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Ainda sobre regulação e agência reguladora

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4. Projeto de Lei n. 3.337/2004

            De autoria do Poder Executivo, visa instituir uma lei geral, a partir do estabelecimento de um conjunto de regras para orientar a gestão e a atuação das atuais agências reguladoras e das que vierem a ser criadas.

            As medidas propostas são resultado das recomendações do grupo de trabalho interministerial criado por determinação do Presidente da República em março de 2003 para: (a) analisar o arranjo institucional regulatório no âmbito federal; (b) avaliar o papel das agências reguladoras; e (c) apontar medidas corretivas do modelo adotado [51].

            Foram elaborados dois anteprojetos, consolidados no projeto ora em tramitação. O primeiro dispunha sobre a gestão, a organização e o controle social das agências; e o segundo tratava de alterações a dispositivos das leis de regência de cada uma das agências das áreas de infra-estrutura [52].

            Sob a justificativa de aumentar os mecanismos de controle social e de prestação de contas, seriam instituídos ou ampliados instrumentos de controle, responsabilização e transparência, como: (a) a consulta pública; (b) a apresentação de relatórios anuais ao ministério a que a agência estiver vinculada e ao Congresso Nacional; (c) a obrigatoriedade de contrato de gestão entre o ministério e a agência; e (d) a criação de ouvidorias.

            O projeto de lei estende para todas as agências a exigência de celebração do contrato de gestão e desempenho [53] com o titular do ministério a que estiver vinculada cada uma delas, nos termos do § 8o do art. 37 da Constituição Federal.

            Esse contrato, um dos itens mais criticados da proposta por ameaçar a autonomia das entidades, que se tornariam reféns da obrigatoriedade em se acordar com o ministério, será negociado e celebrado entre a diretoria ou conselho diretor e o ministro a que estiver vinculada a agência.

            Nesses termos, o contrato de gestão consiste num golpe ao modelo existente. Viola suas próprias características, como a consensualidade e a ampliação da autonomia das entidades contratantes [54].

            Terá duração mínima de um ano, será avaliado periodicamente e, se necessário, revisado por ocasião da renovação parcial da diretoria da autoridade reguladora.

            Além de estabelecer parâmetros para a administração interna da agência, o contrato de gestão e desempenho deverá especificar: (a) metas de desempenho administrativo e de fiscalização a serem atingidas; (b) prazos de consecução e respectivos indicadores; (c) mecanismos de avaliação que permitam quantificar o alcance das metas, estimar recursos orçamentários e cronograma de desembolso dos recursos financeiros; (d) as obrigações e responsabilidades das partes em relação às metas definidas; e (e) a sistemática de acompanhamento e avaliação, contendo critérios, parâmetros e prazos, bem como as medidas a serem adotadas em caso de descumprimento injustificado das metas e obrigações pactuadas.

            Outro ponto controvertido é a restituição, aos ministérios, das atribuições relativas à outorga de concessões, permissões e autorizações.

            O projeto entende que o Estado é o titular do direito de explorar, direta ou indiretamente, os serviços públicos. Assim, a faculdade de celebração de contratos de outorga, atribuída às agências em suas leis específicas é vista como mera liberalidade do legislador, daí a possibilidade de sua transferência.

            Embora disponha expressamente que a competência de conceder outorgas e celebrar contratos de concessão e permissão é do Poder Executivo, o projeto deixa ao livre-arbítrio de cada ministério a possibilidade de delegar, ou não, essas atribuições à agência.

            Preserva-se, porém, na esfera dessas entidades, a competência de promover os procedimentos licitatórios, a fim de evitar-se, segundo a exposição de motivos, "o desperdício da experiência já acumulada e assegurar-se a observância de aspectos técnicos que irão ter direta conseqüência nas funções de regulação e fiscalização sob sua responsabilidade" [55].

            O projeto mantém o atual sistema de mandatos escalonados dos dirigentes e a forma de não-coincidência desses com o do Presidente da República, além das atuais condições para a demissão e substituição, afastada a possibilidade de demissão unilateral e a qualquer tempo (ad nutum) [56].

            Cabe salientar que os agentes lotados nessas entidades estão submetidos a um regime de incompatibilidades para exercício de função pública e às normas específicas próprias a cada agência e ao seguimento que está a seu cargo regular. Pode ainda ser exigido, como pré-requisito à ocupação, a especialização técnica, aferida por meio de antecedentes comprovados, ou seleção aberta para postulação [57].

            O texto apresentado uniformiza a duração dos mandatos em quatro anos, permitida uma única recondução, além da estabilidade dos presidentes ou diretores-gerais. Estabelece também que somente poderão perder o mandato em caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.

            Para que seja garantida a prerrogativa do Presidente da República escolher os dirigentes das agências reguladoras, a proposição estabelece que os mandatos dos presidentes e diretores-gerais deverão encerrar-se a partir do 13º e até o 18º mês do mandato do Chefe do Executivo. Dessa forma, os primeiros mandatos poderão, em caráter excepcional, ter mandados inferiores a quatro anos, permitindo-se a adequação deles ao princípio geral.

            Assunto importante deixado de lado pela proposta de reforma é a questão da chamada quarentena. Sua principal finalidade é evitar a transferência imediata do dirigente da agência reguladora para o agente regulado, levando consigo informações privilegiadas às quais teve acesso durante seu mandato. Assim, seu afastamento de toda e qualquer atividade por um lapso temporal é uma garantia de que não fará uso indevido desse conhecimento.

            Os dirigentes não podem manter, durante o mandato e na quarentena, qualquer vínculo com o concedente, concessionário ou associação de usuários. Devem ser licenciados ou ter seus trabalhos suspensos e não postos à disposição da agência, sob pena de restar mantido o vínculo e a potencialidade de interferência [58].

            Ainda de acordo com a proposta, todas as agências reguladoras contarão com um ouvidor com mandato fixo que exercerá suas atribuições sem subordinação hierárquica e sem acumulações com outras funções.

            A audiência à sociedade é um mecanismo de apuração do acervo de esperanças, de anseios, de expectativas, de queixas, de reclamações, enfim, é a tentativa de ouvir o que germina, o que transita pelos desvãos da sociedade. Caso não se tome a devida cautela, o ouvidor poderá instituir-se num interventor permanente. Contrariaria, assim, a natureza intermediadora da ouvidoria de interligar comunidade e entidade.

            Ao ouvidor cabe facilitar as relações existentes entre o usuário do serviço público e os órgãos da administração, viabilizando a resolução de eventual conflito que daí decorrerem, de forma equânime, independente e eficaz.

            As discussões dentro do governo levaram à conclusão que a presença das agências reguladoras é indispensável: (a) para a atração dos investimentos privados; (b) para a redução do chamado risco de captura do processo regulatório por grupos de interesse; e (c) para a necessidade de fortalecer a economia nacional.

            Elas atendem ao interesse da sociedade e, em especial, dos consumidores e usuários de serviços públicos em setores regulados. Diante disso, seus defensores no Congresso Nacional decidiram criar uma frente parlamentar de defesa das agências. Em função das objeções técnicas da equipe econômica e das críticas da oposição, em maio de 2004 o projeto já havia perdido a força. O governo retirou o regime de urgência que havia pedido na tramitação.

            O projeto está no plenário da Câmara desde julho de 2004, mas não há um mínimo de consenso para prosseguir com a votação. Argumenta-se que o lado bom da espera é que, aos poucos, o projeto é melhorado. O ponto de vista do governo evoluiu muito nesses meses. Os especialistas no assunto respondem que a melhoria viria de qualquer jeito, bastaria que os deputados e senadores trabalhassem de forma mais intensa. De modo geral, desperdiça-se muito tempo sem que debates produzam resultado prático.

            Sua aprovação final segue totalmente incerta. Foi o que mostrou a reação ao pedido do presidente da Câmara para que o tema voltasse a ser considerado prioridade, uma vez passada as eleições municipais. Nem os aliados se dispuseram a colaborar. O que resta é esperar.


5. PEC n. 81/2003

            O Projeto de Lei n. 3.337/2004, em tramitação na Câmara, é uma das prioridades legislativas do Palácio do Planalto. Porém, seu desenho pode ter que se adaptar ao que manda a Proposta de Emenda à Constituição n. 81/2003 do senador Tasso Jereissati do PSDB/CE [59].

            A PEC contempla vários dos princípios já presentes na legislação vigente das agências reguladoras. Ao elevar os princípios ao patamar constitucional, reconhece-se a importância da atividade reguladora para o Estado, além de estender os princípios a todas as entidades.

            Apesar de não eliminar a necessidade de uma Lei Geral das Agências Reguladoras, a proposta fixa novos parâmetros a serem observados pela lei ordinária, como a determinação de que essas autarquias especiais gozarão de liberdade decisória, administrativa e financeira. Esse é um dos pontos de maior controvérsia do Projeto de Lei n. 3.337/2004, que é acusado de retirar autonomia das agências reguladoras e, dessa forma, deixar marcos regulatórios essenciais à estabilidade do mercado vulneráveis a decisões de governo, fator considerado negativo por especialistas no assunto.

            A PEC determina ainda que a regulamentação do assunto será feita mediante lei complementar em vez de lei ordinária. Caso a proposta seja incluída no texto constitucional, a tramitação do projeto do governo, em exame na Câmara, teria que ser iniciada novamente.

            Para se tornar emenda constitucional, a proposta que especifica os princípios das agências reguladoras precisa ser aprovada em primeiro e segundo turnos nas duas casas do Congresso Nacional. A matéria já está no Plenário do Senado, onde o senador Ney Suassuna do PMDB/PB incluiu novos dispositivos que ainda serão analisados na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CJC. Depois a proposta será submetida à votação em primeiro turno.

            Para garantir que as agências não se desviem de suas finalidades como entidades estatais, a PEC prevê, ainda, que a imparcialidade, transparência e publicidade devem nortear suas ações.

            A estabilidade do mercado é outra preocupação da proposta. Para isso, a PEC determina que as agências devem exercer mínima intervenção na atividade empresarial e a promoção da livre iniciativa. A previsibilidade dos marcos regulatórios para os setores da economia e a observância aos contratos também estão contempladas na proposição.

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Conclusão

            Evidentemente, o tema apresenta outras facetas que não foi possível estudar aqui. Ao reunir a opinião de vários autores renomados e estudiosos da matéria, tencionou-se contribuir para o desenvolvimento dos debates em torno do assunto. Não houve, em hipótese alguma, a preocupação em se esgotar a matéria, cingindo-se a buscar certa sistematização sem eliminar eventuais divergências de opiniões sobre problemas específicos.

            Nesse sentido, procurou-se analisar dogmática e criticamente a regulação e a agência reguladora, sob a luz do ordenamento jurídico brasileiro e estrangeiro.

            Para o desenvolvimento do presente trabalho, partiu-se do objetivo inicial de se enquadrar o tema dentro da reforma estrutural estatal, causa de todas as inovações no âmbito da administração pública.

            Posteriormente, passou-se a tecer considerações a respeito da difícil tarefa de definir juridicamente a regulação, cujo conceito é fundamental para a delimitação da competência dos órgãos e entidades públicas que exercem essa função. Não se trata, como demonstrado, de preocupação meramente acadêmica.

            Noutro momento, traçou-se a origem das agências administrativas dentro do direito norte-americano, modelo não apenas para a reforma brasileira, como para a de vários outros países embasados, anteriormente, numa maior presença do Estado na economia. Apontou-se, ainda, para as suas principais características como entidade de natureza autárquica.

            Em derradeiro, analisou-se a proposta governamental concretizada no Projeto de Lei n. 3.337/2004, em tramitação na Câmara e a Proposta de Emenda à Constituição n. 81/2003 do senador Tasso Jereissati do PSDB/CE, apresentando-se suas vantagens e desvantagens.

            O fim desse conjunto de medidas deve ser propiciar a tão desejada estabilidade jurídica vindo, assim, ao encontro das necessidades brasileiras de atrair e manter o capital produtivo, garantindo a expansão dos investimentos de longo prazo na infra-estrutura e nos serviços públicos essenciais, assim como o incremento do emprego e da renda.


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            ______. Exposição de motivos do Projeto de Lei n. 3.337/2004, que dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das agências reguladoras, acresce e altera dispositivos das Leis n. 9.472, de 16 de julho de 1997, n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, n. 9.961, de 28 de janeiro de 2000, n. 9.984, de 17 de julho de 2000, n. 9.986, de 18 de julho de 2000, e n. 10.233, de 5 de junho de 2001, da MP n. 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 8 out. 2004.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Gumieri Valério

advogado, professor da FEA-USP/RP, mestre em Direito pela Unesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Ainda sobre regulação e agência reguladora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 787, 29 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7190. Acesso em: 28 dez. 2024.

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