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Anotações sobre a figura do verificador independente em PPPs

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V. Da relevância da objetividade dos indicadores de desempenho

Só se pode cogitar da atribuição de caráter vinculante à avaliação do verificador independente se os índices de desempenho previstos no contrato forem integralmente objetivos, ou seja, se a apuração for uma atividade exclusivamente técnica e não depender de juízos de valor por parte do avaliador.

A objetividade é, logicamente, uma característica natural dos bons sistemas de mensuração de desempenho; entretanto, justifica-se a ênfase dada a esta ressalva preliminar, pois, havendo qualquer grau de subjetividade na atividade de aferição, a Administração Pública não poderia delegá-la a um terceiro e cominar-lhe, paralelamente, o efeito de determinar valores de pagamento.

Ressalte-se, por absolutamente relevante, que não importa em subjetividade o tratamento a ser dado às vicissitudes encontradas no próprio processo de apuração de dados, cuja gestão, a nosso sentir, deve estar no escopo de atuação técnica do próprio verificador.

Observamos que, na maior parte dos contratos, não há uma previsão expressa acerca da possibilidade do verificador independente desconsiderar motivadamente itens da amostra. Além disso, mesmo em certos projetos em que se admite esta prática, se prevê um controle prévio e burocrático do Poder Público sobre a decisão do aferidor externo.

Assim, no projeto de concessão do serviço de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros do estado de Goiás, a minuta do contrato de concessão prevê que “acontecimentos decorrentes de casos fortuitos ou de força maior, que afetem o cálculo dos indicadores” sejam comunicados ao ente contratante, a fim de que este “decida se os dados devem ser aproveitados na avaliação de desempenho da concessionária”[16], enquanto que na última versão publicada do contrato de PPP de iluminação pública do município de São Paulo previa-se um prazo de 24 horas, após a apuração do índice, para o concessionário “apresentar pedido de desconsideração de pontos de iluminação pública da amostra”[17].

Esta forma de regular o tema parece reduzir, em algum grau, os benefícios percebidos com a atividade do verificador independente, que pode se tornar quase que um autômato, a depender da orientação e aprovação do ente público para tratar qualquer evento que fuja à rotina esperada (e o esperado, como se sabe, é haver eventos que fujam a rotina).

Cremos que a possibilidade de desconsiderar itens que maculem a amostra deve-se inserir na competência do responsável pela apuração dos dados, que terá como alicerce de sua decisão, nestes casos, as disposições do próprio contrato de concessão[18].

Diga-se, a propósito, que ainda que não se descreva pormenorizadamente, no sistema de mensuração de desempenho, as hipóteses de desconsideração de itens da amostra - o que seria realmente recomendável - o verificador independente terá, no exercício do seu mister, como se referir a outras disposições contratuais, notadamente à matriz de riscos, para fundamentar suas decisões acerca do conjunto amostral.  

Um exemplo talvez ajude a trazer concretude à discussão. Suponha-se que um trabalho específico do verificador independente consista em verificar a frequência de linha de ônibus no contexto de uma concessão de transporte público, e que, em determinado dia, se apure uma frequência irregular.

Neste caso, se puder ser demonstrado pelo concessionário, ou observado pelo próprio verificador, diante de fatos notórios, que a irregularidade do serviço decorreu de uma calamidade pública, prevista na matriz contratual como risco do Poder Público, não se justifica apenar o desempenho do parceiro privado naquela data, cabendo ao aferidor expurgar da amostra os efeitos da materialização deste risco.

Por outro lado, se a frequência anômala do serviço for o resultado de um evento cujo risco é alocado ao concessionário (p. ex., um defeito mecânico em veículos ou a ausência de funcionários), a falha deve ser considerada no cálculo do índice de desempenho, gerando todas as consequências contratualmente previstas.

Como se vê, convém que o verificador independente, no exercício de suas atividades, dialogue com as partes e, não extrapolando um espaço de objetividade, possa dar o tratamento adequado à amostra coletada. Sem uma autorização expressa neste sentido, porém, é bastante provável que o verificador tenda a não fazê-lo, em prejuízo da melhor eficiência contratual.


VI. Responsabilidade pela contratação

O serviço de verificação independente se insere claramente no contexto de fiscalização da atuação do concessionário, cumprindo a empresa contratada uma função que, de outra forma, seria, naturalmente, do Poder Concedente[19].

A despeito desta realidade, propõe-se, em algumas esferas, que a contratação desta empresa seja realizada pelo próprio concessionário, em face das dificuldades operacionais (e orçamentárias?) que o Poder Público enfrenta para ultimar qualquer contratação. Com a devida vênia, parece-nos solução de todo equivocada.

Com bem diagnosticado no Manual para a Estruturação de Verificadores Independentes, publicado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, a transferência da responsabilidade pela contratação do verificador independente ao parceiro privado, sob o pretexto de “maior flexibilidade desse agente em seus processos de aquisição”, acarreta inexoravelmente um conflito de interesses, “dado que o verificador independente avaliaria o desempenho de seu contratante e indicaria o valor que ele deveria receber”[20].

Frise-se, a propósito, que as tentativas de conter este conflito esbarram justamente na falta de flexibilidade do setor público que se procurou contornar no início: por mais árido que possa ser o processo licitatório, sua regulação extensiva traz alguma segurança ao gestor público, ao passo que a indicação de lista de potenciais prestadores ao concessionário ou a aprovação de um nome por ele selecionado, para citar algumas medidas comumente mencionadas de controle do Poder Público sobre a contratação privada do verificador independente, não encontram qualquer fundamento normativo, expondo o tomador de decisão a uma situação de vulnerabilidade, que, não raro, resulta em paralisia.

Adicionalmente, como o conflito de interesses gerado por esta alternativa não tende a passar despercebido por órgãos de controle, o risco associado a esta opção torna-se bastante elevado, razão pela qual se recomenda não subtrair, do Poder Público, a responsabilidade por esta contratação.

Dito isso, conforme exporemos a seguir, o processo de seleção do verificador independente deve respeitar certos parâmetros para assegurar a efetiva independência e imparcialidade do contratado, e algumas destas regras devem, inclusive, constar do contrato de concessão, de forma que, num primeiro momento, os licitantes e, posteriormente, o concessionário, desfrutem de segurança e previsibilidade em relação ao processo de mensuração de desempenho. 


VII. Aspectos relacionados ao processo de contratação

Estabelecida a competência do ente público para contratação do serviço de verificação independente, passamos a análise dos aspectos a serem observados nesta contratação. O objetivo que deve nortear todo o processo é assegurar a contratação de uma empresa com experiência reconhecida que, conforme destacado anteriormente, possa exercer suas funções sem pressões ou incentivos que comprometam sua imparcialidade.

As contratações do Poder Público para a prestação de serviços obedecem às normas da Lei nº 8.666/93, sendo, também, cada vez mais relevantes as disposições da Lei nº 10.520/02, que regula o pregão eletrônico.

De plano, não identificamos, a priori, o enquadramento do serviço em referência em qualquer hipótese de dispensa ou inexigibilidade de licitação[21], o que, na prática, se revela algo positivo, já que se deve afastar, ao máximo, qualquer resquício de pessoalidade na contratação do aferidor.

Sem entrar no debate acerca da modalidade de licitação a ser adotada, que, em parte, depende do valor da contratação, ousamos defender que o tipo licitatório mais adequado à contratação destes serviços é o de menor preço, muito embora afigure-se razoável admitir que a disposição do artigo 46 da Lei nº 8.666/93 permitiria a utilização de variáveis de “melhor técnica” ou “técnica e preço” nestes certames, como, aliás, adotado por alguns entes na contratação destes serviços.

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Esclareça-se que nossa justificativa para a proposição do critério de menor preço não se baseia numa suspeita (que seria temerária) acerca da pessoalidade ou parcialidade da escolha de contratados em processos que adotem critérios relacionados à técnica. Com efeito, nossa opinião se baseia simplesmente no fato de não enxergarmos uma diferenciação entre os métodos de aferição de índices que ampare uma seleção baseada em critério diferente do preço ofertado.

Assim afirmamos, pois, não seria razoável imaginar uma variação da nota de desempenho do parceiro privado na concessão que se funde na técnica do avaliador: há uma única nota correta a ser encontrada no processo de avaliação, cuja eventual não apuração decorrerá de equívocos no trabalho realizado, e não de variações técnicas legítimas no processo de aferição.

Não obstante, não se deve, por outro lado, outorgar ao concessionário a faculdade de não “aceitar” um verificador independente contratado de maneira que não lhe pareça adequada, ou seja, não deve estar fixado no contrato de concessão a modalidade ou o tipo licitatório a ser adotado na seleção do verificador independente: o processo de contratação pública é detalhadamente regido pela legislação e sujeita o gestor público a uma responsabilidade pessoal, incompatível com imposições resultantes de contratações prévias ou preferências de terceiros interessados.

Na verdade, o que se revela razoável exigir é que constem do contrato de concessão (obviamente desde a publicação da minuta anexa ao edital) os requisitos mínimos de habilitação técnica a serem exigidos na contratação do verificador independente.

Em relação ao prazo contratual, a experiência parece demonstrar que há uma curva de aprendizado do verificador independente no exercício de suas funções e, assumindo este serviço caráter contínuo, pode-se mostrar interessante uma contratação por prazo mais dilatado (superior a um exercício), conforme facultado pelo inciso II do artigo 57 da Lei nº 8.666/93.

Há, neste ponto, de se ter cuidado para não converter a possibilidade discricionária de prorrogação do contrato pela Administração em instrumento de pressão do Poder Público sobre os resultados do trabalho do aferidor contratado[22].

Finalmente, a remuneração do contratado não pode estar, por razões evidentes, atrelada ao atingimento de metas, em especial à geração de economia ao ente público no pagamento da contraprestação. Com efeito, não vislumbramos justificativa para a previsão de qualquer remuneração variável ao verificador independente; este deve receber pelos produtos e serviços prestados, cabendo ao Poder Público, previamente ao pagamento, apenas cotejar as entregas com as especificações previstas no contrato.


VIII. Relacionamento com as partes

O serviço de verificação independente deve se fundar sobre um rígido pilar de transparência: todas as suas ações devem estar registradas e, idealmente, serem divulgadas, não apenas para as partes contratuais, como para os usuários do serviço e demais interessados.

Ademais, se um motivo preponderante para a contratação reside na ausência de conhecimento específico no âmbito interno do Poder Público, é importante que, ao longo do contrato, haja, na medida do possível, uma transferência de conhecimento aos técnicos do ente público, para que estes adquiram um entendimento mais aprofundado acerca do contrato e da atuação do concessionário.

Um risco habitualmente identificado no relacionamento do aferidor externo com as partes refere-se à captura do verificador independente pelo concessionário[23]. Para mitigação do risco que decorra de um comportamento antiético do verificador independente, nada se pode sugerir a não ser uma vigilância permanente do Poder Público e a inclusão de penalidades severas no contrato celebrado entre as partes.

Por outro lado, em relação ao risco de captura resultante, não de qualquer ilegalidade, mas da incapacidade do verificador independente superar a compreensível assimetria de informações em seu desfavor, cremos que a medida de enfrentamento mais efetiva extrapola o processo de contratação do aferidor externo e passa pela inserção, no contrato de concessão, de maiores exigências técnicas em relação à gestão dos serviços pelo concessionário.

Afigura-se elementar constatar que a fiscalização de desempenho de uma concessão de iluminação pública que disponha de sistema de telegestão ou de uma concessão de transporte público em que todos os veículos disponham de GPS, para citar dois exemplos práticos, será muito mais simples e auditável.

Assim, convém que a estruturação do sistema de mensuração de desempenho e das demais obrigações contratuais do concessionário sejam realizadas tendo em vista a facilitação do processo de fiscalização, quer pelo Poder Público, quer por agente externo.

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Sobre o autor
Antônio Fernando da Fonseca Martins

Advogado do BNDES, MBA em Finanças pela Faculdade de Economia e Finanças IBMEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Antônio Fernando Fonseca. Anotações sobre a figura do verificador independente em PPPs. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5706, 14 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72029. Acesso em: 20 abr. 2024.

Mais informações

O artigo é de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. Agradeço as sugestões de Ricardo Tomaz Tannure.

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