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Anotações sobre a figura do verificador independente em PPPs

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IX. Escopo de atuação

Observamos que, recentemente, tem sido difundida a ideia de ampliar o escopo de atuação do verificador independente, que deixaria de operar exclusivamente na aferição dos índices de desempenho da concessão, para prestar assessoria em processos de reequilíbrio econômico-financeiro e mesmo desenvolver “estudos de viabilidade econômica – EVTE, de possíveis alterações na concessão”[24].

Se, de fato, a independência e imparcialidade deste ator forem fatores valorizados pelas partes, esta expansão de atividades não deve ser vista com tanto entusiasmo.

Assim se afirma, pois, na medida em que o verificador independente se afasta da execução de uma tarefa eminentemente técnica e balizada em regras concretas, para começar a “pensar” o contrato de concessão como um todo e realizar estudos sobre seu equilíbrio econômico-financeiro, a sua relação com as partes pode se alterar.

Neste sentido, suponha-se que o verificador atue na defesa de uma determinada posição contrária ao interesse de uma das partes num processo de reequilíbrio; não seria factível, então, cogitar que esta parte passasse a enxergar com desconfiança os resultados do trabalho do agente externo também na apuração dos índices de desempenho?

Ademais, conforme ressaltado anteriormente, mostra-se aconselhável eliminar qualquer incentivo remuneratório ao verificador independente que possa estimular uma ação pró-contratante no exercício de suas funções; ora, a possibilidade de ser designado para outros serviços no âmbito do próprio contrato de concessão pode muito bem ser interpretada como um incentivo deste gênero.

Por estas razões, embora a intervenção de agentes externos na mediação de conflitos entre as partes ou no fornecimento de subsídios técnicos em processos de reequilíbrio econômico-financeiro tenda a ser bastante positiva, temos dúvidas se estes papéis deveriam ser desempenhados pela mesma pessoa jurídica encarregada da função (mais perene) de aferição do desempenho do concessionário.


X. Consequências da não contratação

Regulada adequadamente a figura do verificador independente no contrato de concessão, com o  tratamento consentâneo dos efeitos de suas manifestações, das restrições quanto a sua forma de contratação e, enfim, com a devida atenção aos demais aspectos que expusemos resumidamente nos itens anteriores, há de se confrontar a hipótese prática do Poder Público, deliberadamente ou por inépcia, não contratar este serviço.

Por óbvio, se fosse dada ao Poder Concedente simplesmente a opção de não contratá-lo, tendo esta ação, por consequência exclusiva, a reversão da atribuição da atividade de mensuração de desempenho a este ente, claro está que toda a energia despendida no tratamento do tema na modelagem do projeto teria se revelado nada mais que um exercício de futilidade.

Se a contratação do verificador independente for uma obrigação do Poder Público, afigura-se elementar que o descumprimento deste dever gere consequências negativas ao transgressor, se não para reparar os prejuízos advindos desta inércia, ao menos para estimular a adoção da providência inicialmente acordada pelas partes.

Neste contexto, cogitamos quatro alternativas para remediar a não contratação do serviço de verificação independente nos prazos previstos: (i) a atribuição de nota máxima ao índice de desempenho do concessionário,  (ii) a penalização do ente concedente por meio de multa contratual, (iii) a transferência da competência de contratação do verificador independente para o parceiro privado ou (iv) a atribuição de efeitos executivos à mensuração de desempenho realizada pelo próprio concessionário.

Em nossa opinião, as três primeiras opções são inadequadas para o atingimento do fim almejado.

Em primeiro lugar, o acompanhamento do desempenho do parceiro privado revela-se elemento tão relevante no contrato de concessão, que não seria razoável prescindir desta avaliação, ainda que ausente do processo um aferidor independente. Embora o verificador independente, conforme postulado anteriormente, tenha muito a agregar - em termos técnicos e de isenção -, a avaliação de desempenho do concessionário transcende a figura deste agente externo.  

Noutro giro, não sendo possível quantificar o prejuízo que o parceiro privado terá em decorrência da não contratação da verificação independente (ou mesmo asseverar a existência de qualquer dano), a multa parece um expediente que dificilmente guardará proporcionalidade com a infração, além do que a complexidade peculiar ao processo de contratação pública torna factível a hipótese de que o não cumprimento da obrigação contratual ocorra a despeito dos melhores esforços do gestor público responsável.

Da mesma forma, a transferência da competência (ou obrigação) de contratação do verificador independente para o concessionário, além de embutir toda perplexidade inerente ao fato do parceiro privado contratar seu próprio “avaliador”, debatida em item precedente, cria a necessidade de uma regulação adicional sobre (i) o reembolso dos custos incorridos pelo parceiro privado com esta contratação e (ii) a temporalidade desta deslocação de competência, uma vez que não se mostra razoável que o Poder Público, em virtude de qualquer mínima inobservância de prazo, perca o direito à seleção do verificador independente pelo prazo restante da concessão.

Assim, a solução que nos parece mais apropriada consiste em prever contratualmente que, e somente enquanto o ente concedente não comprovar a contratação da verificação independente, a nota de desempenho mensurada pelo próprio concessionário seja utilizada para fins de definição do valor da contraprestação, respondendo o parceiro privado, evidentemente, nas esferas cível, administrativa e penal, por qualquer falsidade na declaração ou apuração do índice.


Ressalte-se que mesmo nos casos em que ausente a má-fé do concessionário, o Poder Concedente terá a possibilidade de questionar o índice de desempenho aferido; como frisamos algumas vezes, porém, é relevante também aqui que apenas não se atribua a esta contestação a prerrogativa de obstaculizar os pagamentos devidos, sob pena de não se criar os incentivos apropriados para contratação do verificador independente.  


XI.   Conclusão

A contratação do serviço de verificação independente não é capaz de solucionar problemas decorrentes de um sistema de mensuração de desempenho mal desenhado; em contrapartida, porém, a ausência de aferição técnica e imparcial da qualidade dos serviços concedidos pode limitar, sobremaneira, as potencialidades de um sistema de mensuração de desempenho bem estruturado.

Por esta razão, conforme buscamos demonstrar neste brevíssimo ensaio, faz-se conveniente não apenas buscar a contratação de um verificador independente com a qualificação necessária para realizar um bom trabalho, como também assegurar, na modelagem do projeto, que este ator seja inserido num contexto que maximize os benefícios de sua expertise e no qual quaisquer incentivos de parcialidade sejam eliminados.


Notas

[1] RIBEIRO, Maurício Portugal. Concessões e PPPs: melhores práticas em licitações e contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 69

[2] O verificador independente não é figura específica dos contratos de concessão; o termo é utilizado em diferentes contextos – obras, processos de licenciamento, etc. – para designar um auditor externo do cumprimento dos termos contratados.

[3] § 1o do artigo 6º da Lei nº 11.079/04: “O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato”.

[4] PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda. Verificação independente para concessões e PPPs. Disponível em: <https://www.pwc.com.br/pt/estudos/servicos/consultoria-negocios/2016/f214-concessoes-16.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2019.

[5] A contratação do verificador independente, portanto, não precisa se “pagar”. É interessante, contudo, que, assim como ocorre em qualquer contrato, o Poder Público busque simular os gastos que teria com a execução direta destas atividades vis-à-vis sua terceirização.

[6] VG&P, CBIC e SENAI. Concessões e Parcerias Público-Privadas: Guia para o gestor público.  Disponível em: <https://cbic.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Concessoes_e_Parcerias_Publico_Privado_2017.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2019.

[7] O risco político, naturalmente, pode impactar o contrato de muitas outras formas.

[8] Conforme explicitado por Rodrigo Castro, “nos casos em que a Administração não dispõe de mão de obra qualificada e experta em relação ao objeto do contrato fiscalizado, é necessário se realizar a contratação de terceiros para esse fim que, como regra, deverá ser licitada entre empresas do setor com competência específica para tal fiscalização”. CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. A Fiscalização pelo Poder Concedente dos contratos de PPPs e sua eficiência econômica: uma análise do Quadro de Indicadores de Desempenho (QID). In: DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael; AURÉLIO, Bruno; FREIRE, André Luiz (Coord.). Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 173.

[9] A autora citada salienta também a relevância do verificador independente como uma "saída para lidar com as duas principais problemáticas da relação agente-principal", que ela identifica como sendo a necessidade do "agente se comportar com o objetivo de maximizar o interesse do principal" e com "a existência de informação assimétrica, distanciando o principal do conhecimento de informações internas ao exercício do agente" REPOLÊS, Luiza Helena Galdino. Os contratos de parcerias público-privadas e os verificadores independentes: como mitigar a assimetria de informação do setor público? Disponível em: <http://banco.consad.org.br/bitstream/123456789 /1299/1/OS%20CONTRATOS%20DE%20PARCERIAS%20P%C3%9ABLICO.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2019.

[10] Há que se ressaltar, porém, que a inexistência de um agente financeiro independente responsável pela realização de pagamentos e gestão de garantias fragiliza o mecanismo, já que o Poder Concedente, ainda que arriscando alguma inadimplência no contrato, poderia mais facilmente se recusar a ultimar o pagamento nas bases determinadas pelo verificador independente.

[11] Evidentemente, situação diversa ocorre se as partes concordam com determinada nota de desempenho diferente da informada pelo verificador independente. Neste caso, a concordância das partes se sobrepõe ao parecer deste terceiro e o pagamento deve ser realizado conforme os valores que concessionário e ente concedente acordarem; saliente-se que o papel do verificador independente não é salvaguardar o contrato ou supervisionar as partes contratantes.

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[12] A afirmação deve ser interpretada no contexto formal das decisões contratuais; claro está que, mesmo que o verificador independente assuma um papel de assessor ou consultor, o concessionário tem interesse que o trabalho deste seja realizado de forma correta.

[13] CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. A Fiscalização pelo Poder Concedente dos contratos de PPPs e sua eficiência econômica: uma análise do Quadro de Indicadores de Desempenho (QID). In: DAL POZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael; AURÉLIO, Bruno; FREIRE, André Luiz (Coord.). Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 174.

[14] TCE/SC. Decisão singular no processo @LCC 17/00833224. Relator: Conselheiro Cleber Muniz Gavi. DOE nº 2398: 24/04/2018. Disponível em: < http://consulta.tce.sc.gov.br/Diario/dotc-e2018-04-24.pdf> Acesso em: 30 jan. 2019. Os dispositivos citados da Lei nº 4.320/64 dizem respeito à liquidação de despesa, como condição essencial ao pagamento.

[15] Referimo-nos a hipótese de se prever no contrato a interveniência de uma instituição financeira depositária de recursos do ente concedente que fique encarregada do pagamento das contraprestações.

[16] Anexo IX – Avaliação de Desempenho. Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos. Disponível em: <http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2013-05/anexo-xi---avaliacao-de-desempenho-2cons..pdf > Acesso em: 07 nov. 2018.

[17] Anexo V – Do Sistema de Mensuração de Disponibilidade e Desempenho. Prefeitura de São Paulo. Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/contrato_anexo_v-_sistema_de_mensurao_de_disponibilidade_e_desempenho_1413293604.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2018.

[18] Embora ainda pouco usual, alguns contratos de concessão já preveem o regramento sugerido. A título de exemplo, cite-se o Anexo III de Metas e Indicadores de Desempenho do contrato de concessão de esgotamento sanitário do município de Vila Velha que, na determinação de diferentes índices, faz constar expressamente que os “valores deverão desconsiderar casos devidamente justificados, tais como: manutenções preventivas, roubos/ vandalismo (por até 24h, somente se registrado em Boletim de Ocorrência) e falta de energia programada”. Anexo VII do Edital: Metas/Indicadores de Desempenho. Companhia Espírito Santense de Saneamento. Disponível em: <http://www.cesan.com.br/site/portal-de-licitacoes/licitacao/908/>. Acesso em: 09 fev. 2019.

[19] Há que se distinguir aqui dois cenários: um, no qual não se prevê qualquer tipo de verificação independente no contrato de concessão e outro, em que a contratação é prevista, mas não é realizada. No segundo caso, ainda que a competência original não deixe de ser do Poder Concedente, pode não se justificar retornar a ele a competência pela atividade de mensuração de desempenho, conforme demonstraremos no item X.

[20] Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais. Manual para a Estruturação de Verificadores Independentes. Disponível em: <http://www.ppp.mg.gov.br/images/documentos/Consulta /CSB00061_Book_PPP-Governo%20de%20Minas_final.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2019.

[21] Mesmo num mercado incipiente como o brasileiro, há diversas empresas capacitadas para a prestação do serviço.

[22] Para reduzir este risco, o ideal seria contratar o serviço por prazo próximo ou coincidente ao prazo máximo legal, mas há nesta opção riscos reais de questionamento, uma vez que, na ótica dos órgãos de controle, a contratação original por prazo prolongado deve ser excepcional. Conforme precedente do Tribunal de Contas da União, convém que o gestor público “em observância ao que estabelece o inciso II do artigo 57 da Lei nº 8.666/93, somente adote o procedimento de contratar pelo prazo limite de 60 meses em casos de serviços contínuos incomuns em que, diante da peculiaridade e complexidade do objeto, fique inquestionavelmente demonstrado no processo o benefício advindo desse ato para a Administração, devendo para os demais casos proceder de forma a que as prorrogações previstas nos contratos sejam precedidas de avaliação técnica e econômica, que demonstrem as vantagens e o interesse da Administração em manter a contratação”. Vide: TCU. 1ª Câmara. Acórdão de relação 1467/2004. Processo 010.124/2003-6. Relator: Walton Rodrigues Alencar. 22/06/2004. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br /pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A1467%2520ANOACORDAO%253A2004/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/false/3/false>. Acesso em: 09 fev. 2019.

[23] Luiza Helena Galdino Repolês ousa afirmar, inclusive, que "o VI possui grandes chances de ser capturado pelo concessionário responsável pela execução da PPP a fim de não revelar supostas informações negativas sobre o seu desempenho ao setor público, compactuando de comportamentos aéticos e contrários ao contrato". REPOLÊS, Luiza Helena Galdino. Os contratos de parcerias público-privadas e os verificadores independentes: como mitigar a assimetria de informação do setor público? Disponível em: <http://banco.consad.org.br/bitstream/123456789 /1299/1/OS%20CONTRATOS%20DE%20PARCERIAS%20P%C3%9ABLICO.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2019.

[24] OLIVEIRA, Eloy Henrique Saraiva de; PAIVA, Danuza Aparecida de. O papel dos verificadores independentes nos contratos de PPP: a experiência do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <http://consadnacional.org.br/wp-content/uploads/2013/05/193-O-PAPEL-DOS-VERIFICADORES-INDEPENDENTES-NOS-CONTRATOS-DE-PPP-A-EXPERI%C3%8ANCIA-DO-ESTADO-DE-MINAS-GERAIS.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2019.

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Sobre o autor
Antônio Fernando da Fonseca Martins

Advogado do BNDES, MBA em Finanças pela Faculdade de Economia e Finanças IBMEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Antônio Fernando Fonseca. Anotações sobre a figura do verificador independente em PPPs. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5706, 14 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72029. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

O artigo é de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. Agradeço as sugestões de Ricardo Tomaz Tannure.

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