7.DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO CIVIL EX DELICTO
O Código de Processo Penal, em seu artigo 68, dispõe que "quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público".
Temos, portanto, a previsão da intervenção do Ministério Público na ação civil ex delicto como substituto processual da vítima ou de seus herdeiros.
Note-se, porém, que a lei impõe os requisitos de ser o titular do direito à reparação civil pobre e haver o requerimento deste para que o Ministério Público possa atuar.
O artigo ainda prevê que o Ministério público poderá atuar em qualquer hipótese de ação civil ex delicto, seja em execução de sentença condenatória, seja em ação reparatória em processo de conhecimento.
Podemos destacar duas possibilidades de o Ministério Público intervir na ação civil reparatória, na qualidade de substituto processual: na execução da sentença condenatória e na propositura da ação civil em sede de processo de conhecimento.
Assim como no caso de a parte propor a ação civil ex delicto para obter a sentença condenatória em sede de juízo civil, o Ministério Público não precisará da certeza de que o crime ocorreu, bastando a ocorrência do crime em tese, pois, conforme vimos, a vítima pode propor a ação civil independentemente da ação penal.
Sendo o representante do Ministério Público substituto processual do titular do direito à reparação, pode este propor a ação nos mesmos moldes que o titular o faria.
O intuito da lei é garantir que a reparação civil pelo delito seja efetivada, ainda que o titular do direito à reparação não tenha condições de dar andamento na ação civil.
Muitos doutrinadores discordam da legitimidade do Ministério Público como substituto processual em ação civil reparatória, alegando ter o artigo 68 do Código de Processo Penal sido revogado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Entretanto, entendemos que a própria Constituição Federal, ao dispor a respeito das atribuições do Ministério Público, em seu artigo 129, IX 32, combinado com o artigo 197 33, se harmoniza com o artigo 68 do Código de Processo Penal.
Além disso, "trata-se de medida de grande relevância diante da importância da reparação para a ordem jurídica, proporcionando-se meios a que não se frustre o ressarcimento devido à vítima ou sucessores". 34
Neste sentido, a jurisprudência tem se manifestado positivamente.
AÇÃO DE REPARAÇÃO EX DELICTO. APELAÇÃO CÍVEL. ILEGITIMIDADE DEPARTE ATIVA. INOCORRÊNCIA. 01 - O Ministério Público tem legitimação extraordinária para propor ação de reparação de dano ex delicto na qualidade de substituto processual agindo em casos tais, em nome próprio, por interesse alheio, à pretensão dos beneficiários pobres, da vítima do ato ilícito, sendo tal condição resultante da expressa previsão de ordem legal na matéria, inteligência do art. 68 c/c o art. 64 do CPC. Apelo conhecido e provido. 35
Outra divergência encontrada na doutrina é em relação a atuação do Ministério Público como custus legis em ação civil ex delicto. Podemos destacar três possibilidades. 36
A primeira delas diz respeito à manifestação do Ministério Público nos autos de ação civil reparatória proposta diretamente pelo titular do direito à reparação. Aqui, temos a seguinte questão: se o titular do direito não é pobre e constituiu advogada, não há que se falar em manifestação do Ministério Público como fiscal da lei, posto não haver interesse de pessoa pobre, pressuposto para a atuação do parquet.
Porém, se o titular do direito é representado por advogado dativo, a manifestação do Ministério Público será obrigatória, segundo a melhor doutrina.
Outra possibilidade diz respeito à manifestação do Ministério Público em casos que, de um lado, temos uma vítima pobre representada por um membro do Ministério Público, e de outro temos um incapaz, o qual, segundo a lei, o Ministério Público tem o dever de atuar em qualquer processo em que haja interesses deste em jogo.
Entendemos que, neste caso, cabe a outro representante do Ministério Público cuidar dos interesses do incapaz, posto que haverá uma incompatibilidade caso seja o mesmo representante da instituição a acompanhar processo em ambos os pólos.
Por último, temos a hipótese mais polêmica, que é aquela em que o Ministério Público propõe ação civil ex delicto como substituto processual contra a Fazenda Pública.
Aqui também vislumbramos a necessidade de outro representante da instituição atuar como custus legis do patrimônio público, pelos mesmos motivos aventados na hipótese anterior.
Assim, podemos resumir a intervenção do Ministério Público nas ações civis ex delicto como sendo de duas formas: como custus legis, em alguns casos obrigatória, ou como substituto processual, quando o titular do direito à reparação for pobre a assim o requer.
CONCLUSÃO
Como vimos, a ação civil reparatória decorrente de ilícito penal tem suas origens remotas no Direito Romano, evoluindo até chegar à ação civil ex delicto que conhecemos hoje.
Há, segundo o sistema vigente hoje, dois tipos de ação civil reparatória de danos por ilícito penal: a ação civil ex delicto em sede de processo de conhecimento e a ação civil ex delicto em sede de processo de execução.
A primeira tem por fundamento um delito criminal, cuja materialidade e a autoria terão de ser provadas em processo de conhecimento, pois não guarda vínculo algum com a ação penal.
É obvio que a maioria dos delitos criminais geram efeitos civis, porém não são todos, sendo certo que apenas aqueles delitos que gerem tal repercussão serão passíveis de reparação civil.
A segunda decorre de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, posto que esta faz coisa julgada no âmbito civil, conforme visto.
Pelas pesquisas realizadas, concluímos que a ação civil ex delicto pode ser intentada em decorrência de dano ocasionado por ilícito penal, independentemente da ação penal ser ou não intentada, bem como de seu resultado.
Porém, a ação civil reparatória, decorrente de ilícito penal, pode ser suspensa pelo juiz cível, para evitar decisões divergentes. O prazo máximo de suspensão é de 1 (um) ano.
É parte legítima para intentar a ação civil ex delicto a vítima ou seu representante legal, bem como seus herdeiros. No pólo passivo da ação podem figurar tanto o autor do fato criminoso, ou seu representante legal, quanto os seus herdeiros, em que pese divergências apresentadas.
Quanto à participação do Ministério Público na ação civil ex delicto, concluímos que a Instituição participará de duas formas: como custus legis e como substituto processual, sendo certo não haver óbice à sua participação em nenhum dos casos, apesar das divergências doutrinárias trazidas à baila.
Por fim, concluímos ser a ação civil ex delicto um instrumento de grande valia, pois viabiliza a reparação do dano ocasionado por um ilícito penal não apenas no âmbito criminal, satisfazendo à sociedade e ao Estado, mas também a reparação no âmbito civil diretamente à vítima ou aos seus herdeiros, minimizando os prejuízos decorrentes de tal ilícito.
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NOTAS
01 Araken de Assis, Eficácia Civil da Sentença Penal, 2 ed., São Paulo: RT, p 32.
02 Araken de Assis, op cit, p 32
03 O brocardo trata-se de um princípio constitucional, inserido no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, o qual diz que "não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal"
04 A questão do dano moral apenas foi inserida no texto do novo Código Civil, porém a jurisprudência, a doutrina e a própria Constituição Federal consagravam a reparação pelo dano moral.
05 Rômulo Andrade Moreira, apud Giuseppe Bettiol, in Ação Civil Ex Delicto, disponível em: <jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=5068"> https://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=506 >8, acessado em 23/01/5.
06 Araken de Assis, Eficácia Civil da Sentença Penal. 1. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 19/20.
07 Artigo 91, inciso I, Código Penal.
08 A Lei de Tóxicos foi revogada em toda a sua parte processual e demais previsões, restando em vigor os crimes nela previstos.
09 Araken de Assis, op cit, p. 196
10 Araken de Assis, op cit, p. 53
11 Araken de Assis, op cit, p. 52
12 Ibidem, p. 55
13 Ibidem, p. 61
14 Na definição de Julio Fabrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado, 6 ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 128/129
15 Abolitio criminis é uma expressão do Latim, que significa "abolição do crime". O fenômeno jurídico ocorre quando uma lei posterior revoga crime previsto em lei anterior, ou seja, retira do ordenamento jurídico a previsão da conduta como sendo criminosa.
16 Trata-se de um direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal.
17 Araken de Assis, apud Heleno Cláudio Fragoso, in A Eficácia Civil da Sentença Penal. 2. ed. RT. São Paulo: 2000. p. 90
18 Araken de Assis, op cit, p. 93
19 Julio Fabrini Mirabete, in Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2001
20 Erro na execução.
21 Resultado diverso do pretendido.
22 Julio Fabrini Mirabete, op cit
23 Responsabilidade objetiva é aquela que independe de dolo ou culpa, bastando para ser caracterizada o nexo de causalidade entre o fato e o dano.
24 Julio Fabrini Mirabete, Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 158.
25 Araken de Assis, A Eficácia Civil da Sentença Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 64.
26 Juliana F. Pantaleão, in Ação Civil Ex Delicto. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a.3, nº 100. Disponível em <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=400 >. Acesso em 27/01/2005.
27 Juliana F. Pantaleão, in Ação Civil Ex Delicto. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a.3, nº 100. Disponível em <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=400 >. Acesso em 27/01/2005.
28 Ibidem
29 Vide artigo 366 do Código de Processo Penal, que diz a respeito da suspensão do processo penal, caso o réu seja citado por edital e não constitua advogado, autorizando apenas a produção das provas urgentes.
30 As denominações existentes variam de acordo com a fase processual em que ocorra a prescrição.
31 Conforme Julio Fabrini Mirabete. Código de Processo Penal Interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 132.
32 Constituição Federal: Artigo 129 - São funções institucionais do Ministério Público: IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
33 Constituição Federal: Artigo 197 - São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
34 Julio Fabrini Mirabete. Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 160.
35 TJGO, 1ª Câm. Civ.; Ap. Civ. Nº 46675-2/188 (9800425853, j. em 05/11/98, por unanimidade, Rel. Des. Matias W. de Oliveira Negry). No mesmo sentido, foi transcrito no voto do relator outro acórdão do TJGO, Rel. Des. Fenelon Teodoro Reis, DG 12.409, de 8/10/96, pág. 11.
36 Juliana F. Pantaleão, in Ação Civil Ex Delicto. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a.3, nº 100. Disponível em <a href="https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=400" >https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=400 >. Acesso em 27/01/2005.