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Crimes militares:

conceito e jurisdição

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27/08/2005 às 00:00
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Considerações finais.

            Procuramos pôr o leitor em sintonia com um ramo do direito pouco estudado, mas em perfeita vigência e aplicabilidade prática, com o objetivo de reduzir o elevado grau de desconhecimento e, assim, despertar nos operadores do direito e, em especial nos acadêmicos, a curiosidade e desejo de se iniciarem nesta seara. Ao mesmo tempo, esperamos que, esclarecendo o conceito de crime militar, o campo de atribuições da polícia judiciária militar e do Ministério Público Militar, bem como da competência da Justiça Militar, possamos minimizar os casos de conflito, especialmente de atribuições, estabelecidos entre autoridades de polícia judiciária comum e militar.

            No que toca a estes últimos, temos que, sob pena de inconcebível omissão, lembrar que a Constituição Federal grava em seu artigo 144, § 4º, competir às polícias civis a apuração das infrações penais, exceto as militares, bem por esta razão, o assunto foi disciplinado, no Estado de São Paulo, ainda que sem a merecida abordagem jurídica em razoável profundidade, pela Portaria DGP-20, de 08 de setembro de 1992, editada pelo Delegado Geral de Polícia, e Portaria CORREGPM-1/130, da mesma data, subscrita pelo Comandante Geral da Polícia Militar, que, respectivamente ditam:

            Portaria DGP-20 – Art. 1º - [...] II – Na Delegacia de Polícia: a) se a ocorrência tratar da prática de infração de natureza não militar, deverá ser determinado pela Autoridade Policial o competente registro do fato, seguido das medidas atinentes à Polícia Judiciária, observadas as normas processuais vigentes; b) havendo divergência quanto à natureza da ocorrência, deve a Autoridade Policial que tiver competência para decidir sobre a mesma, ajuizar da conveniência da instauração de procedimento de Polícia Judiciária, ainda que de forma concomitante com medidas afins que venham a ser adotadas na área da Polícia Judiciária Militar;

            Portaria CORREGPM-1/130 – [...] Art. 2º - Nas ocorrências de crime militar, praticado por policial militar, em serviço ou em razão da função, as partes serão apresentadas à autoridade policial militar competente, que tomará as medidas de polícia judiciária militar cabíveis, em autos próprios, observadas as normas legais. [...] Art. 4º - Nas ocorrências em que haja conexão de crimes, comum e militar, o Oficial conduzirá todas as partes ao Distrito Policial, para a realização conjunta dos registros de polícia judiciária, de acordo com as atribuições legais respectivas.

            Certo é que o inquérito policial, ou mesmo o inquérito policial militar, é peça dispensável à propositura da ação penal e meramente informativa, como assegura a doutrina baseada na lei. A concomitância de dois indiciamentos sobre um mesmo indivíduo (em IP e IPM), salvo no caso de crimes conexos ou de concurso de infrações, não nos parece da melhor exegese jurídica, mormente se analisada sob o prisma de garantia dos direitos fundamentais.

            Ora, salvo nas hipóteses excepcionadas, ou o crime é comum ou é militar, e assim competente a polícia judiciária comum ou militar e a justiça comum ou castrense [19]! Não se desconhece de igual forma que o indiciamento de um indivíduo ofende seu status libertatis bem como o status dignitatis sanável por via do remédio heróico [20] (Habeas Corpus).

            Na construção do Estado Democrático de Direito não há margem ao arbítrio, nem espaço para a ignorantia juris.


NOTAS

            01

ROTH, Ronaldo João. Temas de Direito Militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004, p. 95.

            02

Caserna: s. f. 1. Habitação de soldados, dentro de quartel ou praça. 2. Vila militar. (MICHAELIS. Dicionário prático da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1987).

            03

Artigo 3º - Hierarquia policial-militar é a ordenação progressiva da autoridade, em graus diferentes, da qual decorre a obediência, dentro da estrutura da Polícia Militar, culminando no Governador do Estado, Chefe Supremo da Polícia Militar. § 1º - A ordenação da autoridade se faz por postos e graduações, de acordo com o escalonamento hierárquico, a antigüidade e a precedência funcional. § 2º - Posto é o grau hierárquico dos oficiais, conferido por ato do Governador do Estado e confirmado em Carta Patente ou Folha de Apostila. § 3º - Graduação é o grau hierárquico das praças, conferida pelo Comandante Geral da Polícia Militar. (São Paulo: Lei Complementar nº 893, de 09 de março de 2001, que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar).

            04

Artigo 9º - A disciplina policial-militar é o exato cumprimento dos deveres, traduzindo-se na rigorosa observância e acatamento integral das leis, regulamentos, normas e ordens, por parte de todos e de cada integrante da Polícia Militar. § 1º - São manifestações essenciais da disciplina: 1 - a observância rigorosa das prescrições legais e regulamentares; 2 - a obediência às ordens legais dos superiores; 3 - o emprego de todas as energias em benefício do serviço; 4 - a correção de atitudes; 5 - as manifestações espontâneas de acatamento dos valores e deveres éticos; 6 - a colaboração espontânea na disciplina coletiva e na eficiência da Instituição. § 2º - A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos, permanentemente, pelos militares do Estado, tanto no serviço ativo, quanto na inatividade. (São Paulo: Lei Complementar nº 893, de 09 de março de 2001, que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar)

            05

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1978, v. 1, p. 105.

            06

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1980, 149.

            07

BETTIOL, Giuseppi. Direito penal: parte geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1970, v. 2, n. 9.

            08

ASUA, Jiménez de. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Losada, 1951, v. 3, p. 61.

            09

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 103.

            10

MAZAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. Tomo II. São Paulo: Max Limonad, 1960, p. 263.

            11

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2004, p. 137.

            12

CRFB, Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

            13

CPM, Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996) d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

            14

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: introdução e parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 293.

            15

NOGUEIRA, Octaviano. Constituições brasileiras: 1824. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 104.

            16

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TINÔCO, Antônio Luiz Ferreira. Codigo criminal do Imperio do Brazil annotado. Edição fac-sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 523.

            17

SOARES, Oscar de Macedo. Codigo penal da republica dos Estados Unidos do Brasil. Edição fac-sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004, p. 24.

            18

CALDAS, Marcos Rodrigues. Observações sobre: "um problema não resolvido". Revista Direito Militar. Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais. Agosto/Setembro 1996, nº 1. Disponível em: http://www.amajme-sc.com.br/revista1.htm. Acesso em: 22 ago. 2005

            19

STJ - SÚMULA Nº 90. Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele. Referência: Constituição Federal, art. 125, § 4º. Cód. de Pr. Penal, art. 79, I. CC 762-MG (3ª S 01.03.90 - DJ 19.03.90), CC1.077-SP (3ª S 07.06.90 - DJ 06.08.90), CC2.686-RS (3ª S 05.03.92 - DJ 16.03.92), CC 3.532-SP (3ª S 19.11.92 - DJ 08.03.93), CC 4.271-SP (3ª S 05.08.93) - DJ 06.09.93), Terceira Seção, em 21.10.93. DJ 26.10.93, p. 22.629. RSTJ 61, p. 101.

            20

HABEAS CORPUS – TACRIMSP – 15ª CÂMARA – PROC. Nº 392472/5 – RELATOR JUIZ CARLOS BIASOTTI – 04/10/2001. No mesmo sentido: RECURSO DE HABEAS CORPUS – TACRIMSP – 5ª CÂMARA – PROC. Nº 1188987/1 – RELATOR JUIZ PAULO VITOR – 27/01/2000 – RJTACRIM46/433. HABEAS CORPUS – TACRIMSP – 6ª CÂMARA – PROC. Nº 354788/7 – RELATOR JUIZ A.C. MATHIAS COLTRO – 05/01/2000. RECURSO DE HABEAS CORPUS – TACRIMSP – 15ª CÂMARA – PROC. Nº 1270389/8 – RELATOR JUIZ CARLOS BIASOTTI – 21/06/2001.
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Sobre o autor
Azor Lopes da Silva Júnior

Doutorando em Sociologia (UNESP), Mestre em Direito (UNIFRAN), Professor de Direito Penal e Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Azor Lopes. Crimes militares:: conceito e jurisdição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 785, 27 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7195. Acesso em: 19 abr. 2024.

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