processual, produzindo efeitos dentro de um procedimento jurisdicional, com manifestações de vontade coincidentes sobre o objeto, in casu, um determinado meio, ou atividade probatória.

Conquanto o art. 370 do CPC/2015 [102] tenha conteúdo similar ao disposto no art. 130 do CPC/1973[103], não se pode interpretá-los igualmente, como se fazia à época do código pretérito, pois o exercício da atividade instrutória pelo juiz além de subsidiária à conferida às partes, deve, ainda, submeter-se às normas fundamentais do novo processo civil, com destaque especial para aquelas disciplinadas nos arts. 6º, 7º, 9º, 10º e 11, sendo inegável que a celebração de negócios probatórios pelas partes afetará a atividade do juiz, em maior ou menor medida[104].

Ademais, os poderes instrutórios do juiz não são absolutos, sendo limitados por 4 (quatro) aspectos: (i) elementos objetivos da demanda (causa de pedir e pedido), já que o princípio da congruência (da correlação, da adstrição ou do dispositivo) entre pedido e sentença impede que o juiz busque provas relativas a fatos não submetidos ao contraditório; (ii) elementos dos autos, pois somente os dados e elementos existentes nos autos devem ser determinantes para a conclusão no sentido da realização de demanda diligência instrutória; (iii) submissão da providência realizada, ao contraditório (art. 5º, LV, CRFB[105]); (iv) necessidade de fundamentação da decisão judicial que conclui pela produção da prova (art. 93, IX, CRFB[106])[107].

Os poderes instrutórios do juiz têm um papel subsidiário e complementar às atividades das partes, por isso os negócios processuais probatórios afetam os poderes instrutórios do juiz. Caso contrário, reduziria-sesignificativamente a esfera de incidência dos negócios processuais, deixando-o a critério de um ato de vontade do estado-juiz[108].

Todavia, essa não é a essência do novo modelo processual introduzido pelo CPC/2015. A admissão de acordos probatórios revela a concretização de um processo efetivamente participativo e democrático, respeitando-se a liberdade e a autonomia das partes[109].

  1. Conclusão

Do acima exposto, pode-se concluir que o fenômeno da constitucionalização do processo civil apresenta uma metodologia constitucional incorporada no âmbito do direito processual civil, incrementado pela nova teoria da interpretação das normas sob a perspectiva dos direitos fundamentais. Essa é a essência da força normativa da Constituição, teoria formulada por Konrad Hesse, que produziu reflexos em todos os ramos do direito.

A partir da teoria da força normativa da Constituição, o processo é instrumento voltado a auxiliar na efetivação dos direitos constitucionais, ampliando-se sua noção, não mais examinado unicamente como garantia do direito de resposta.

Com o novo e relevante princípio processual introduzido pelo art. 190 do CPC/2015, consagra-se o direito fundamental à liberdade no processo por meio do exercício do autorregramento da vontade das partes.

Ato jurídico processual compreende-se como todo ato humano que uma norma processual tenha como apto a produzir efeitos jurídicos em uma relação jurídica processual. Para caracterizar um ato jurídico como negócio é relevante a circunstância de a vontade estar direcionada não apenas à prática do ato, mas, também, à produção de um determinado efeito jurídico com poder de autorregramento.

No plano da existência, o negocio jurídico processual deve conter manifestação da vontade, autorregramento dessa vontade e referibilidade ao procedimento. No plano da validade, devem estar presentes a capacidade processual, competência, imparcialidade, observância ao formalismo. Quanto à eficácia, os negócios jurídicos processuais produzem imediatamente constituição, modificação ou extinção de direitos, segundo a expressa vontade das partes, não se exigindo a homologação judicial, salvo quando o ordenamento jurídico limitar a eficácia do ato.

Os poderes conferidos às partes no autorregramento de suas vontades não são ilimitados, pois as regras de ordem pública são óbices à autonomia da vontade das partes.

A colaboração no processo civil no contexto do Estado Constitucional Democrático, não é uma colaboração entre as partes; é uma colaboração do juiz para com as partes. E, por força do contraditório, o juiz está obrigado ao debate, ao diálogo judiciário, devendo dirigir o processo com isonomia. Por isso, o dever de cooperação se desdobra em outros relevantes deveres: pedir esclarecimentos, prevenção, auxílio e consulta às partes.

Sob o ângulo da ingerência do direito probatório, o novo modelo de processo cooperativo assume uma feição peculiar, valorizando a autonomia privada das partes, na medida em que a celebração do negócio processual interfere na esfera dos poderes instrutórios do juiz, vinculando-o ao quanto negociado.

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Este artigo é também resultado dos grupos de pesquisas “Transformações nas teorias sobre o processo e o Direito processual”, vinculado à Universidade Federal da Bahia e cadastrado no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7958378616800053)

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