VIII - AS PRINCIPAIS PRESCRIÇÕES DO DECRETO-LEI Nº 195/67
Neste capítulo serão analisadas as principais prescrições do Decreto-Lei nº 195/67, ressaltando que alguns de seus regramentos são realmente teratológicos, pois se desvinculam do critério de valorização, desta forma, tentaremos abordar os principais aspectos deste Decreto-Lei, buscando a interpretação que melhor se apresenta em consonância com o art. 81 do CTN.
Os artigos 1º e 3º praticamente repetem a regra do art. 81 do CTN, a saber:
Art. 1º. A Contribuição de Melhoria, prevista na Constituição Federal tem como fato gerador o acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obras públicas.
Art. 3º. A Contribuição de Melhoria a ser exigida pela União, Estado, Distrito Federal e Municípios para fazer face ao custo das obras públicas, será cobrada pela Unidade Administrativa que as realizar, adotando-se como critério o benefício resultante da obra, calculado através de índices cadastrais das respectivas zonas de influência, a serem fixados em regulamentação dêste Decreto-lei.
O artigo segundo estabelece as hipóteses em que é possível a cobrança da contribuição de melhoria, por ser tratar de um tributo, vige o princípio da tipicidade fechada, assim sendo, a lista do art. 2º é taxativa.
Art. 2º. Será devida a Contribuição de Melhoria, no caso de valorização de imóveis de propriedade privada, em virtude de qualquer das seguintes obras públicas:
I - abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas;
II - construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos;
III - construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido inclusive tôdas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema;
IV - serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública;
V - proteção contra sêcas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação;
VI - construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem;
VII - construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos;
VIII - aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico.
O § 2º do art. 3º contém regra teratológica que deve ser simplesmente ignorada pelo aplicador da lei, a saber:
§ 2º A determinação da Contribuição de Melhoria far-se-á rateando, proporcionalmente, o custo parcial ou total das obras, entre todos os imóveis incluídos nas respectivas zonas de influência.
Ora, por tudo o que foi demonstrado até aqui, é imprrescindível frisar que a determinação da contribuição de melhoria não se faz pelo custo da obra, mais sim pelo quantum da valorização, conforme art. 81 do CTN, sob este prisma, o § 2º do art. 3º viola frontalmente o art. 81 do CTN, não devendo aquele ser aplicado.
Já o § 3º do mesmo artigo (art. 3º), estabelece:
§ 3º A Contribuição de Melhoria será cobrada dos proprietários de imóveis do domínio privado, situados nas áreas direta e indiretamente beneficiadas pela obra.
No tocante ao dispositivo supracitado, existe a possibilidade de cobrança quando a valorização for apenas indireta, todavia, deve ficar comprovado o nexo de causalidade entre a obra e a valorização, ou seja, o caráter indireto do benefício não pode ser obscuro a ponto de, concluída a obra, não ser possível a sua constatação.
O art 4º estabelece critérios relativos ao custo da obra, interessante notar que o § 2º deste mesmo artigo estabelece o seguinte:
§ 2º. A percentagem do custo real a ser cobrada mediante Contribuição de Melhoria será fixada tendo em vista a natureza da obra, os benefícios para os usuários, as atividades econômicas predominantes e o nível de desenvolvimento da região.
Apesar da redação confusa do § 2º, pretendeu-se dizer que é facultado ao sujeito ativo ressarcir apenas parte do custo da obra, por meio da cobrança da contribuição de melhoria, essa a regra está em perfeita consonância com o art. 82, inciso I, alínea c do CTN, assim, o legislador pode determinar que apenas 50% do custo da obra será financiada pela contribuição de melhoria.
Nesta hipótese, a contribuição continua a ser cobrada pelo critério de valorização, contudo, o limite global passa a ser o percentual do custo da obra que será financiado, ou seja, o quantum correspondente aos 50% do exemplo anterior.
Os artigos 5º, 6º, 7º e 8º estabelecem os procedimentos necessários à instrumentalização da cobrança, impugnação dos elementos constantes do edital de cobrança e normas de responsabilidade tributária.
Em relação ao art. 5º, duas prescrições normativas merecem especial destaque, quais sejam:
Art. 5º. Para cobrança da Contribuição de Melhoria, a Administração competente deverá publicar o Edital, contendo, entre outros, os seguintes elementos:
IV - determinação da parcela do custo das obras a ser ressarcida pela contribuição, com o correspondente plano de rateio entre os imóveis beneficiados. (grifos nossos)
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, também, aos casos de cobrança da Contribuição de Melhoria por obras públicas em execução, constantes de projetos ainda não concluídos.
A parte grifada do inciso IV (com o correspondente plano de rateio entre os imóveis beneficiado) volta a repetir a construção teratológica da contribuição de melhoria a partir do custo da obra, como já foi exaustivamente falado, a cobrança da contribuição de melhoria se dá pela valorização, desta forma, a parte final do inciso IV viola o art. 81 do CTN, não devendo ser sequer aplicado.
Já o parágrafo único permite que a Administração publique o edital de cobrança por obras públicas em execução, constantes de projetos ainda não concluídos, contudo, deve ser feita a ressalva de que apenas é possível a publicação do edital, pois o lançamento e a efetiva cobrança só podem ser feitos após a conclusão da obra, consoante art. 9º, in verbis:
Art. 9º. Executada a obra de melhoramento na sua totalidade ou em parte suficiente para beneficiar determinados imóveis, de modo a justificar o início da cobrança da Contribuição de Melhoria, proceder-se-á ao lançamento referente a êsses imóveis depois de publicado o respectivo demonstrativo de custos.
Outrossim, uma vez executada a obra, o sujeito ativo tem o prazo decadencial de cinco anos para realizar o lançamento de ofício, desta forma, o prazo prescricional para cobrança é contado a partir da constituição definitiva do lançamento, todavia, se houver impugnação do sujeito passivo o lançamento só se constitui de forma definitiva após o esgotamento dos prazos administrativos que não permitam mais o questionamento da cobrança, conforme art. 10 e art. 11 do Decreto-Lei nº 195/67.
Além do limite individual e do limite total, ambos já estudados, existe ainda um limite de cobrança, previsto no art. 12, qual seja:
Art. 12. A Contribuição de Melhoria será paga pelo contribuinte de forma que a sua parcela anual não exceda a 3% (três por cento) do maior valor fiscal do seu imóvel, atualizado à época da cobrança.
Por fim, merece especial destaque a norma do art. 17, por meio da qual é possível ao contribuinte deduzir do imposto de renda a importância paga a título de contribuição de melhoria, a norma visa justamente evitar que os valores pagos pelo contribuinte sejam duplamente tributados, como contribuição de melhoria e como renda.
Art. 17. Para efeito do impôsto sôbre a renda, devido, sôbre a valorização imobiliária resultante de obra pública, deduzir-se-á a importância que o contribuinte houver pago, o título de Contribuição de Melhorias.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, pode-se chegar as seguintes conclusões:
a) O instituto da contribuição de melhoria conhece larga aplicação no direito comparado, bem como no direito brasileiro, podendo ser detectados três sistemas de cobrança, quais sejam, a) sistema de custo, b) sistema de mais valia e c) sistema misto.
b) A legislação brasileira adotou o sistema misto, no qual a contribuição é cobrada em virtude da valorização, tendo como limite total o custo da obra.
c) Em análise lógica é possível concluir, ao contrário da doutrina tradicional, que a contribuição de melhoria não possui base de cálculo, sendo um tributo de aspecto quantitativo simplificado, modalidade esta que não é explicada no esquema proposto pelo professor Paulo de Barros Carvalho, em seu livro Curso de Direito Tributário.
d) No tocante à Emenda Constitucional nº 23 de 01/12/83, é possível afirmar que o referido diploma legal não foi suficiente para alterar o instituto da contribuição de melhoria, sob os moldes previstos no CTN e no Decreto-lei nº 195/67, ante a ausência de regulamentação infraconstitucional.
e) Por fim, concluiu-se pela inaplicabilidade de algumas disposições do Decreto-lei nº 195/67, já que violam frontalmente o art. 81 do CTN, em especial o § 2º do art. 3º e o inciso IV do art. 5º, ambos do referido Decreto-Lei.
BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
01
Paulo de Barros Carvalho propõe um esquema lógico de representação da regra-matriz de incidência na qual o critério quantitativo do tributo é composto por base de cálculo e alíquota, contudo, as contribuições de melhoria, assim como determinadas taxas, não possuem base de cálculo e nem alíquota, desta forma, o esquema proposta pelo referido autor é insuficiente para a compreensão destas espécies tributárias, ou seja, os tributos de critério quantitativo simplificado. In. Curso de Direito Tributário. 13º ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p., 341.02
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária., p. 151.03
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Hipótese de Incidência Tributária. op. cit. p. 158.06
Curso de Direito Tributário. op cit. p. 368.07
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COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários À Constituição de 1988 Sistema Tributário., p. 7710
In NASCIMENTO, Carlos Valder (coord). Comentários ao Código Tributário Nacional. p. 162.11
CARRAZZA, Op.cit., p. 348.