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O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana

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24/08/2005 às 00:00
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4. CONCLUSÃO

            Muitas vezes nos esquecemos de que o Estado, apesar da abstração jurídica, somos todos nós! É com nossos esforços e com o que pagamos de impostos que o governo forma sua arrecadação a cumprir suas obrigações sociais e atender as necessidades básicas da população. "Punir" o Estado com a obrigação de indenizar o cidadão prejudicado com a duração exagerada do processo significa, em última análise, penalizar a todos nós indistintamente por um erro ou omissão estatal, sem eliminar a razão do problema.

            Assim, devemos nos valer do exemplo italiano – enquanto não há qualquer tipo de pressa ou pressão sobre o Brasil – para discutir e elaborar uma legislação que adote esse salutar mecanismo de indenização dos prejuízos materiais e morais advindos da duração exagerada do processo, até mesmo como forma de estancar qualquer eventual dúvida que ainda possa existir nos julgamentos desses casos. Importante dizer que, sem uma legislação própria e específica que preveja a justa indenização, por se tratar de matéria constitucional, a palavra final caberá sempre ao STF, tendo em vista que a parte sucumbente usará de todos os recursos previstos na legislação, principalmente em se tratando do Poder Público, para fazer chegar a questão até a mais alta corte constitucional. Assim, defendemos uma legislação específica que preveja o dever do Estado de indenizar o jurisdicionado pela infração ao direito à razoável duração do processo.

            É mister, todavia, afastar o equívoco de imaginar efetivo o processo pelo simples fato de se prever a indenização sempre que a demora for injustificada. A verdade é em sentido contrário – se couber indenização, é exatamente porque o processo não foi efetivo e muito menos justo. Uma nova legislação teria de partir do princípio de que os mecanismos estruturais faltantes ao Poder Judiciário serão a este incorporados, dando condições de trabalho aos magistrados para a realização da verdadeira Justiça, somando-se algumas outras reformas de que nossa legislação ainda carece para, desse modo, reservar a previsão de reparação para poucos e eventuais casos em que, mesmo assim, ocorra uma demora injustificável.

            Afinal, adotar uma lei de "justa reparação" pela duração exagerada do processo na realidade atual significará tão-somente criar mais um encargo aos cofres públicos, sem qualquer conseqüência prática sobre a morosidade judicial, ou, o que seria pior, causar ainda mais lentidão na prestação jurisdicional, caso se desvie o já limitado orçamento do Poder Judiciário para pagamento das futuras indenizações, além de sobrecarregar nossos sempre atribulados Tribunais com essas novas demandas indenizatórias. [58]

            A proposta que ora se apresenta é a de demonstrar a preocupação mundial acerca da realidade quando o processo tem uma demora excessiva e, especificamente, trazer à tona os fatos ocorridos na Itália anteriormente à Lei Pinto, para que a comunidade jurídica brasileira tenha tempo para refletir sobre o problema e para buscar concretas soluções, em vez de simplesmente criar um mecanismo que se traduza em pura e singela punição do Estado por sua negligência, sem que isso torne o processo civil mais célere e efetivo. [59]

            Devemos agir de forma séria, pensada e eficaz nesse caso. Urge o cuidado para que propostas mirabolantes e desprovidas de sentido histórico, processual-científico e realista não nos transformem de "vítimas" em "carrascos" de um sistema inoperante e injusto. Primemos por coerência jurídica nesta busca de um Poder Judiciário "mais operativo, dinâmico e rente à realidade contemporânea". Sugerimos uma ampla discussão, que não fique restrita à comunidade acadêmica, mas na qual sejam ouvidos os principais envolvidos e interessados, quais sejam: a) as partes prejudicadas por processos "eternos"; b) advogados militantes, não somente aqueles dos grandes escritórios ou dirigentes da OAB, mas também e principalmente o advogado humilde, batalhador, que trabalha com muita dificuldade para sobreviver e conhece na prática cada uma das grandes mazelas dos fóruns; e c) juízes e promotores, especialmente aqueles lotados em 1ª instância, por estarem mais próximos dos problemas que atravancam o curso do procedimento, em vez dos respectivos órgãos de classe. [60]

            Para definição de prazo razoável não nos parece adequado qualquer outro critério que não a análise de cada caso concreto, tal qual o excelente critério da posta in gioco, estabelecido pela Corte Européia dos Direitos do Homem, que, como já afirmado, julga a infração ao direito do término do processo em prazo razoável e sem dilações indevidas e o próprio valor da indenização com base nos seguintes critérios: a) complexidade do caso; b) comportamento das partes; c) atuação dos juízes, dos auxiliares e da jurisdição.

            Como dissemos, a duração do processo é conseqüência natural e necessária [61] para que haja o amadurecimento da síntese e da antítese trazidas pelo autor e pelo réu, [62] permitindo-lhes amplo direito de defesa, contraditório, e oportunidade de produzirem provas e de interporem recursos contra as decisões que lhes forem desfavoráveis, [63] daí por que o processo não pode ser resolvido de imediato.

            A natural duração do processo já acarreta danos às partes, razão de o legislador prever, entre outras medidas, o seqüestro, a execução provisória, a correção monetária e, atualmente, a antecipação dos efeitos da tutela a minimizar os prejuízos advindos da espera. Contudo, necessário se faz acabar com a morosidade que decorre dos mais diversos fatores e que prolonga o processo muito além do essencial e justo. Em texto primoroso e obrigatório,"Cognizione" ed "esecuzione forzata" nel sistema della tutela giurisdizionale, Italo Andolina define com segurança e clareza o conceito de dano marginal, aquele decorrente da duração exagerada do processo a prejudicar as partes. [64]

            Em razão do lamentável quadro atual da justiça brasileira, [65] apresentamos três propostas básicas como primordiais e iniciais na busca da realização do direito constitucional da razoável duração do processo: [66]

            1ª - imediata destinação de verbas para a completa reforma da estrutura do Poder Judiciário, investindo-se seriamente em equipamento, tecnologia, pessoal e treinamento. [67] Além disso, entendemos que a resolução do problema da exagerada duração do processo civil passa pela conscientização das partes e dos operadores do direito, cada qual fazendo a parte que lhe é cabível.

            2ª - efeito somente devolutivo como regra para o recurso de apelação. [68]

            3ª - estipulação de prazo máximo de duração do processo em cada esfera judicial.

            Pode parecer um pouco exagerada em uma primeira análise a definição do "direito à duração razoável do processo" como sendo questão atinente aos "direitos humanos", principalmente se comparado ao "direito à vida", à "integridade e liberdade pessoal", à "liberdade de pensamento e expressão" ou ao "veto à escravidão e exploração humana", que são, sem dúvida, de muito maior relevo e gravidade. Todavia, esses últimos, até por serem mais genéricos e conhecidos, normalmente são respeitados e possuem mecanismos próprios para evitá-los e coibi-los quando ocorrem, ao contrário da duração exagerada e absurda do processo, que é um problema e uma preocupação em todo o mundo, embora de forma mais velada e dificilmente equacionada.

            De fato, colocar em disputa o "direito à vida" em confronto com o da "duração do processo" pode gerar a impressão de que esse último seria quase banal, mas não o é, de modo algum. Um processo judicial ou administrativo pode levar uma pessoa ou uma empresa à ruína financeira ou ao desespero total. Não nos referimos somente ao processo penal – este ainda mais grave por envolver, além da liberdade do indivíduo, seu nome e sua família –, mas também ao civil, no qual o patrimônio e a tranqüilidade daquele que aciona e de quem é demandado não podem ser considerados como um mero transtorno casual e inevitável.

            Um Estado democrático não pode abandonar seus cidadãos a um processo lento e viciado, pois não é raro que as vidas e o destino das pessoas estejam diretamente vinculados à solução de um determinado processo, motivo pelo qual é extremamente leviano fazê-los aguardar tempo excessivo pela decisão judicial, somente porque falta interesse e vontade política para estruturar e aparelhar adequadamente o Poder Judiciário. Como dissemos no corpo do trabalho, um processo que dura um dia a mais do estritamente necessário não terá duração razoável e já será injusto.

            Lembremos que, embora a adoção pelo ordenamento jurídico italiano de legislação específica para indenizar os cidadãos que sofram com a duração exagerada do processo não tenha sido resultante de uma conscientização espontânea, mas decorrente do grave problema perante a Corte Européia dos Direitos do Homem, a iniciativa é bastante louvável, pois, no mínimo, serve de reparo e alento a quem é prejudicado pela incompetência estatal, direito este porém que não deve ser encarado como um fim em si mesmo, mas como mero ponto de partida para um processo justo, moderno e com tutela prestada em tempo hábil.

            Para finalizar, de tão representativa do espírito do presente trabalho, pedimos vênia ao célebre e perspicaz jurista José Carlos Barbosa Moreira para concluir com uma de suas magníficas e peculiares frases:

            "Semelhante atitude, encontradiça em espíritos que se julgam progressistas, é, na verdade, a melhor aliada do conservadorismo. Apostar tudo no ideal significa, pura e simplesmente, condenar o real à imobilidade perpétua. Disse um grande estadista que é muito difícil sabermos o que precisaríamos fazer para salvar o mundo, mas é relativamente fácil sabermos o que precisamos fazer para cumprir o nosso dever." [69]


BIBLIOGRAFIA

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Sobre o autor
Paulo Hoffman

doutorando, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, especialista em Processo Civil pela Università Degli Studi di Milano, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, professor da Escola Superior da Advocacia, advogado em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HOFFMAN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 782, 24 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7179. Acesso em: 22 nov. 2024.

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