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Breves observações sobre o procedimento arbitral

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12/08/2005 às 00:00
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5. O ÁRBITRO

A lei disciplina a figura do árbitro, estabelecendo que qualquer pessoa, que seja capaz e que goze da confiança das partes pode sê-lo, independentemente de formação específica, qualidade própria ou outra condição especial (art. 13). Mais importante, pois, do que a qualificação possuída pelo sujeito, importa que nele convirja a confiança dos sujeitos que pretendem submeter certo litígio à arbitragem. Essa característica é essencial à própria função da arbitragem. De fato, a renúncia à jurisdição tradicional e mesmo a impossibilidade de insurgir-se contra a decisão arbitral (pela inexistência, no processo arbitral, da figura do recurso) faz com que se ponha sobre os ombros do árbitro severa responsabilidade, que somente pode ser bem desenvolvida se essa pessoa tiver a plena confiança das partes. Mais que isso, este crédito pode tornar-se fundamental para compelir as partes a aceitar a decisão arbitral, evitando-se o máximo possível submeter a sentença arbitral a posterior execução frente ao Poder Judiciário.

A lei, por outro lado, autoriza a formação de um tribunal arbitral, composto por mais de um árbitro. Não é, então, necessário que as partes designem apenas uma pessoa para decidir sua controvérsia. A faculdade é certamente elogiável, seja porque permite que cada qual dos interessados indique alguns dos julgadores, seja porque permite a formação de corpo de árbitros que reúna pessoas com formações ou especializações diferentes, oferecendo órgão multidisciplinar para o julgamento de questões de maior complexidade.

A única ressalva feita pela lei é no sentido de que os árbitros – no caso do tribunal arbitral – sejam em número ímpar (art. 13, §1º), o que se justifica para evitar qualquer possibilidade de "empate" na solução da arbitragem. Não optando pela escolha destes, poderão as partes estabelecer procedimento para a sua eleição, ou utilizar-se de critérios empregados por entidade ou instituição especializada em arbitragem. De toda sorte, sempre que as partes se limitarem a indicar árbitros em número par, presume a lei estarem os árbitros nomeados autorizados a indicar um outro, a fim de compor o quorum suficiente para instituir-se a arbitragem. Para a escolha deste outro, não havendo acordo entre os árbitros, a solução será recorrer ao Poder Judiciário para a sua indicação, competindo então ao magistrado – a quem competiria originalmente conhecer do litígio – decidir a respeito da nomeação do outro árbitro (art. 13, § 2º).

Não poderão funcionar como árbitros as pessoas que possuam, com as partes ou com o litígio, qualquer comprometimento, apuradas segundo as causas de impedimento e suspeição previstas pela lei processual (art. 134 a 136, do CPC). Havendo qualquer desses motivos, compete ao árbitro apontá-lo desde logo, a fim de que a parte o substitua, se assim entender conveniente. Do mesmo modo, cumpre a ele, diante dessa causa, recusar sua nomeação, sob pena de poder ser responsabilizado futuramente por isso.

A parte, por seu turno, não pode – após estar ciente da causa de impedimento ou de suspeição do árbitro – e tendo aceito, apesar disso, sua indicação, pretender recusá-lo. A recusa, em tais casos, apenas pode dar-se por razão superveniente à nomeação, admitindo-se a recusa por fato anterior apenas quando a parte não tiver nomeado diretamente o árbitro ou quando o motivo para recusa deste somente veio a ser conhecido ulteriormente (art. 14, § 2º).

Para as hipóteses em que o árbitro (ou os árbitros) não possa desempenhar sua atividade por qualquer razão – v.g., sua recusa ou seu falecimento – prevê a lei a indicação de árbitro(s) substituto(s). Este deverá ser indicado no compromisso celebrado ou, sendo omisso este pacto, cumprirá às partes acordarem o modo de sua escolha. Não havendo acordo a respeito e não tendo estabelecido as partes algum critério para a escolha deste substituto, será necessário recorrer-se ao Poder Judiciário para a eleição deste ou – caso as partes tivessem pactuado não aceitar substituto – para a solução judicial da controvérsia (art. 16, §§ 1º e 2º).

A lei de arbitragem equipara o árbitro a um servidor público para fins penais (art. 17). Significa isso dizer que o árbitro, em agindo de forma ilícita, sujeita-se às penas previstas para os tipos específicos contemplados como crimes contra a Administração Pública praticados por funcionários públicos. Assim, por exemplo, pode o árbitro ser sujeito ativo de crimes como o de corrupção passiva, prevaricação ou concussão.


6. PROCEDIMENTO DA ARBITRAGEM

A lei brasileira não estabelece procedimento específico para o desenvolvimento da arbitragem, deixando ao alvitre dos interessados – ou, subsidiariamente, ao do árbitro – a eleição do rito a ser seguido (art. 21 e seu parágrafo primeiro). De fato, desde que obedecidos os princípios estabelecidos pelo § 2º, do art. 21, qualquer procedimento utilizado é tido como válido, mormente porque estabelecido em concordância com o interesse das partes.

Vai daí que o procedimento da arbitragem é de livre escolha dos interessados. Esta liberdade apenas é restringida pela exigência de que sejam sempre respeitados os princípios – que, aliás, têm status constitucional – do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do seu livre convencimento. Tais princípios constituem, como cediço, o núcleo da garantia do devido processo legal (estampado no art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal), que deve ser respeitado em qualquer espécie de processo, judicial ou não. De fato, se ninguém pode ser privado de seus bens sem o devido processo legal, é certo que esta regra – que não apresenta condicionante qualquer – não se pode aplicar, exclusivamente, às atuações estatais tendentes a esta privação de bens, mas também à iniciativa privada que conduza ao mesmo resultado. Assim, a previsão em questão é mera expressão da máxima maior prevista no texto constitucional.

Não se pode, por conta disso, aceitar – ainda com a concordância das partes do processo arbitral – o estabelecimento de procedimento que não admita, ou que restrinja o direito ao contraditório e à ampla defesa. Sequer se pode – dada a função e a essência do processo arbitral – admitir o chamado contraditório diferido, ou seja, aquele realizado após a prolação de decisão provisória pelo juízo arbitral. Isto porque a arbitragem não tem o escopo de lidar com situações de urgência, [9] nem é dotada das garantias necessárias a controlar esta postecipação do contraditório. Assim, considerando que esse contraditório diferido – do mesmo modo como o contraditório limitado, que não admite o exame aprofundado dos fatos ou a dedução de toda matéria pertinente ao caso – é excepcional, apenas se justificando se presente alguma outra garantia constitucional em risco (aplicando-se o critério da proporcionalidade, que somente pode ser adequada e definitivamente examinado pelo Poder Judiciário), resta patente que não pode ele ser tolerado no processo arbitral, mesmo com a aceitação dos interessados.

O mesmo se deve dizer a respeito da igualdade. Qualquer violação a esta garantia nulifica o processo arbitral e a sentença dela decorrente. Note-se que a igualdade aqui indicada é aquela meramente formal – no sentido de que as partes devem ser tratadas de forma absolutamente igual, sem qualquer espécie de privilégio ou distinção – e não a material. Como se sabe, as considerações a respeito da isonomia material implicam tratar os sujeitos de forma igual apenas na medida de sua igualdade, mas de maneira desigual na proporção de suas desigualdades. A avaliação, porém, desses critérios de igualdade ou não da situação em que se põe o sujeito só encontra intérprete adequado no Poder Judiciário – mesmo porque somente ele pode dizer, em última palavra, qual o sentido e a aplicação que merece esta garantia constitucional, em sua dimensão maior, que é a da igualdade material. Por isso, não se pode admitir que as partes (ou mesmo o árbitro) se arroguem na condição de estabelecer estas condições de igualdade ou desigualdade de situação, de modo a determinar distinto tratamento processual. Assim sendo, parece ser correto entender que a igualdade referida no texto há de ser aquela que considera em situação absolutamente igual as partes, desconsiderando qualquer variação nas condições específicas delas dentro do processo.

No que toca à imparcialidade do árbitro, isto é, até mesmo, condição nodal para a existência válida da arbitragem. Não se pode sequer pensar em arbitragem se não se tem na figura do árbitro uma pessoa eqüidistante do litígio. Por imparcialidade, todavia, não se deve tomar a sua neutralidade. Árbitro neutro é o árbitro passivo, que não se interessa nem se esforça por dar a solução mais adequada ao litígio posto à sua apreciação. Não é isso que se quer, evidentemente. Não se pretende que o árbitro seja sujeito passivo, que espera, contemplativo, pelas provas e elementos trazidos pelas partes, sem poderes para buscar a melhor solução à controvérsia. A lei, a propósito, dota claramente o árbitro de poderes instrutórios de ofício (art. 22), o qual pode, então, buscar, mesmo ausente requerimento específico das partes, as provas que entender necessárias ao desenvolvimento e sua função. [10] Quando a lei exige que o árbitro seja imparcial, portanto, impõe o dever de que ele se ponha na condição de eqüidistante das partes e de suas pretensões, analisando com independência o caso a ele submetido. Esta é a exigência da lei, que não se confunde, evidentemente, com sua passividade ou neutralidade.

A fim de garantir a imparcialidade do árbitro, autoriza a lei (art. 20) que as partes apontem qualquer causa de impedimento ou de suspeição dele (avaliadas segundo as causas contempladas pelo CPC – arts. 134 a 136), através de exceção, a ser deduzida na primeira oportunidade que o interessado tiver para falar no procedimento, após instituída a arbitragem (art. 20). O prazo em questão não deve ser visto como peremptório, ou seja, será sempre possível argüir-se o impedimento ou a suspeição do árbitro, mesmo após aquele momento primeiro. Assim deve ser porque é pressuposto fundamental da arbitragem a imparcialidade do árbitro, de forma que ausente esta, nula será sempre a decisão arbitral, não se cogitando na hipótese de convalidação do ato por conta de coisa julgada (que sequer existe no instituto). Aliás, é bom notar que a própria lei ressalva a possibilidade de reexame da questão da imparcialidade do árbitro em juízo, posteriormente, exatamente a indicar que não há qualquer preclusão sobre esta questão (art. 20, § 2º, in fine). A argüição da exceção de impedimento e de suspeição, como salienta o art. 15, da lei, deve ser apresentada em peça fundamentada, devidamente comprovada (ou com a indicação das provas necessárias à demonstração do motivo da parcialidade), diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral. Acolhida a exceção, o árbitro será substituído – na forma estipulada pelo compromisso arbitral ou segundo os critérios indicados no art. 16, § 2º. Caso contrário, rejeitada a argüição, seguirá o procedimento seu curso, sendo possível ao interessado impugnar a imparcialidade do árbitro na via judicial, por meio da ação de que trata o art. 33 da lei.

Impõe a lei de arbitragem, ainda, o respeito ao princípio do livre convencimento do árbitro. Por livre convencimento não se deve entender a plena liberdade do árbitro em formar sua convicção, com qualquer elemento (presente ou não nos autos do procedimento arbitral), independentemente de justificação das razões que formam seu entendimento. Em verdade, o princípio que realmente informa a arbitragem é o do convencimento motivado, também chamado de persuasão racional do árbitro. De fato, o princípio em questão é o mesmo estabelecido no art. 131, do CPC, que impõe que a formação da convicção se dê, apenas, com os elementos presentes nos autos do processo arbitral, sem que se permita que o julgador possa valer-se de elementos outros, de que tem conhecimento, mas que não foram trazidos ao debate em contraditório. Mais que isso, este princípio impõe que o árbitro justifique sempre as razões que o levaram a dar maior valor a certa prova, em detrimento de outra (em sentido contrário).

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De fato, não se concebe possa o árbitro decidir sem fundamentar as razões do seu convencimento. A motivação da decisão arbitral é elemento que se impõe não apenas porque decorre necessariamente da garantia do devido processo legal – que, como visto acima, é inerente também ao processo arbitral – mas ainda por expressa previsão legal, contemplada no art. 26, inc. II, da lei de arbitragem. A fundamentação, por óbvio, não pode limitar-se ao exame das questões de direito debatidas, mas há de estender-se também (e com muito maior freqüência e intensidade) à matéria de fato trazida ao exame do árbitro. Daí a razão pela qual a menção ao livre convencimento deve ser vista como indicação, em realidade, ao princípio do convencimento motivado do árbitro.

Outro princípio que norteia sempre o processo arbitral é o da conciliação. De fato, como preceitua o art. 21, § 4º, compete sempre ao árbitro – e independentemente da existência ou não de previsão a respeito no compromisso arbitral – tentar, ao início do procedimento, conciliar as partes. Sempre será, com efeito, mais desejável a auto-composição do conflito se comparada com qualquer forma de heterocomposição. A tônica da solução dos conflitos, hoje, é posta na pacificação social, de forma que sempre se prefere a solução amigável, proposta pelas próprias partes, à decisão imposta por terceiro.

Dentro dos princípios acima enumerados, têm as partes plena liberdade de dispor sobre a forma pela qual deve conduzir-se a arbitragem. Mesmo as demais regras de procedimento estabelecidas no capítulo IV da lei devem ser consideradas de cunho dispositivo, ou seja, somente prevalecem na ausência de previsão em contrário no compromisso arbitral. Desse modo, desde que observados os princípios fundamentais antes indicados, as partes têm liberdade para estipular a forma do procedimento a ser seguido pelo árbitro da forma que melhor lhes aprouver. Apenas quando ausente previsão sua a respeito é que o árbitro – ao fixar a sucessão de atos do processo – deverá pautar-se pelos critérios indicados nos arts. 18 a 22, da lei.

Segundo estes critérios, de todo modo, é de se ter por instaurada a arbitragem com a aceitação pelo árbitro (ou pelos árbitros), de sua nomeação (art. 19). Pode haver a elaboração de um adendo ao compromisso, através do qual as partes esclarecem alguma questão do pacto de arbitragem havido ao árbitro (art. 19, parágrafo único). É cabível, aqui, estabelecer regras procedimentais antes não previstas, ou ainda especificar critérios antes determinados, a fim de que o árbitro possa desempenhar seu trabalho com maior precisão, dentro dos parâmetros indicados pelas partes.

A lei determina que a alegação de qualquer questão processual – tal como a incompetência, a suspeição e o impedimento (como visto) ou qualquer causa de nulidade ou ineficácia da convenção de arbitragem (e a fortiori do procedimento arbitral) – deve ser feita na primeira oportunidade em que a parte puder manifestar-se no feito (art. 20). Como já dito, não se deve entender como preclusiva esta oportunidade já que o tema poderá, posteriormente, ser apreciado pelo Poder Judiciário por via da ação de nulidade do art. 33 da lei. Ora, se há esta possibilidade, razões ainda mais intensas recomendam sua apreciação internamente ao processo arbitral, a qualquer momento, mesmo para se evitar o recurso ao Judiciário para resolver questão que poderia bem ser tratado no âmbito do juízo arbitral. De toda sorte, acolhida a alegação de vício processual (excetuada a suspeição ou o impedimento, que gerará a substituição do árbitro) serão as partes encaminhadas ao Poder Judiciário para a solução da controvérsia (art. 20, § 1º).

No procedimento arbitral, não é obrigatória a participação de advogados, embora possam as partes ser assistidas por esse profissional – ou ainda por outro, de outra especialidade ou apenas de sua confiança, recomendada para o exame do caso concreto (art. 21, § 3º).

Em matéria de prova, tem o árbitro (ou o tribunal arbitral) amplos poderes instrutórios. Todos os meios de prova podem ser realizados no procedimento arbitral, de ofício ou a requerimento de qualquer dos interessados. A colheita da prova oral (depoimento das partes e oitiva de testemunhas) será feita por termo (assinado pelo depoente – ou a seu rogo – e pelo árbitro) em data e local previamente comunicados por escrito às partes. Não comparecendo a parte ao ato de seu depoimento, sua ausência será considerada como elemento probatório por ocasião da sentença; faltante a testemunha, solicitará o árbitro à autoridade judiciária sua condução coercitiva, bastando para isso a prova da existência da convenção de arbitragem (art. 22, § 2º). Havendo substituição de árbitros no curso do procedimento, poderá o substituto repetir as provas já produzidas.

A lei também trata do instituto da revelia, não lhe atribuindo, porém, idênticos efeitos aos previstos pelo CPC. Limita-se a lei a dispor que a revelia da parte não impedirá a prolação da sentença arbitral. Não há, porém, qualquer imposição de efeitos materiais ou processuais decorrentes da revelia, que deverão, para incidir, estar previstos no compromisso arbitral.

Poderá, ainda, suceder que, no curso da arbitragem, sobrevenha questão referente a direito indisponível, que seja prejudicial ao exame do litígio submetido à arbitragem. Presente esta questão prejudicial – cuja apreciação compete exclusivamente ao Poder Judiciário, por força da intrínseca ligação da arbitragem, exclusivamente, a questões de direitos que admitem transação – cumprirá ao árbitro remeter as partes ao órgão jurisdicional competente para a solução do tema, suspendendo o curso da arbitragem. Julgada a questão (por sentença ou acórdão transitado em julgado) terá prosseguimento a arbitragem, tomando-se a decisão judicial como pressuposto para o exame do litígio sujeito ao juízo arbitral (art. 25 e seu parágrafo único).

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Sobre o autor
Sergio Cruz Arenhart

procurador da República em Curitiba (PR), professor da UFPR e da UTP, mestre e doutor em Direito pela UFPR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARENHART, Sergio Cruz. Breves observações sobre o procedimento arbitral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 770, 12 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7161. Acesso em: 24 abr. 2024.

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