VI - OS SISTEMAS DE COBRANÇA
Existem três sistemas de cobrança da contribuição de melhoria, quais sejam:
a) o sistema de valorização (mais valia), em que o tributo é cobrado sobre a valorização decorrente da obra, por exemplo, um imóvel de 10,0 é valorizado em 5,0 devido à obra realizada pelo poder público, assim sendo, o contribuinte deverá pagar 5,0 a título de contribuição de melhoria, corresponde à valorização do imóvel.
Por este sistema o Estado não está sujeito a limite global, sendo possível que o somatório das contribuições individuais supere o custo da obra.
b) o sistema de custo, em que o tributo é cobrado sobre o custo total da obra, rateado (dividido) entre os contribuintes beneficiários, por exemplo, o Estado realizou uma obra que custou aos cofres públicos a quantia de 800, contudo, 400 (duzentos) imóveis foram valorizados na mesma proporção, assim sendo, cada proprietário dos imóveis valorizados deverá pagar 2,0 a título de contribuição de melhoria, isso porque o custo da obra está sendo rateado.
No sistema de custo fica ainda mais clara a idéia de que não existe base de cálculo ou mesmo alíquota em se tratando de contribuição de melhoria, pois o valor a pagar é dado por um simples rateio entre o custo da obra e o número de beneficiados.
Vale ressaltar que este sistema possui hipótese de incidência diversa do sistema valorização, pois neste caso o fato gerador é o custo da obra e não a valorização do imóvel, como já dito anteriormente, se aplicado de forma absoluta, o sistema de custo pode dar ensejo a injustiças, já que o contribuinte estaria obrigado a pagar contribuição de melhoria por qualquer tipo de obra pública, ainda que esta causasse desvalorização em seu imóvel, neste caso, estaria obrigado ao pagamento da exação, devendo acionar posteriormente o Estado em ação de indenização pelo desvalor de seu imóvel.
c) o sistema misto (heterogêneo ou mitigado), equivale ao sistema de valorização, com a única diferença de que neste sistema o Estado está sujeito a um limite global, o custo da obra, assim sendo, o somatório das contribuições individuais não poderá ser superior ao custo da obra.
Esse é o sistema adotado pela lei brasileira.
Por todo o exposto, é cediço que os sistemas de cobrança da contribuição de melhoria estão atrelados aos critérios ou formas de cálculos utilizadas para se ter conhecimento prévio de como o contribuinte será cobrado pelo Estado, o primeiro sistema (valorização) é utilizado em países como Estados Unidos e Inglaterra, o segundo sistema é comumente utilizado na Alemanha e o terceiro sistema foi adotado em países como Colômbia, Peru e Brasil.
VII - A POLÊMICA QUANTO À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 23 DE 01/12/1983, A CHAMADA EMENDA "PASSOS PORTO" E A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
Parte da doutrina sustenta uma polêmica arquitetada sobre a legislação infraconstitucional e a Emenda Constitucional nº 23 de 01/12/1983, a chamada Emenda Passos Porto, ainda sob a égide da constituição de 1967.
A divergência doutrinária se limita a interpretação dos seguintes instrumentos normativos:
a) Constituição de 1967
b) Emenda Constitucional nº 1/69
c) Emenda Constitucional nº 23/1983
d) Decreto lei 195/67
Nesse descortino, vale trazer à análise o magistério de Sacha Calmon [09], o ilustre doutrinador leciona:
O decreto lei nº 195/67 Caducou antes da Constituição de 1988. É que este diploma legal regulava, com caráter de lei complementar, uma contribuição de melhoria baseada no critério valorização, como previsto na constituição de 1967 e na Emenda nº 1/69. Ocorre que em 1983 a Emenda Constitucional nº 23 de 01/12, a chamada emenda Passos Porto, alterou fundamentalmente o tipo de contribuição de melhoria existente, optando pelo critério custo. A redação passou a ser a seguinte. Poderiam as pessoas políticas instituir: Contribuição de melhoria arrecada dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada. Duas alterações introduziu a emenda em relação ao texto anterior : (a) substitui-se a expressão "imóveis valorizados" por imóveis beneficiados e (b) omitiu-se a expressão "tendo como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
A intenção era claríssima: substituir o critério valorização pelo critério custo. Em sendo assim, desde aquela época, o Dec. - Lei 195/67 tornou -se incompatível - vênia permissa das opiniões em contrário - com a Constituição de 1967. Tê-lo como vigente agora, implicaria repristinação atípica, o que é pior, em subordinar a Constituição vigente a um texto anterior até mesmo à Carta outorgada em 1967, antecipando a escolha do tipo de contribuição pelo legislador complementar, que poderá até omitir-se, deixando a escolha às pessoas políticas. A melhor exegese está em considerar de eficácia contível o art. 145, III, da CF vigente, do contrário estar-se-ia a presumir que o legislador disse o que não quis dizer. Onde a Constituição não distingue, quando podia fazê-lo, não cabe ao intérprete distinguir. O minus dixit na espécie seria temeridade. Isto posto, os municípios são competentes, assim como os Estados e a União para adotarem o tipo de contribuição de melhoria que julgarem conveniente, até e enquanto não sobrevenha lei complementar.
Em pólo diametralmente oposto, o professor Arx da Costa Tourinho [10] assevera:
O argumento de Sacha Calmon de que a emenda Passos Porto (EC nº 23/83) alterou o tipo de contribuição existente, substituindo a expressão "imóveis valorizados" por "imóveis beneficiados" e omitindo-se na adoção de expressão constitucional anterior "tendo como limite anterior individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado" e dessa maneira, o decreto estaria revogado, não nos parece aceitável, permissa vênia.
O objetivo da Emenda Passos Porto foi o de facilitar ao poder público e utilização da contribuição de melhoria. E nó górdio, em verdade, está num ponto: a valorização do imóvel. Como se estabelecer um critério simples para tanto foi sempre a preocupação do legislador e da doutrina. A aludida emenda cuidando, apenas, de benefício agregado ao imóvel e excluindo o denominado "acréscimo de valor, realmente facilitou, porém, não houve legislação infraconstitucional nesse sentido. Mas daí dizer que o Decreto-Lei nº 195/67 jaz incompatível com a norma constitucional, parece-nos existir grande distância.
Note-se que a citada Emenda tratando de "benefício" não exclui a hipótese de valorização. Já o dissemos anteriormente que "toda valorização" é benefício, mas nem todo benefício é valorização". Ora, quando o Decreto-Lei nº 195/67 disciplina o critério de valorização, não se pode afirmar que está cuidando do aspecto benefício ! Se fosse editado ato normativo posterior ao Decreto-Lei nº 195/67 e cuidasse, apenas, de benefício, excluindo valorização, aí, sim, não sobreviveria mais o mencionado decreto-lei. Isso não ocorreu, porém.
Jamais se pode afirmar que o decreto-lei esteve incompatível com a Emenda Passos Porto ou que não foi recepcionado pela Constituição de 1988.
Enquanto o poder legislativo não se dignar a elaborar lei, permanece eficaz o Decreto-Lei nº 195/67, que não contrariou, até hoje, qualquer texto constitucional.
E, ainda, em uma terceira vertente, Roque Antônio Carrazza [11] leciona:
Observamos, por outro lado, que, com nova Constituição, caiu, o limite global de arrecadação da contribuição de melhoria. No regime constitucional anterior, o total arrecadado, a título de contribuição de melhoria, não podia superar o custo total da obra que desencadeara a valorização dos imóveis vizinhos. Agora, esta preocupação não precisa mais assaltar a entidades tributantes. Elas lançarão e arrecadarão o tributo de todas as pessoas que tiverem seus imóveis valorizados pela obra pública, independentemente do total arrecadado superar, ou não, o montante das despesas realizadas.
Caro leitor, a polêmica doutrinária gira em torno das seguintes indagações:
a) qual seria o tipo de contribuição instituído pelo CTN no art. 81 e pelo Decreto-Lei 195/67?
b) a constituição de 1967 teria recepcionado a tipologia da contribuição instituída no CTN e regulamentada pelo Decreto-Lei 195/67?
c) a Emenda Constitucional nº 23/83 teria alterado o tipo de contribuição previsto na Constituição de 1967?
Na tese defendida por Sacha Calmon a Emenda Constitucional nº 23/83 teria modificado o tipo de contribuição de melhoria instituída pelo CTN e confirmado na Constituição de 1967, assim sendo, a contribuição de melhoria que antes operava na modalidade de valorização, passou, por força da Emenda Constitucional nº 23/83, a ser tipificada na modalidade custo, estando revogados o CTN e o Decreto-Lei 195/67 que prescreviam a modalidade de valorização, destarte, com a entrada em vigor da constituição de 1988 a Emenda Constitucional nº 23/83 teria perdido a vigência, de modo que os entes tributantes podem instituir a contribuição de melhoria do modo que lhes aprouver, vale dizer, tanto na modalidade custo, como na modalidade valorização.
Conforme se anotou acima, Arx da Costa Tourinho diverge dessa posição e Roque Antonio Carrazza admite que o tipo de contribuição de melhoria seria o de valorização, contudo, faz a ressalva de que os entes tributantes não estariam mais sujeitos ao limite global prescrito no CTN.
Veja-se, em ordem cronológica, o que prescrevem as normas analisadas:
a) artigo 81 do Código Tributário Nacional:
Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
b) Decreto-Lei 195/67:
Art. 1º. A contribuição de Melhoria, prevista na Constituição Federal, tem como fato gerador o acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obras públicas.
Art. 3º. A contribuição de melhoria a ser exigida pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para fazer face ao custo de obras públicas, será cobrada pela unidade administrativa que as realizar, adotando-se como critério o benefício resultante da obra, calculado através de ;índices cadastrais das respectivas zonas de influência, a serem fixados em regulamentação deste Decreto-Lei.
Constituição de 1967, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n.1, de 17/10/69, no art. 18, inciso II previa:
Art. 18. Além dos impostos previstos nesta constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir:
I (...)
II - contribuição de melhoria arrecadada dos proprietários de imóveis valorizados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Já a Emenda Constitucional nº 23/83 que alterou o art. 18 asseverou:
Art. 18. Além dos impostos previstos nesta constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir:
I (...)
II - Contribuição de melhoria, arrecadada dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada.
A Emenda Constitucional nº 23/83 é de redação confusa e omissa, isso por que traz como expressão do limite a despesa total realizada com os imóveis beneficiados, todavia, essa modificação não quer dizer necessariamente uma mudança no tipo de contribuição.
É que o contribuinte pode ser cobrado pela modalidade valorização, tendo como limite a despesa total realizada, por exemplo, uma obra pública que gerou um custo de 200 e beneficiou 200 imóveis terá uma contribuição ideal de 1,00 por cada imóvel, sendo vedado ao Estado arrecadar mais do que 200,00 (despesa total realizada).
Assim sendo, uma coisa é o limite imposto ao Estado e outra totalmente diversa é o critério sobre o qual o contribuinte irá pagar a contribuição de melhoria.
Tanto é assim que na modalidade de valorização, teoricamente, o Estado poderia arrecadar uma quantia superior ao custo da obra, por exemplo, o poder público realiza uma obra que lhe custou 200,00, mais a título de arrecadação embolsou 350,00, porque os imóveis valorizados eram todos de grande valor.
Contudo, no sistema brasileiro isto é mera teoria, eis que o CTN adota o tipo valorização, mas impõe como limite o custo total da obra, tal fato prova que uma coisa é o limite e outra coisa é o tipo de contribuição ou hipótese de incidência.
Nesse diapasão, a EC nº 23/83 não alterou de modo substancial o tipo de contribuição de melhoria previsto no CTN, vez que a referida norma apenas confirmou o limite total da despesa realizada.
Mas, como o fez Sacha Calmon, ao se admitir por um momento, apenas para argumentar, que a Emenda Constitucional nº 23/83 tivesse alterado o tipo de contribuição e que posteriormente revogada pela Constituição Federal de 1988 daria ensejo à faculdade dos entes de tributantes de escolha quanto à modalidade tributária.
Nem assim pode-se chegar a conclusão exposta pelo doutrinador supracitado, é que mesmo partindo dessa premissa não se chega à conclusão semelhante, porquanto não houve lei posterior que regulamentasse a EC nº 23/83, sendo esta de eficácia contida.
Ora, caso a EC nº 23 tivesse operado realmente essa modificação, ter-se-ia alteração substancial na ordem tributária das contribuições de melhoria, posto que estas passariam do tipo valorização para o tipo custo, o que, inegavelmente, gera a necessidade de legislação infraconstitucional a regulamentar a matéria, ainda mais quando o ordenamento jurídico anterior (art. 81 do CTN e Decreto-Lei195/67) estava baseado na tipologia da valorização.
Assim sendo, necessariamente teria de haver legislação infraconstitucional que regulasse os critérios de quantificação do custo, pagamento pelo contribuinte, prazo para impugnação de lançamento e etc - como o fez o art. 82 do CTN - vale dizer, o sistema clamaria por legislação nova a estabelecer os pormenores da nova roupagem determinada pela EC nº 23/83, é que de acordo com tal entendimento os arts. 81 e 82 do CTN, bem como o Decreto-Lei 195/87, estariam todos revogados.
Contudo, não houve legislação posterior que disciplinasse essa matéria, assim sendo, mesmo depois da EC nº 23/83, as normas do CTN e do Decreto- Lei nº 195/67 é que devem prevalecer, porquanto as prescrições constitucionais de eficácia contida só revogam a legislação após lei que as regulamente.
É exatamente essa posição que vem prevalecendo na jurisprudência:
TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA - SISTEMA DE DUPLO LIMITE - VALORIZAÇÃO REAL DO IMÓVEL - ÔNUS DA PROVA - 1. Sistema de duplo limite. Desde a EC nº 18/65 vigora na questão do valor da contribuição de melhoria o sistema de duplo limite. Quer dizer: pelo prisma da Administração Pública o limite (máximo a cobrar coletivamente) é o custo da obra, e pelo prisma do administrado o limite (máximo a pagar individualmente) é a mais-valia. Isso passou para o CTN (art. 82) e também para o DL 195/67 (art. 3º); com a CF/67, não sendo explícita (art. 19, III), os limites foram mantidos em nível infraconstitucional; retornaram à Carta Magna com a EC nº 1/69 (art. 18, II); a partir da EC nº 23/83 saiu dela o limite da mais-valia, e a partir da CF/88 saiu também o limite do custo da obra (art. 145, III), subsistindo, porém, ambos, em nível infraconstitucional (CTN, art. 82; e DL 195/67, art. 3º), assim como na CF/67.2. Limite para o administrado. Valorização real do imóvel decorrente da obra pública. Ônus da prova. 2.1. Dentro do sistema de duplo limite, o valor a ser pago pelo administrado (contribuinte) é o que corresponde à mais-valia real (valorização efetiva do imóvel) respeitado o máximo do custo da obra. 2.2. (...). 3. (...) Apelação desprovida. (TJRS - APC 70005149901 - 1ª C.Cív. - Rel. Des. Irineu Mariani - J. 18.06.2003).