SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A duração do processo – uma preocupação mundial – 3. O problema da duração do processo civil na Itália – A experiência italiana – 3.1. A convenção européia para proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais – 3.2. A corte européia – 3.3. Aplicação do artigo 6º, § 1º, da convenção européia para a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais – 3.4. A jurisprudência da corte européia – 3.5. O novo artigo 111 da Constituição da República Italiana – 3.6. O justo processo e a norma sobre a duração razoável do processo – 3.7. A chamada "Legge Pinto" – 3.8. Breve exposição e comentários dos artigos – 3.9. A aplicação da lei – 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Independentemente do resultado prático que venha a ser efetivamente alcançado, não se pode minimizar a relevância e a importância da Emenda Constitucional nº 45, aprovada pelo Congresso Nacional. Trata-se de um verdadeiro marco na história recente do Judiciário que, apesar das dificuldades iniciais de implementação e das críticas que se possa fazer à emenda, deve colaborar para o aprimoramento do sistema como um todo.
Entretanto, é lamentável constatar que, sem antes tomar medidas de ordem prática e sem alterar nada na ineficiente estrutura e condições do Poder Judiciário, seja simplesmente acrescido o parágrafo LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, para garantir o direito constitucional da razoável duração do processo no sistema brasileiro. Válido será, porém, se mais que um princípio constitucional, tornar-se um autêntico compromisso.
Atentos à realidade e à preocupação mundial acerca da duração do Processo, ao iniciarmos o curso de Processo Civil na Universidade Estatal de Milão, ministrado pelo competente e respeitado mestre Giuseppe Tarzia, encantamo-nos imediatamente com o tema sobre a indenização a que o cidadão italiano tem direito pelos prejuízos materiais ou morais que sofra em decorrência da duração exagerada [01] e injustificável do processo. [02]
Destarte, parece-nos que apresentar a problemática ocorrida na Itália servirá para que possamos, dentro da nossa realidade e condições, criar algo de concreto que se traduza em real melhoria do processo, com uma duração justa e adequada, para a realização da tão almejada justiça.
É imprescindível que o processo tenha uma certa duração, maior do que aquela que as partes desejam, [03] porquanto o Estado deve assegurar aos litigantes o devido processo legal, amplo direito de defesa e contraditório e, até mesmo, tempo para se prepararem adequadamente. Contudo, nada justifica a interminável espera causada pela tormentosa duração do processo a que os cidadãos se vêem submetidos e da qual, ao final, resta sempre a sensação de injustiça.
Como modo de tentar coibir a exagerada duração do processo, [04] foi recentemente introduzida no ordenamento italiano uma legislação específica para regular o direito do jurisdicionado de exigir do Estado uma indenização, fato que serve de alento para minimizar os prejuízos advindos de uma duração excessivamente longa mas que, de modo algum, deve ser encarado como solução do problema da morosidade judicial, pois o que se busca é a justa e efetiva resolução dos casos judiciais, decididos em tempo razoável, objetivo que só será alcançado com o devido aparelhamento do Poder Judiciário.
Por ter o Estado se sub-rogado no direito-dever único de fazer e realizar justiça, não é admissível que a falta de interesse dos governantes em investir corretamente no Poder Judiciário penalize os jurisdicionados com a absurda duração do processo, razão pela qual a introdução de mecanismo que puna essa injustificável demora parece-nos ser um primeiro e importante passo, ao qual deverão seguir-se outras medidas para atingir a meta da prestação jurisdicional, assegurando-se a paridade entre as partes e realizando-se justiça.
Brasil e Itália fizeram recentemente diversas alterações na legislação processual civil, introduzindo procedimentos mais adequados à realidade de nossos dias, como as chamadas "tutelas de urgência", com o fito de tornar o processo mais célere e moderno. [05] Entretanto, apesar de respeitáveis e necessárias, de nada servirão as modificações de vanguarda, se introduzidas numa Justiça viciada e atracada com uma estrutura ineficiente e insuficiente para a realização do serviço que o Estado se propõe prestar. [06]
Por oportuno, ressaltamos que, o presente trabalho enfocará somente a problemática no processo civil, apesar da gravidade da questão na área criminal e administrativa, bem como que, na parte que concerne à lei e à realidade italiana, procurar-se-á fornecer subsídio às nossas afirmações, trazendo em notas de rodapé trechos da doutrina italiana sobre o tema, além de transcrições na íntegra de alguns artigos e de um caso de grande repercussão.
2. A DURAÇÃO DO PROCESSO – UMA PREOCUPAÇÃO MUNDIAL
Numa concepção hodierna do processo, na prestação da tutela jurisdicional deve ser assegurada aos litigantes, além do amplo direito de defesa e contraditório, uma duração plausível.
Sem se esquecer da importância e relevância dos demais princípios, a duração do processo tem se caracterizado como ponto de grande preocupação e atenção dos operadores e estudiosos do direito, [07] porquanto uma Justiça que tarda é sempre falha. Independentemente de a razão ao final ser atribuída ao autor ou ao réu, a demora na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas desconforto, ansiedade e, na maioria das vezes, prejuízos de ordem material a exigir a justa e adequada solução em tempo aceitável. [08]
Até mesmo nos países em que a litigiosidade é contida, seja por razões culturais ou sociais, é crescente a percepção de que algo deve ser feito para tornar a tutela mais célere e mais efetiva. Igualmente, nos países saídos de um regime totalitário, com história recente de democracia, já é sentida a necessidade da adoção de mecanismos para aceleração na resolução dos casos judiciais, uma vez que o exercício da liberdade e a conscientização da população acarretam o aumento do número de demandas.
É inconcebível que em um mundo moderno, capaz de enviar informações de uma parte a outra instantaneamente ou de transmitir uma guerra em tempo real, a burocracia, o formalismo e a falta de estrutura mantenham o Poder Judiciário arcaico e ineficaz. É inadmissível que um processo tenha duração maior que a necessária para assegurar a justa decisão.
Desse modo, de países em que o processo civil é bastante moderno, a outros em que questões internas permitem uma solução ágil, passando por Brasil e Itália, os quais têm realizado reformas importantes em matéria processual civil como forma de imprimir maior brevidade a demandas que se arrastam entre instâncias, a preocupação é comum no sentido de abreviar o quanto possível a existência do processo, transformando-se o mote da duração do processo numa preocupação mundial.
3. O PROBLEMA DA DURAÇÃO DO PROCESSO CIVIL NA ITÁLIA – A EXPERIÊNCIA ITALIANA
É difícil, para não dizer impossível ou irresponsável, um estrangeiro precisar os problemas que envolvem a prestação da tutela jurisdicional em um país sem possuir um vasto e preciso conhecimento sobre a legislação e, principalmente, sem experiência prática de atuação, sentindo os problemas no seu dia-a-dia. Exatamente desse modo, apenas fruto ocasional de nossa breve passagem pela Itália, apresentaremos uma sintética demonstração da experiência italiana neste "campo minado" da busca da resolução de conflitos em tempo hábil.
Neste diapasão, ao traçar-se um paralelo entre o procedimento adotado no Brasil e aquele existente na Itália, percebe-se que a forma de citação e processamento inicial da demanda é bem mais célere no direito italiano, residindo o problema, talvez, na maior burocracia, [09] na restrição de horário do expediente forense e na realização de atos e audiências sem grande produtividade, às vezes até de forma inútil, além do tempo de julgamento das causas em 2ª instância. [10]
Fora isso, apesar de estar em vigor desde 1942, [11] o Código de Processo Civil italiano é moderno e as recentes modificações deram ainda maior dinamismo à atividade processual. Todavia, o número insuficiente de juízes e auxiliares em geral, assim como a falta de um aparato tecnológico apropriado, impede que a duração do processo esteja dentro de padrões aceitáveis. [12]
A modificação do julgamento em primeira instância, que deixou de ser sempre de forma colegiada, e a criação do juiz de paz, neste primeiro momento, ao invés de agilizar o procedimento, causaram em muitos casos enorme atraso.
É comum que um processo civil na Itália tenha duração de três anos em primeira instância e de dois anos em grau de recurso.
Tal qual no Brasil, as reformas no Código de Processo Civil italiano tiveram sua importância, mas não resultaram plenamente na conseqüência almejada. Fora isso, a adesão da Itália à Comunidade Européia [13] trouxe novos deveres ao país, entre eles o da prestação da tutela jurisdicional em tempo razoável, direito humano previsto na Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Assim, diante de uma Justiça italiana lenta e morosa, os cidadãos italianos, apoiados na Convenção Européia, passaram a socorrer-se da possibilidade de recurso à Corte Européia como forma de salvaguardar seus direitos e exigir a finalização dos processos judiciais em tempo justo ou indenização pelos prejuízos materiais e morais advindos da exagerada duração do processo.
Essa situação causou grave transtorno político à Itália como membro da Comunidade Européia, além de natural abalo em sua soberania, principalmente em razão da forte pressão exercida pelos demais países, uma vez que tantos foram os processos de cidadãos italianos perante a Corte Européia que se causou uma morosidade da própria Corte, a qual se viu às voltas com uma carga excessiva de processos em razão da exagerada duração do processo italiano, que não conseguia mais julgar seus próprios casos em tempo adequado. Diante desse quadro, a Itália viu-se obrigada a, inicialmente, introduzir o justo processo em sua Constituição e, às pressas, aprovar uma lei que prevê a possibilidade de os cidadãos italianos requererem indenização perante as próprias Cortes italianas, porquanto a Convenção Européia somente admite recursos à Corte Européia quando esgotada a jurisdição no país-membro ou na hipótese de inexistência de lei que preveja a possibilidade de o jurisdicionado exigir determinado direito perante seu próprio país de origem.
3.1. A convenção européia para proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais
A Convenzione Per La Salvaguardia Dei Diritti Dell’uomo E Delle Libertá Fondamentali, datada de 4 de novembro de 1950, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, [14] adotou os principais princípios norteadores do convívio em sociedade, com respeito mútuo, veto a condições ou situações de vida indigna, além de diversas determinações de ordem jurídica e prática, a proteger a pessoa humana em seu próprio país ou quando no exterior, fato importantíssimo para o desenvolvimento da humanidade, principalmente naquele período do pós-guerra.
O título primeiro prevê os principais direitos dos cidadãos e as restrições a que se submetem os países adotantes da Convenção. Já o título segundo institui a Corte Européia dos Direitos do Homem, sua formação, regulamentação, eleição de seus membros, condições e formas de recursos. Por fim, o título terceiro traz várias disposições de regulamentação.
Como forma de assegurar o respeito aos preceitos contidos na Convenção, [15] instituiu-se a formação e o funcionamento permanente da Corte Européia, com sede em Estrasburgo, com número de juízes igual ao dos países-membros. [16]
A competência da Corte se estende a todas as questões concernentes à interpretação e aplicação da Convenção e de seus protocolos, sendo qualquer impugnação de sua competência decidida por ela própria. [17]
Tantos seus estados-membros podem interpor recursos, reclamando o desrespeito a qualquer previsão ou direito estatuído na Convenção, em face de outro Estado-membro, como toda pessoa física, [18] organização não-governamental ou empresa privada tem o direito a exigir da Corte a atenção a direito individual não atendido por parte de um Estado-membro. [19]
Em especial, interessa ao presente trabalho o previsto no artigo 6º, parágrafo 1º, que assim preceitua:
"Diritto ad un processo equo. –
1. Ogni persona ha diritto ad un’equa e pubblica udienza entro un termine ragionevole, davanti a un tribunale indipendente e imparziale costituito per legge, al fine della determinazione sia dei suoi diritti e dei suoi doveri di carattere civile, sia della fondatezza di ogni accusa penale che gli venga rivolta. La sentenza deve essere resa pubblicamente, ma l’accesso alla sala d’udienza puó essere vietato alla stampa e al pubblico durante tutto o una parte del processo nell’interesse della morale, dell’ordine pubblico o della sicurezza nazionale in una societá democratica, quando lo esigono gli interessi dei minori o la tutela della vita privata delle parti nel processo, o nella misura giudicata strettamente necessaria dal tribunale quando, in speciali circostanze, la pubblicitá potrebbe pregiudicare gli interessi della giustizia."
Com essa previsão de um processo com um término em prazo razoável, a Convenção Européia dos Direitos do Homem já demonstrava, há mais de 50 anos, a importância de que o julgamento das causas judiciais fosse dotado de mecanismos que permitissem uma demora que não ultrapassasse aquela estritamente necessária, isso quando nem sequer se imaginava que um processo pudesse durar 10, 20 ou até 30 anos, como, infelizmente, ocorre atualmente em alguns casos.
O art. 34 da Convenção Européia prevê a possibilidade de recurso de qualquer cidadão, organização não governamental ou empresa privada em decorrência de infração de qualquer direito nela reconhecida, bem como estabelece que os Estados não devem obstaculizar o exercício dessa opção. Já o art. 35 estabelece que a Corte não pode ser acionada enquanto não exauridos os recursos internos dentro do país infrator e isso em até seis meses, a partir da data da decisão definitiva interna.
Entretanto, os mencionados artigos, interpretados em confronto com o disposto no artigo 41 da Convenção Européia, abriram aos cidadãos italianos a possibilidade de recorrer diretamente à Corte Européia para pleitear indenização decorrente dos prejuízos advindos da duração exagerada do processo na Itália. O citado artigo dispõe a equa soddisfazione para os casos em que a Corte declarar que houve infração a qualquer direito entre os previstos na Convenção Européia dos Direitos do Homem, desde que o direito interno do Estado-membro infrator não preveja qualquer tipo eficaz de reparação ao dano sofrido. [20]
Desse modo, nada existindo, nessa época, no ordenamento italiano a garantir a duração razoável do processo, nem indenização no caso de infração a esse direito, descoberta a via da Corte Européia, centenas de recursos foram interpostos por jurisdicionados italianos pleiteando a equa soddisfazione.
Tal fato acarretou um grande acúmulo de demandas na Corte Européia, a qual se viu também sem condições de cumprir os prazos e julgar os casos de sua própria atribuição.
Diante da pressão e censura exercida pela Corte Européia, [21] bem como das reiteradas decisões condenatórias de ressarcimento por infração ao direito do justo processo, a Itália tentou resolver o problema, utilizando-se da possibilidade de composição amigável prevista nos artigos 38, 1.b, e 39 da Convenção Européia dos Direitos do Homem. Contudo, tendo se mostrado ineficiente esse recurso, alternativa outra não restou à Itália senão a de realizar rápida reforma de sua legislação constitucional e infraconstitucional, como forma de reverter essa conjuntura, assim como criar uma lei interna específica sobre a reparação a que tem direito o jurisdicionado lesado em seu direito de obter uma tutela judicial em prazo razoável. [22]
3.4. A jurisprudência da Corte Européia
A Corte Européia, ao julgar os casos de infração por duração exagerada do processo, não estabelece um tempo mínimo ou máximo, fato acertado a nosso ver, pois um processo pode durar cinco ou mais anos e ter sido extremamente correto e adequado, enquanto outro pode durar dois anos e ter sido excessivamente longo. [23]
Ademais, entendemos que o estabelecimento de prazos acaba por viciar a formação do processo ou forçar sua conclusão, aceitando a duração limitada como um fim em si mesmo e não mais um princípio a ser observado.
Um processo adequado e justo deve demorar exatamente o tempo necessário para a sua finalização, respeitado o contraditório, a paridade entre as partes, o amplo direito de defesa, o tempo de maturação e compreensão do juiz, a realização de provas úteis e eventuais imprevistos, fato comum a toda atividade; qualquer processo que ultrapasse um dia dessa duração já terá sido moroso. Uma demanda, com pedido de despejo por falta de pagamento dos aluguéis, em que a efetiva desocupação do imóvel ocorra mais de seis meses após a distribuição da petição inicial terá sido longa; contudo, uma demanda, com pedido de rescisão de contrato de fornecimento de programas de computador, em decorrência da não total consecução do trabalho, que tenha durado dois anos em 1ª instância, provavelmente, terá sido solucionada dentro de um prazo aceitável.
Apesar de haver uma "lógica" comum no que tange à razoabilidade ou não da duração de determinado processo, temos que a criação de metas mínimas acarretaria resultados contrários, tornando-se prazo máximo a acomodar os juízes e as partes.
Neste sentido, concordamos com os critérios adotados pela Corte Européia dos Direitos do Homem: [24]a) complexidade do caso; b) o comportamento das partes; c) o comportamento dos juízes, dos auxiliares e da jurisdição interna de cada país, para verificação em cada caso concreto sob violação do direito à duração razoável do processo.
Importante ressaltar, ainda, que a Corte entende que a duração deve ser compreendida em seu todo, ou seja, não só a parte do processo de conhecimento, mas também a da satisfação do direito reclamado em juízo, ou isoladamente em cada uma de suas fases. Assim, se até o trânsito em julgado da sentença o processo tiver sido super eficiente, mas o cumprimento desta for indesejável, também será devida a indenização. [25]
Outro ponto interessante é que tanto o autor quanto o réu podem pleitear indenização perante a Corte, antes mesmo do término da demanda judicial e independentemente de quem sair vencedor na causa, uma vez que a simples indefinição a que são submetidas as partes quanto ao direito controvertido já é bastante para gerar dano a ser reparado. Não se discute o direito subjetivo posto em juízo, nem o acerto ou incorreção da decisão interna, mas somente se o processo teve duração razoável ou exagerada.
3.5. O novo artigo 111 da Constituição da república italiana
Desde 1990 a Itália vem realizando alterações importantes no Código de Processo Civil, [26] tudo no intuito de tornar mais célere e efetivo o processo civil, inclusive com reforma do texto constitucional. Dentro desse quadro, no que concerne à parte processual, destacamos a nova redação do artigo 111 da Constituição da República Italiana: [27]
"Art. 111: La giurisdizione si attua mediante il giusto processo [28] regolato dalla legge. [29]
Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le part, in condizione di paritá, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata."
A reforma do art. 111 da Constituição da República Italiana teve feição de política legislativa, dirigida mais ao legislador do que à criação de direito novo ao cidadão, bem como de permitir aos juízes interpretarem a lei de forma a considerar inconstitucionais quaisquer atividades inócuas e que representassem atraso na atividade jurisdicional, além de dar aspecto constitucional ao direito de "duração razoável do processo".
No que tange ao aspecto constitucional italiano, deve-se relembrar que o art. 24 da Constituição Italiana [30] já previa o direito subjetivo [31] de todo cidadão fazer valer seus direitos e legítimos interesses em juízo, assegurando-lhe todos os meios [32] para agir e defender-se. [33]
Ponto importante no novo texto do artigo 111 da Constituição Italiana é a estipulação de que o "justo processo" será regulado por lei. Tal fato se deve à preocupação do legislador italiano em não permitir que coubesse exclusivamente aos juízes a definição do que seria um "justo processo", até mesmo porque a idéia do que possa ser justo ou injusto pode depender muito da educação e história de vida da pessoa que julga, seus princípios, ideais, traumas, concepções políticas e interesses. Além desse fator mais nobre, teve o legislador o cuidado de acrescer a frase "regulado por lei", a fim de se assegurar da sua prerrogativa de estabelecer leis e normas de processo, em vez de fortalecer em demasia o Poder Judiciário.
3.6. O justo processo e a norma sobre a duração razoável do processo
O processo civil é técnico e concebido em bases concretas e formais, utilizando-se de conceitos e procedimentos para o fim de, com a prestação da tutela jurisdicional, fazer-se justiça. Assim, toda vez que se mistura ou une-se um termo técnico e pré-definido, tal como processo, com conceito filosófico como "justo", sempre haverá opiniões e divergências.
É verdade que existem determinados conceitos que não admitem mensuração ou limitação. Desse modo, soa-nos estranho, por exemplo, ouvir a utilização da frase "processo mais ou menos democrático", porquanto "democracia" é um desses conceitos que não admitem gradações, ponderações ou quantificação, uma vez que devem ser respeitados de modo integral ou simplesmente não existem.
Democracia ainda é o melhor regime, apesar de todas as suas limitações, imperfeições e contradições, pois o poder deve pertencer ao povo, com ampla liberdade de ação e de pensamento, de oportunidades e responsabilidades. Destarte, não pode o "processo ser mais ou menos democrático", já que nele devem ser observados, sem exceção, todos os princípios a ele inerentes, tais como o do juiz natural e imparcial, o tratamento igualitário das partes, o contraditório, o amplo direito de defesa, a publicidade que permita o controle da comunidade, a realização de provas e o veto ao uso daquelas obtidas de formas ilegais, sendo o processo desenvolvido na forma da lei pré-constituída, garantido-se o duplo grau de jurisdição e terminado em prazo razoável, enfim, um justo processo.
Cumpre ressaltar que alguns poucos países, até mesmo aqueles que adotaram durante muitos anos regimes ditatoriais de esquerda, apesar de não serem democráticos, sempre mantiveram dentro de suas tradições e cultura um processo respeitável, mas que não pode ser completamente equiparado àquele praticado em países democráticos.
Exatamente nessa linha de raciocínio, poderia parecer um paradoxo aceitar a existência de um justo processo, tendo em vista que, em tese, não se poderia conceber um processo que não fosse justo. [34] Todavia, processo é um instrumento da jurisdição, termo técnico e meio para prestação da tutela jurisdicional, [35] o qual pode ter início, desenvolvimento e término sem que várias regras fundamentais tenham sido observadas, mas que, de igual modo, atingirá a consecução do objetivo final, ainda que de forma obscura, ou seja, terá havido "processo", mas não um "justo processo".
Afinal, diante da obrigatoriedade de dar segurança às decisões judiciais, com a adoção da coisa julgada, ninguém pode olvidar que um processo em que o juiz tenha tratado as partes de forma desigual na obtenção da prova, restringindo o contraditório e atuando de forma parcial – negação do próprio sentido de Justiça –, sem que o advogado da parte tenha contra isso se rebelado, nem mesmo interposto ação rescisória após o julgamento final, fará parte do ordenamento jurídico e será sentença executável da mesma forma que aquela que tenha sido proferida em processo extremamente regular. [36]
Desse modo, não há contradição em usar ou defender a expressão justo processo, porquanto um processo pode existir e terminar, sem nunca ter sido justo, adequado, honesto e democrático. [37]
Entretanto, um processo em que sejam rigorosamente respeitados todos os princípios processuais e morais destacados, mas que tenha uma duração excessivamente longa, não será igualmente justo, motivo pelo qual sua duração razoável é preocupação que deve orientar o legislador, o jurista e todos os operadores do direito, sob pena de se transformar a atividade jurisdicional em seu todo em uma grande fábula, um enorme dispêndio de tempo e dinheiro, que jamais atinge o fito e princípio maior do estado democrático, que é a realização da mais lídima forma de justiça.
Vale notar que a assunção da duração razoável do processo a proteção constitucional não permite por si só o direito do cidadão italiano de exigir a reparação dos prejuízos que sofra em razão da duração exagerada do mesmo, [38] restando, assim, necessárias a elaboração e a promulgação de lei específica no ordenamento italiano. [39]
3.7. A chamada "Legge Pinto" [40]
Diante da necessidade de se introduzir lei específica no ordenamento interno italiano sobre o dever de indenizar aquele que sofra prejuízo em decorrência da duração exagerada do processo, após uma primeira tentativa infrutífera, em 24 de março de 2001, foi aprovada lei com a previsão da justa reparação em caso de violação do prazo razoável de duração do processo e de modificação do artigo 375 do Código de Processo Civil.
Dividida em dois capítulos e composta de sete artigos, a Lei Pinto [41] trata em seu capítulo primeiro, denominado "Definizione immediata del processo civile", somente da modificação da redação do artigo 375 do Código de Processo Civil italiano, enquanto no capítulo segundo, intitulado "Equa Riparazione", apresenta o escopo da lei, o procedimento, o prazo e as condições de interposição da ação que vise à reparação, a forma de publicação e ciência da sentença, norma transitória e a disposição orçamentária dirigida à previsão de verbas para pagamento das futuras eventuais condenações.
3.8. Breve exposição e comentários dos artigos
O artigo 1º da Lei Pinto substitui o artigo 375 do Código de Processo Civil, [42] que trata da Pronuncia in Camera di Consiglio, numa clara tentativa de dar maior agilidade aos julgamentos, [43] diante de um número crescente de recursos. [44]
O parágrafo [45] 1º do art. 375 reformando trata das hipóteses em que em camera di consiglio se pronuncia com ordinanza, sendo os casos do artigo 2º aqueles de sentenza. [46] Já o parágrafo 3º trata da situação de reenvio à pública audiência e, por fim, o parágrafo 4º contempla o procedimento. [47]
O direito à indenização decorrente de danos materiais ou morais sofridos pela duração exagerada do processo, ponto chave e crucial da Lei Pinto, vem previsto em seu artigo 2º. [48] Como era de se esperar, o legislador deixou bem claro na redação tratar-se da mesma indenização a que o cidadão teria direito com base na Convenção Européia dos Direitos do Homem.
O critério de julgamento também é o mesmo já definido pela Corte Européia, atentando para a complexidade do caso, o comportamento das partes, do juiz e demais auxiliares. No estabelecimento do valor deve-se tomar por base o artigo 2.056 do Código Civil italiano, [49] com observância somente do tempo que exceder à duração razoável, sendo que o dano moral pode ser reparado com pagamento em dinheiro ou por intermédio de publicidade da declarada violação do término razoável. Vale relevar que a condenação tem caráter de indenização, e não de reparação, [50] ou seja, não se pretende corrigir todo o mal causado pela exagerada duração do processo, mas tão-somente permitir uma certa forma de compensação, um alento pelo mal causado. Todavia, é importante ressaltar que, no que concerne aos prejuízos materiais comprovadamente sofridos, é possível a ocorrência da reparação.
O extenso artigo 3º da Lei Pinto [51] prevê o procedimento a ser adotado nas demandas de equa riparazione, estipulando minuciosamente os critérios de competência, quem deve figurar no pólo passivo da demanda, a necessidade de a petição inicial ser subscrita por um advogado munido de procuração com fins específicos, a forma de julgamento, de decisão e de eventual recurso. Ponto interessante nesse artigo é a previsão de que entre a distribuição e o julgamento do pedido indenizatório deva transcorrer apenas quatro meses e de que a decisão, ainda que sujeita a recurso, é imediatamente executiva. [52]
Outro aspecto relevante é trazido pelo artigo 4º da Lei Pinto, [53] ao prever expressamente a possibilidade de a demanda de indenização ser proposta ainda que pendente o processo em que já tenha ocorrido a violação da duração razoável. Todavia, o prazo decadencial para sua propositura é de seis meses, a contar do trânsito em julgado.
O artigo 5º da Lei Pinto [54] determina que, além de a decisão ser notificada às partes, deve ser também ao Procurador Geral da Corte dei conti (espécie de órgão administrativo responsável por controle dos gastos públicos), para o fim de eventual verificação de culpa das autoridades envolvidas no processo em que se deu a violação, assim como ao responsável pela ação disciplinar dos empregados públicos envolvidos. O que se depreende desse artigo é a preocupação do legislador para que os casos de equa riparazione sejam comunicados aos órgãos administrativos e disciplinares, a fim de que as medidas cabíveis sejam tomadas para evitar a reincidência.
Como mais uma forma de tentar manter o problema sob jurisdição italiana, o artigo 6º da Lei Pinto [55] estabelece a possibilidade de dirigir-se ao Judiciário italiano àqueles que já tenham formulado pedido perante a Corte Européia dos Direitos do Homem, desde que não haja uma decisão de admissibilidade na referida Corte, ou seja, aqueles cidadãos que já tinham, anteriormente à Lei Pinto, proposto a demanda de equa riparazione diante da Corte Européia, mas que estivesse ainda pendente, poderiam propor a ação perante os Tribunais italianos, anexando cópia da petição distribuída anteriormente, representando a desistência da demanda proposta perante a Corte Européia.
O artigo 7º da Lei Pinto, [56] por fim, estabelece verbas do orçamento a serem destinadas ao pagamento das futuras eventuais indenizações. [57]
Reafirma-se que a lei de "equa riparazione" não pode, nem deve, ser considerada um fim em si mesma, mas um primeiro passo a reparar em pequena parte quem sofre com a demora do processo, ao qual devem seguir-se reformas necessárias na legislação e, principalmente, na estrutura da máquina judiciária estatal.
Por fim, vale dizer que os riscos gerados ao cidadão italiano pelo procedimento da Lei Pinto são maiores que aqueles para dirigir-se à Corte Européia. Apesar de ser um incentivo a proximidade do Tribunal Italiano em contraposição àquele da Corte Européia com sede em Estrasburgo, a obrigatoriedade de estar representado por advogado (artigo 3º, § 2º) e o perigo de eventual condenação nos ônus da sucumbência em caso de insucesso da demanda, além de uma jurisprudência italiana ainda incerta, geram maior temor ao cidadão, que, após sofrer com a demora exagerada do processo, fica submetido ao risco de não ser indenizado e ainda ter de gastar alguma quantia para suportar a demanda indenizatória.
Em seus dois primeiros anos de vigência pode-se dizer que a Lei Pinto atingiu seu objetivo menos nobre estando, porém, muito longe daquele que deveria ser o principal, ou seja, de fato houve sensível diminuição de novas demandas junto à Corte Européia, mas o processo civil italiano continua lento e insatisfatório. Na verdade, o julgamento dos pedidos indenizatórios trouxe uma sobrecarga ao Tribunal Italiano, já por demais atarefado, sem a devida contraprestação, fato que torna o processo ainda mais moroso.
Apesar de haver, até o momento, pouco mais de duas centenas de casos julgados, é possível afirmar que já existe jurisprudência consolidada no que tange à Lei Pinto, principalmente se levarmos em conta aquela formada pela Corte Européia.
O principal critério para a definição do quantum da indenização é da posta in gioco, isto é, o valor pessoal, patrimonial e moral envolvido na causa em discussão, assim como as conseqüências que a demora acarreta na vida, na honra, nos interesses e no destino do jurisdicionado lesado com a duração exagerada do processo.
Para se ter uma idéia da forma como vem sendo interpretada e aplicada a Lei Pinto, transcrever-se-ão a seguir algumas ementas:
"In tema di diritto all’equa riparazione, ai fini dell’accertamento del mancato rispetto del termine ragionevole del processo la l. 24 marzo 2001 n. 89 richiede un esame specifico della concreta vicenda processuale, non dettando alcuna regola da cui possa stabilirsi in via generale ed astratta la ragionevole durata di ogni singolo processo. (Cassazione civile, sez. I, 5 novembre 2002, n. 15445 – Ruggiero c. Pres. Cons. – Giust. civ. Mass. 2002, 1905)"
"La circostanza che, per effetto della irragionevole durata del processo, il reato sia stato dichiarato prescritto, non esclude il diritto dell’imputato al risarcimento del danno ‘ex lege’ n. 89 del 2001, a meno che la durata del processo non sia stata artatamente dilatata dall’imputato stesso, attraverso l’adozione di tecniche difensive abusive e defatigatorie." (Cassazione civile, sez. I, 5 novembre 2002, n. 15449 – Tedesco c. Min. giust. – D& G – Dir. e Giust. 2002, f. 41, 22 nota (DIDONE))
Deve-se lembrar o caráter indenizatório e não reparatório da condenação do Estado, bem como o grave encargo que esta representa, a vincular o já comprometido orçamento italiano, mesmo porque foi criado novo ônus sem que receita fosse gerada, senão a definida no artigo 7º da Lei Pinto, a qual é claramente insuficiente para atender à grande quantidade de casos. O argumento utilizado na justificativa legislativa de que somente se estava transferindo os ônus já existentes com os julgamentos da Corte Européia, na prática, mostra-se irreal.