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Reforma sindical:

avanço ou retrocesso?

28/08/2005 às 00:00
Leia nesta página:

            A proposta do texto é realizar uma análise crítica do Projeto de Reforma Sindical apresentado pelo Governo Federal, expondo os motivos de sua propositura, o procedimento utilizado para sua elaboração e as principais mudanças propostas, para ao final tornar possível uma reflexão acerca dos impactos de sua positivação.

            A relevância do tema está justamente na amplitude de seus efeitos sociais, pois qualquer modificação na relação entre capital e trabalho, direta ou indiretamente, afeta a todos.

            O momento da discussão é oportuno, haja vista estarmos às portas de um amplo processo de alteração da legislação trabalhista, e o primeiro passo para a conclusão desse processo é justamente a implementação de uma reforma sindical, cujo projeto está sendo encaminhado para aprovação no Congresso Nacional.

            Antes de adentrarmos no tema propriamente dito, necessário se faz uma breve explanação a respeito do modelo sindical atual, pois somente a partir deste conhecimento prévio se torna possível uma análise crítica das mudanças pretendidas com a reforma.

            O modelo atual possui natureza híbrida, ou seja, é um misto do sistema anterior, corporativista e marcado por forte intervenção Estatal, com o considerado ideal pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), calcado na liberdade sindical ampla e irrestrita.

            Estabelecido em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, o atual modelo sindical substituiu o antigo, imposto pelo governo Vargas no início da década de trinta, e vigente, até então, sem grandes modificações. O atual pode ser considerado um sistema de liberdade relativa, pois apesar de eliminar a ingerência do Estado em sua administração, manteve a unicidade sindical, a base territorial mínima do município, a estrutura confederativa, a contribuição compulsória imposta a toda a categoria, e outros institutos incompatíveis com a proposta liberal da OIT.

            O modelo proposto pela OIT está previsto basicamente na Convenção nº 87, em vigor desde 1950 e já ratificada por mais de 120 países. Essa Convenção ainda não foi ratificada pelo Brasil, pois nosso modelo não apresenta em sua plenitude a primeira das quatro garantias fundamentais que, segundo a OIT, caracterizam o sistema de liberdade sindical, quais sejam: a liberdade de constituição, a liberdade de administração, a liberdade de atuação e a liberdade de filiação.

            A realização de uma reforma na atual legislação sindical está sendo motivada, segundo declarações do próprio Governo Federal, pela necessidade de se adequar o modelo nacional ao proposto pela OIT, ratificando a Convenção nº 87.

            Outro fator importante é a necessidade de se "preparar o terreno" para a realização de uma ampla reforma trabalhista, que privilegiará os mecanismos extrajudiciais de composição de conflitos. Nesse aspecto, a missão do Projeto é promover o fortalecimento da estrutura sindical, capacitando-a para o exercício da nova função de solucionar conflitos trabalhistas.

            Esse projeto de reforma foi elaborado com base nos estudos e conclusões do Fórum Nacional do Trabalho, um órgão de consulta tripartite e paritário, criado pelo Governo Federal, composto por representantes dos trabalhadores, dos empresários e do governo.

            Conclui-se, portanto, que a proposta apresentada é fruto de um amplo debate entre as partes envolvidas e, em tese, representa o consenso entre essas forças, o que, também em tese, possibilitaria sua aprovação no Congresso Nacional sem grandes modificações.

            Feitas as considerações introdutórias, passemos à exposição das alterações mais relevantes dentre as muitas previstas.

            O primeiro destaque fica por conta da personalidade sindical, que passará a ser concedida com base em critérios objetivos de aferição de representatividade, ou seja, a entidade será reconhecida e gozará de todas as prerrogativas sindicais se comprovar a associação de determinado percentual do grupo que representa. Esse índice mínimo também poderá ser atingido com filiação à entidade sindical de grau superior que aceite transferir parte de sua representatividade para complementar a da filiada, sem comprometer sua própria.

            Outra mudança relevante é a que envolve o sistema de sustentação financeira da organização sindical. O projeto prevê a substituição das contribuições sindicais atuais, por uma única contribuição que será cobrada anualmente de toda a base de representação, independente de filiação, mas diretamente vinculada à participação do sindicato no processo de negociação coletiva.

            O instituto da negociação coletiva também será significativamente atingido pela reforma, tornando-se um procedimento obrigatório. Os sindicatos que, direta ou indiretamente, se negarem a participar das negociações, sofrerão punições que poderão chegar até a perda de sua personalidade sindical. Além disso, a gama de direitos transacionáveis em sede de negociação coletiva poderá ser ampliada, pois o projeto estabelece que apenas os direitos que a lei expressamente vedar, não poderão ser objeto de negociação.

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            Uma alteração de impacto que não poderíamos deixar de mencionar é a que estabelece o fim do poder normativo da Justiça do Trabalho. Os conflitos coletivos, inclusive os de greve, serão solucionados por intermédio de conciliação, mediação ou arbitragem. Somente os conflitos de natureza jurídica serão dirimidos pela Justiça do Trabalho.

            Outras mudanças importantes integram a proposta de reforma sindical do Governo, contudo, as alterações mencionadas são as mais significativas e bastam para se chegar às primeiras conclusões.

            De plano cumpre afirmar que a reforma sindical é oportuna e, considerando as declarações do Governo Federal, sua realização é motivada pela conquista dos necessários avanços do fortalecimento da estrutura sindical brasileira e da adoção de um modelo sindical que permita a ratificação da Convenção nº 87 da OIT.

            Em relação ao primeiro objetivo o projeto nos parece bastante eficiente, pois promove todas as alterações necessárias para desenvolver e fortalecer a estrutura atual, senão vejamos: vincula a obtenção de personalidade sindical à comprovação de representativi-dade; incentiva a negociação coletiva vinculando a ela o recebimento da principal fonte de custeio; impõe pesadas punições à entidade que não negociar; extingue as contribuições obrigatórias, compelindo o sindicato a conquistar novos associados para melhorar suas finanças, e por fim acaba com o poder normativo da Justiça do Trabalho, não deixando outra alternativa às partes senão a negociação.

            Entretanto, mesma eficiência não se verifica quando o objetivo do projeto passa a ser a simples eliminação de alguns resquícios do modelo corporativo, permitindo a ratificação da Convenção nº 87 da OIT. Aliás, para esta finalidade a reforma pretendida pelo Governo é completamente imprestável.

            Como já mencionado, nosso modelo sindical é incompatível com o proposto pela OIT porque não apresenta uma das quatro garantias fundamentais que caracterizam o modelo liberal, qual seja, a liberdade de constituição. Importa ressaltar que o modelo atual não afronta diretamente esta garantia, apenas a limita quando estabelece a unicidade sindical e a base territorial mínima.

            Diferente do primeiro objetivo desta reforma, a adequação do nosso modelo sindical e a ratificação da Convenção nº 87 são questões simples e sem qualquer complexidade, dependentes apenas de vontade política que, após a motivação declarada pelo Governo, acreditava-se totalmente superada.

            Contudo, contrariando suas declarações, o Governo incluiu no projeto um mecanismo que permite aos sindicatos preexistentes a manutenção de sua exclusividade de representação, portanto de seu monopólio sindical, desde que adotem um "modelo" de estatuto previamente elaborado por um órgão diretamente ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego.

            Essa regra possibilita a manutenção em nosso sistema da unicidade sindical, mantendo com isso a ofensa à garantia da livre constituição e, a partir da adoção do estatuto imposto, insere nova ofensa, agora à garantia da livre administração.

            Em que pese os avanços apresentados, não deixa de ser lamentável que uma nova reforma sindical, ao invés de garantir a liberdade sindical plena, ratificar a Convenção nº 87 e enterrar definitivamente o modelo fascista herdado da era Vargas, promova um perigoso retrocesso ao admitir, ainda que sutilmente, a ingerência do Estado na organização sindical.

            Por ora, resta-nos aguardar o trâmite da proposta no Congresso Nacional e, confirmado-se a expectativa de uma aprovação com poucas modificações, torcer para que o estatuto que será imposto seja ao menos democrático.

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Sobre o autor
Renato Lino Olonca

advogado em São Paulo (SP), consultor Jurídico de sindicatos patronais no Estado de São Paulo, atuando nas áreas sindical e trabalhista, especialista em Direito do Trabalho pela UniFMU

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLONCA, Renato Lino. Reforma sindical:: avanço ou retrocesso?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 786, 28 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7209. Acesso em: 25 dez. 2024.

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