A inconstitucionalidade do regime de separação obrigatória de bens para maiores de setenta anos

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08/02/2019 às 17:00

Resumo:


  • O ordenamento jurídico brasileiro evoluiu o conceito de família, associando-o à afeição, e facilitou a autonomia privada para estabelecer e dissolver o matrimônio.

  • A obrigatoriedade do regime de separação de bens para pessoas acima de 70 anos é questionada quanto à sua constitucionalidade, pois pode representar uma discriminação injustificada.

  • O regime de separação obrigatório de bens para idosos é considerado por muitos juristas e tribunais como incompatível com a dignidade da pessoa humana e os princípios de igualdade e liberdade previstos na Constituição.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CASAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

2.1. CONCEITO JURÍDICO DE CASAMENTO

Inicialmente é importante mencionar que, traçar um conceito sobre casamento é algo extremamente controverso, uma vez que não há conceito legal sobre o tema, deixando a cargo da doutrina tal incumbência, onde não raro há divergências.

O Código Civil ao regular o Direito de Família, inicia-se tratando do Casamento, o qual apesar de ter disciplinado mais de cem artigos, ainda assim não trouxe um conceito normativo sobre o tema[5]. DIAS, ao tratar sobre o assunto informa que o conceito de família trazido pela Lei Maria da Penha em seu artigo 5º, III, “relação íntima de afeto”, é o que melhor se adequaria a situação.

O conceito trazido por DIAS demonstra a evolução da definição de família e casamento enfrentado pelo Brasil nos últimos anos, onde os Doutrinadores Contemporâneos não mais inserem em seus conceitos a distinção de gênero.

TARTUCE[6] compactua deste novo conceito de casamento, onde informa que:

Nota-se que, pela conceituação clássica, seguida em edições anteriores desta obra, o casamento exigiria diversidade de sexos. Todavia, desde 2011, com a decisão do STF sobre união homoafetiva, reconhece-se, no Brasil, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou casamento homoafetivo. Nessa linha, posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça, ao final daquele mesmo ano, conforme acórdão assim publicado no seu Informativo n. 486:

Ademais quanto à natureza jurídica do casamento, existem três teorias que tentam justificá-las, onde TARTUCE[7] informa serem:

a) Teoria institucionalista: para essa corrente, o casamento é uma instituição social. Essa concepção é defendida por Maria Helena Diniz, pois a ideia de matrimônio é oposta à de contrato (Curso…, 2005, p. 44). Haveria aqui uma forte carga moral e religiosa, que vem sendo superada pela doutrina e pela jurisprudência.

b) Teoria contratualista: o casamento constitui um contrato de natureza especial, e com regras próprias de formação. Parecec) nos que a essa corrente está filiado Silvio Rodrigues, que assim define o instituto: “Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem a mútua assistência” (Direito civil…, 2002, p. 19). É pertinente apontar que essa corrente é adotada pelo Código Civil português, que em seu art. 1.577.º traz a seguinte previsão: “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”.

c) Teoria mista ou eclética: segundo essa corrente, o casamento é uma instituição quanto ao conteúdo e um contrato especial quanto à formação, corrente esta que é defendida por Eduardo de Oliveira Leite (Direito civil…, 2005, p. 50), Guilherme Calmon Nogueira da Gama (Direito…, 2008, p. 10-11), Roberto Senise Lisboa (Manual…, 2004, v. 5, p. 82), Flávio Augusto Monteiro de Barros (Manual…, 2005, p. 25), entre outros autores.

Pela teoria mista, o casamento é observado como um negócio jurídico especial, regulado pelo direito de família, onde em sua formalização é um contrato especial e no conteúdo uma instituição.

Destarte, o casamento pode ser considerado uma relação íntima de afeto formalizado através de contrato especial do direito de família, o qual visa instituir uma sociedade conjugal entre os nubentes e regular a disposição patrimonial perante terceiros.

2.2. DA CAPACIDADE PARA O CASAMENTO

A capacidade para o casamento não se confunde com a capacidade civil plena, onde esta se inicia, em regra, com a maioridade civil aos dezoito anos, ao passo que aquela se inicia com a idade núbil, onde segundo o Código Civil, em seu artigo 1.517, é atingida, para o homem ou mulher, aos dezesseis anos.

É possível verificar que o atual Código Civil deu primazia à igualdade dos nubentes ao prever idade comum de dezesseis anos ao homem e à mulher para habilitação para o casamento, necessitando apenas, neste caso, de autorização, mediante instrumento público, dos pais ou de seus representantes legais, a não ser que já se encontrem emancipados.

É importante destacar que o regime de bens para os menores de 18 anos que necessitarem de suprimento judicial para o casamento, no caso, por exemplo, de um dos genitores não concordar com a união, será o da separação obrigatória de bens, conforme preceitua o artigo 1.641, inciso III. DIAS[8], informa que tal imposição é totalmente desarrazoada:

Dos 16 até os 18 anos as pessoas são relativamente incapazes (CC 4.º) e precisam ser assistidas para os atos da vida civil. Até completarem a maioridade civil, é necessária autorização dos pais para casar (CC 1.634 III). Como é indispensável a concordância de ambos os genitores, se u m não anuir, é possível o suprimento judicial do consentimento (CC 1.517 parágrafo único, 1.519 e 1.631 parágrafo único).

Celebrado o casamento mediante autorização judicial, de modo absolutamente desarrazoado impõe a lei o regime da separação legal de bens (CC 1.641 III). Ora, se houve o suprimento do consentimento, é porque a negativa de autorização foi reconhecida como injustificável. Assim, não cabe penalizar os noivos pela resistência indevida de seus representantes.

Apesar de o código expressamente informar que a idade núbil para o casamento se dará aos 16 anos, existe uma exceção, prevista no artigo 1.520, o qual ainda muito se discute, o qual prescreve:

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

Inicialmente, é importante destacar que o artigo em questão guarda bastante divergência na Doutrina, na Jurisprudência e no Legislativo.

Alguns doutrinadores, a exemplo de DIAS[9] e TARTUCE[10], vêm deliberando que após o advento da Lei Maria da Penha, que revogou as causas extintivas de punibilidade pelo casamento, e da Lei n. 12.015 de 2009, que criou o tipo penal do Estupro de Vulnerável, tal exceção do Código Civil estaria parcialmente revogado. Outros autores, a exemplo de FILHO e GAGLIANO[11], defende que o dispositivo deve ser observado de forma cuidadosa, pois “especificidades do caso concreto poderão determinar solução diversa”.

Outra novidade importante sobre a capacidade para o casamento é que, com o advento do Estatuto das pessoas com deficiência, a deficiência não mais afetará a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para o casamento e a união estável (art. 6º, inciso I, da Lei n. 13.146 de 2015).

Ademais, após completar a maioridade civil, não havendo causas impeditivas ou suspensivas, não há óbices para a habilitação do matrimônio, desta forma, é possível verificar que os maiores de setenta anos possuem plena capacidade civil e para o casamento, uma vez que o Código Civil não faz tal ressalva.

2.3. CAUSAS SUSPENSIVAS E IMPEDITIVAS

O Código Civil de 2002 tratou em seu artigo 1.521 e 1.523 das causas impeditivas e suspensivas matrimoniais, respectivamente.

Os impedimentos são tidos como causas de maior gravidade, ou seja, de ordem pública, onde tem suas hipóteses são taxativamente dispostas no artigo 1.521 do Código Civil, que informa:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Conforme preceitua o artigo 1.548, inciso II, do Código Civil, as hipóteses apontadas são causas de nulidade absoluta do casamento.

Quanto aos motivos de suspensão do casamento, estes estão previsto no artigo 1.523, onde elencam as seguintes causas:

Art. 1.523. Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

Estas são causas de menor gravidade, onde são geralmente elencadas para que não haja confusão patrimonial após a celebração, sendo clara hipótese de ordem privada[12].

Pelo claro interesse particular inerente às causas suspensivas, estas somente poderão ser opostas pelos parentes em linha reta e colateral até o 2º grau, não podendo ser oposto de ofício.


3. DOS REGIMES DE BENS PREVISTOS NO CÓDIGO CIVIL

3.1. CONCEITO E PRINCÍPIOS NORTEADORES SOBRE REGIME DE BENS

O casamento, por se tratar de um contrato especial do Direito de Família, traz diversos efeitos de cunho pessoal e afetivo, como as relações de parentesco, o poder familiar, os deveres de alimentos, dentre outros. Entretanto, também gera efeitos de cunho patrimonial e econômicos entre os cônjuges, relacionando-se, dentre outros, o regime de bens.

Desta forma, para o estudo proposto por este trabalho, faz-se importante conceituar o instituto do regime de bens, onde segundo GONÇAVELS[13]:

Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.

STOLZE[14] afirma que “por regime de bens, entenda-se o conjunto de normas que disciplina a relação jurídico-patrimonial entre os cônjuges, ou, simplesmente, o estatuto patrimonial do casamento.”.

Diante disto, verificamos que o regime de bens são normas patrimoniais, escolhidas, em regra, previamente pelos cônjuges, que visam regular a administração, disponibilização e sucessão do patrimônio do casal.

DIAS[15], ao comentar sobre o assunto, informa que:

O regime de bens é uma das consequências jurídicas do casamento. Ou seja, não existe casamento sem regime d e bens. É indispensável alguma espécie de regramento de ordem patrimonial.

Também se pode dizer indispensável o regime de bens para a própria união estável e outras formas de uniões, vistas anteriormente.

Destarte, é possível extrair deste conceito alguns princípios inerentes ao regime de bens, onde, segundo TARTUCE[16], estes são os principais:

  1. Princípio da autonomia privada. Trata-se do direito dos cônjuges de regulamentar as questões patrimoniais, retirado do art. 1.639, caput, do CC, in verbis: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. O exercício da autonomia privada se dá pelo pacto antenupcial, em regra, que não pode contrariar os preceitos de ordem pública. Sendo assim, podem os cônjuges escolher outro regime que não seja o regime legal (comunhão parcial de bens); fazendo opção pela comunhão universal, pela participação final nos aquestos ou pela separação de bens. É possível, ainda, a criação de um regime misto, combinando as regras dos regimes previstos em lei. Nesse sentido, o Enunciado n. 331 do CJF/STJ, da IV Jornada de Direito Civil: “O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial”. Destaque-se que o regime misto tem sido a opção de muitos casais na atualidade, principalmente compostos por profissionais liberais que efetivamente trabalham fora de casa, e que pretendem afastar uma indesejada comunhão de todos os bens havidos durante a união. Ilustrando, é possível convencionar uma comunhão parcial de bens em relação a imóveis e uma separação de bens quanto aos móveis (caso do dinheiro). Em acréscimo a tal convenção, é possível acertar que somente haverá comunicação de valores que forem depositados em determinada conta bancária conjunta do casal.
  2. Princípio da indivisibilidade do regime de bens. Apesar de ser possível juridicamente a criação de outros regimes que não estejam previstos em lei, não é lícito fracionar os regimes em relação aos cônjuges. Em outras palavras, o regime é único para ambos os consortes, diante da isonomia constitucional entre marido e mulher.
  3. Princípio da variedade de regime de bens. O CC/2002 consagra quatro possibilidades de regimes de bens aos nubentes. No silêncio das partes, prevalecerá o regime da comunhão parcial, que é o regime legal ou supletório (art. 1.640, caput, do CC). O regime de bens adotado começa a vigorar desde a data do casamento (art. 1.639, § 1.º, do CC).
  4. Princípio da mutabilidade justificada. Ao contrário da codificação anterior, o art. 1.639, § 2.º, do CC/2002, possibilita a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial, em pedido motivado de ambos os nubentes, apurada a procedência das razões invocadas e desde que ressalvados os direitos de terceiros.

O princípio da autonomia privada, conforme exposto pelo doutrinador, trata-se de um direito personalíssimo dos nubentes, onde se pode inclusive fundir ou criar outros tipos de regimes não previstos na Lei civil.

Quanto ao princípio, é uma forma de garantia e limite contra o princípio da autonomia privada, devendo os cônjuges ao criar outras formas de regimes, estipular que este será comum à ambos.

Os outros princípios (da variedade e da mutabilidade) trazem a ideia de que ao contrário do antigo código civil, os nubentes tem livre escolha do regime de bens que melhor se adéqua a sua realidade.

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O Código Civil traz em seu texto quatro possibilidades de regimes de bens (sem prejuízo do princípio da mutabilidade), quais sejam o da comunhão parcial de bens; o da comunhão universal de bens; o da participação final nos aquestos; e o da separação total de bens.

3.2. DO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

O regime de comunhão parcial de bens é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, na omissão dos cônjuges será este o regime de bens adotado pelos nubentes, conforme preceitua o artigo 1.640 do Código Civil.

TARTUCE[17] conceitua este tipo de regime como sendo “regime legal ou supletório, que valerá e terá eficácia para o casamento se silentes os cônjuges ou se nulo ou mesmo ineficaz o pacto antenupcial”.

Neste tipo de regime, se comunicam os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, excetos os bens elencados no art. 1.659 do Código Civil, os quais são considerados incomunicáveis.

O Código Civil estabelece que sejam incomunicáveis os bens:

I – Que cada cônjuge já possuía ao casar e aqueles havidos por doação ou sucessão, bem como os sub-rogados no seu lugar;

II - Os adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - As obrigações anteriores ao casamento, caso das dívidas pessoais que cada cônjuge já possuía ao casar;

IV - As obrigações decorrentes de ato ilícito, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Destas hipóteses, há divergência doutrinária[18] sobre o inciso VI, do art. 1.659, visto que, afirmam alguns autores que, ao retirar o salário do rol de bens comunicáveis, acaba-se por retirar o próprio propósito do regime de comunhão parcial de bens, uma vez que, os bens sub-rogados dos proventos do trabalho de cada cônjuge acabaria se enquadrando perfeitamente no inciso II do mesmo artigo. Diante disto, muitos doutrinadores e juristas são adeptos da exclusão do referido inciso.

Ainda sobre o regime de comunhão parcial de bens, o artigo 1.660 do Código Civil, informa que são bens considerados aquestos, os seguintes:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Como se pode verificar, o inciso I do artigo 1.660, está em conflito com o supracitado inciso VI do artigo 1.659, ambos do Código Civil. TARTUCE[19] informa que, pelo o que dispõe no diploma, se, por exemplo, um imóvel é adquirido em nome de apensa um dos cônjuges durante o casamento, deverá ser dividido igualmente entre ambos, independente do valor contribuído por cada nubente.

3.3. DO REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

Até o advento da Lei do Divórcio, a Lei n. 6.515 de 1977, o regime de comunhão universal de bens era o regime legal no ordenamento jurídico brasileiro, onde, conforme dispunha no art. 258 do Código Civil de 1916, em seu texto original, que:

Art. 258. Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens, entre os cônjuges, o regime da comunhão universal.

Por este motivo, não raro é encontramos casais que são regidos por este regime de bens, notadamente os das gerações anteriores.

A partir de 1977, passou-se a adotar o regime de comunhão parcial de bens como regra, sendo adotada a universal apenas com expressa manifestação de vontade dos cônjuges, mediante previsão de pacto antenupcial, o que continuou a vigorar com no Novo Código Civil.

Neste tipo de regime, há a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, conforme preceitua o artigo 1.667 do Código Civil de 2002.

Entretanto, o Código Civil traz em seu artigo 1.668 algumas situações em que, mesmo o regime sendo de comunhão universal de bens, o patrimônio dos cônjuges não irão se comunicar, quais sejam:

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Com a dissolução da sociedade conjugal, e havendo a divisão dos ativos e passivos entre os cônjuges, cessa-se a responsabilidade de cada um para com os credores do outro, conforme preceitua o artigo 1.671 do Código Civil.

3.4. DO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

Trata-se de um regime novo, o qual não havia previsão no Código Civil de 1.916, onde afirmam juristas que veio para substituir o regime dotal. Muitos doutrinadores entendem ser um regime próprio para empresários, onde os cônjuges podem administrar livremente o patrimônio, tendo que se verificarem os aquestos ao final da sociedade conjugal.

Ainda há divergência quanto a origem deste regime, BRANDÃO apud TARTUCE informa que[20]:

[...]

para alguns, é húngara; para outros, alemã. Clóvis do Couto e Silva afirma que sua origem remonta ao direito franco e já podia encontrá-lo sob a denominação de conlaboratio

O Código Civil ao disciplinar sobre o regime de participação final dos aquestos informa que:

Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

Art. 1.673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento.

Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis.

Como se pode observar da leitura do diploma normativo, neste regime os cônjuges tem liberdade em dispor o próprio patrimônio, ocorrendo uma eventual dissolução conjugal, será cabido a cada um dos consortes a participação nos aquestos. TARTUCE[21] ao comentar sobre este regime de bens, informa que:

Basicamente, durante o casamento há uma separação total de bens, e no caso de dissolução do casamento e da sociedade conjugal, algo próximo de uma comunhão parcial. Cada cônjuge terá direito a uma participação daqueles bens para os quais colaborou para a aquisição, devendo provar o esforço para tanto.

Nesta espécie de regime de bens, não há preocupação quanto ao bens antes e após o casamento, uma vez que durante a sociedade conjugal os bens do cônjuges são independentes, e somente após a dissolução do casamento é que se irá analisar o que se comunicará. Em outras palavras, interessa ao regime o momento da dissolução, quando confrontado com a união em si[22].

Com a dissolução da sociedade conjugal, o artigo 1.674 informa que:

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:

I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;

II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;

III - as dívidas relativas a esses bens.

Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.

Alguns autores defendem que neste regime, os cônjuges transformam-se, em realidade, em sócios de ganhos futuros reais ou contábeis, o que acaba potencializando os litígios em contrapartida da dissolução consensual. Desta forma defendem que esta espécie de regime fosse retirado do ordenamento jurídico brasileiro[23].

Em verdade, o regime de participação final dos aquestos ainda traz muitas confusões, até mesmo no meio acadêmico, pelo fato de ter regras bastante complexas, o que serve de claro desestímulo ao seu uso na prática.

3.5. DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS

O regime de separação de bens, no ordenamento jurídico brasileiro, é gênero, do qual existem duas espécies, quais sejam o regime de separação consensual de bens e o regime de separação obrigatória ou legal de bens.

Cuidaremos neste tópico de conceituar o regime de separação consensual de bens, deixando para capítulo próprio o estudo do regime de separação legal ou obrigatório.

Ao disciplinar o regime de separação de bens, o Código Civil dispôs de apenas dois artigos, onde informa que:

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.

Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

Como se verifica, nesta espécie de regime de bens, o casamento não repercute na esfera patrimonial dos cônjuges, podendo cada um livremente alienar e gravar ônus real os seus bens[24]. Porem, apesar de o patrimônio não se comunicar, ambos os cônjuges devem contribuir com as despesas do casal, na proporção dos rendimentos, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

Vale ressaltar que, mesmo havendo regra clara em contrário no pacto antenupcial, este não pode trazer situação de enorme desproporção, no sentido de que o cônjuge em pior condição financeira terá que arcar com todas as despesas da união, podendo ser alvo de nulidade tal cláusula da convenção antenupcial, conforme preceitua o art. 1.655 do Código Civil[25].

A doutrina ainda debate bastante sobre os efeitos sucessórios inerentes ao regime de separação obrigatório, onde DIAS[26] informa ainda sobre o regime que:

Os maiores questionamentos sobre o regime da separação de bens situam-se no âmbito do direito sucessório. O consorte sobrevivente pode ser inventariante quando do falecimento do outro (CPC 990 I). Como o cônjuge é herdeiro necessário (CC 1.845), faz jus à herança mesmo que tenha sido eleito o regime da separação de bens. Assim, na ausência de descendentes e ascendentes, o viúvo torna-se herdeiro. A mesma surpresa existe no que diz com o direito de concorrência. Como só é excluído no regime da separação obrigatória de bens, quando tal regime foi eleito por convenção o sobrevivente faz jus à fração do acervo sucessório (CC 1.829, l).

Desta forma, como se pode verificar, mesmo o regime sendo o de separação obrigatório, não ocorrendo a dissolução da sociedade conjugal, o cônjuge sobrevivente faz jus a sua quota parte, por ser herdeiro necessário.

Sobre o autor
Luciano Garcia Santos

Pós graduado em Direito Público pela Faculdade UnYLeYa

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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