Uso da força policial:limite entre o legal e o arbitrário

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13/02/2019 às 18:17
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Até que ponto o uso da força policial deixa de ser um ato constitucional e passa a constituir uma atitude arbitrária?

Resumo – Vive-se no Brasil uma recrudescente insegurança ou falta de segurança pública, fato disseminado pela mídia além de sentido e reclamado por todos os segmentos da sociedade. Essa mesma mídia, propala uma imagem da Polícia, como de uma instituição ineficiente e ineficaz, por não conseguir avaliar, controlar e evitar o aumento da escalada da violência, além de autora de inúmeros casos onde se verifica o abuso de poder. Ora, sabe-se que esse controle não depende só da Polícia, nem as causas desse problema estão somente na falta do policiamento ostensivo. A Polícia é apenas o braço armado de que dispõe o Estado por intermédio do Poder Judiciário. Quanto ao abuso de poder, trata-se de casos isolados, de autoria de alguns policiais e não da instituição como um todo. Mas não se pode analisar o comportamento violento do policial militar sem analisar o próprio ambiente de onde ele provém e para o qual ele presta serviços. Assim, este artigo se propõe a fazer uma reflexão sobre a atividade policial e o uso da força de forma arbitrária ou legal, tentando estabelecer um limite entre uma e outra.

Palavras-chave – Polícia. Violência. Abuso de poder. Arbitrária. Legal.

Abstract –Is lived in Brazil, one recrudescent unreliability or lack of public security, fact spread for the media beyond judgmented and complained for all the society segments. This same media, divulges an image of the Policy, as an inefficient and inefficacious institution, for not obtaining to evaluate, to control and to prevent the increase da scaled da violence, beyond author of innumerable cases where it verifies the abuse of being able. However, we know that this control does not only depend on the Policy, nor the causes of this problem are only in the lack of the ostensive policing. The Policy is only the armed arm of that makes use the State for intermediary of the Judiciary Power. About the breach of power, one is to isolated cases, authorship of some policemen and not of the institution as a whole. But we cannot to analyze the violent behavior of the military policeman without analyzing the proper environment of where he originates and for which he gives services. Thus, this article considers to make a reflection on the police activity and the use of the arbitrary or legal form of force, trying to establish a limit between one and another one.

Keywords – Police. Violence. Breach of power. Arbitrary. Legal.


1 INTRODUÇÃO

A Polícia Militar é uma organização composta de pessoas procedentes das mais diversas classes sociais, com formações, personalidades, grau de instrução diferenciados, além de sociabilidade de toda natureza. São homens que carregam toda uma gama de complexos, recalques, traumas e marcas e que, muitas vezes, habitam áreas povoadas de marginais.

Com todos esses agravantes, considerando um universo de milhares de homens, a Polícia Militar se depara com inúmeros problemas de ordem social que surgem de todos os lados, ora relacionados com o policial militar, ora com seus dependentes, podendo-se citar aqueles que mais os afligem, sejam eles: os ligados à escolaridade, à saúde, à habitação, à assistência social, jurídica, médica hospitalar e à remuneração. A reunião desses fatores acaba por atingir a própria instituição com a deflagração de altos índices de violência praticada por policiais militares no desempenho de suas atividades constitucionais.

A execução das ações policiais, de um modo geral, no Brasil, ocorre com base no que se pode chamar de rigor  necessário. Na maioria dos casos, a sociedade justifica certos tipos de práticas pelo fato de as vítimas serem, via de regra, suspeitos ou bandidos. Porém, o senso comum julga que, no combate eficiente contra a marginalidade urbana, a polícia precisa aplicar o mesmo código de conduta dos transgressores, o que torna cada vez mais difícil e arriscado diferenciar uns dos outros. Deste modo, a truculência e o despreparo de alguns profissionais designados para propiciarem a segurança pública torna cada vez mais tênue a linha que os separa dos verdadeiros marginais e bandidos.

Questiona-se então: onde o uso da força policial deixa de ser um ato constitucional e passa a constituir uma atitude arbitrária? Este artigo pretende, por meio do estudo exploratório e da pesquisa bibliográfica, refletir sobre essa questão.


2 VIOLÊNCIA: ASPECTOS RELEVANTES

O policial militar é um profissional com atribuições definidas em lei e responsável pela manutenção da ordem pública no Estado. No entanto, este mesmo homem, instrumento sem o qual não haveria como a Corporação oferecer seu produto final à sociedade, faz parte de um contexto social onde, sofrendo os desafios do cotidiano, acaba utilizando seu poder de forma incorreta, sendo vítima e autor de diversos tipos de atos violentos. Mas como a situação chegou a esse ponto?

Nas últimas décadas, com a aceleração do êxodo rural, o processo de concentração urbana atingiu taxas extremamente altas, gerando a formação das megalópoles e o agravamento dos problemas sociais.

Convivem, nas mesmas cidades, uma minoria moderna da população em condições equivalentes às de uma adiantada sociedade dos países desenvolvidos, com uma minoria primitiva, ignorante e miserável, vivendo em condições, muitas vezes sub-humanas. Essa convivência tem se mostrado conflituosa e inviável diante de um quadro alarmante do crescimento acelerado das taxas de criminalidade. Mas a violência não é um fato novo na sociedade, ela acompanha a vida em sociedade desde a formação dos primeiros grupos humanos, quando a isso se recorria como forma de sobrevivência.

Na história do Brasil, mais especificamente falando, atos extremamente violentos, os quais envolveram muitas vezes a coação de pessoas, foram encabeçados pelo próprio Estado ou tiveram o seu consentimento. Segundo Bastos Neto (2006, p. 153):

[...] no Estado Novo, criminoso comum e revolucionário socialista, muitas vezes foram confundidos pelo “sistema”. Eram jogados numa mesma sela, torturados pelas mesmas razões e esquecidos no interior das instituições prisionais, com o mesmo objetivo.

Isso traduz o abuso de poder e a violação da pessoa humana, que naquela época eram condições fundamentais para a manutenção daquele modelo de sociedade.

Com base em Da Matta (1982) pode-se afirmar que a violência no Brasil se associa fundamentalmente à estrutura de poder vigente numa sociedade. Este autor defende que atitudes violentas são classificadas comumente como formas de ação resultantes do desequilíbrio entre fortes e fracos. Entretanto, elas deveriam ser analisadas como um processo que permeia o sistema. Olhando pelo ângulo da razão prática, a violência não é um mecanismo social e uma expressão da sociedade, mas uma resposta a um sistema. Por essa lógica, a violência está tão reificada quanto o capitalismo, o sistema, o poder, entre outros, como um elemento visto isoladamente, da sociedade na qual ela aparece. Como se fosse acidente ou anomalia que um determinado tipo de sistema provoca e não uma possibilidade real e concreta de manifestação da sociedade brasileira.

Desde o período colonial, a estrutura de poder é responsável pela negação dos direitos da maioria da população. Hoje, pode-se exemplificar essa tese com a violência resultante dos conflitos agrários ou das chacinas. Bastos Neto (2006, p. 152) assinala que:

A construção de um país para poucos levou cinco séculos, com vários levantes, revoltas, derramamentos de sangue que ensopam a história do nosso país, desde principalmente, os séculos XVIII e XIX. De um grupo de descobridores, marujos aventureiros, formou-se também uma elite igualmente aventureira e irresponsável.

Assim, é impossível analisar a violência de uma única maneira, tomando-o como um fenômeno único. O termo violência reúne tudo o que se refere ao conflito, ao controle, à luta, ou seja, à parte sombria que sempre atormenta o corpo social ou individual. Deste modo, a violência pode ser, ainda, classificada como: tiranias, conflitos políticos e sociais, terrorismo, repressão, guerras civis entre outros. Diante de tantos sinônimos fica uma curiosidade, que vem a ser a violência no sentido etimológico?

Nascimento (2006) informa que a palavra violência vem do latim violentia, que significa violência, caráter violento ou bravio, força. O verbo violare significa tratar com violência, profanar, transgredir. Tais termos devem ser referidos a vis, que quer dizer força, vigor, potência, violência, emprego de força física, mas também quantidade, abundância, essência ou caráter essencial de uma coisa. Mais profundamente, a palavra vis significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer sua força e, portanto, a potência, o valor, a força vital.

A passagem do latim para o grego confirma este núcleo de significação. Ao vis latino corresponde o is homérico, que significa músculo, ou ainda força, vigor, e se vincula a bia, que quer dizer a força vital, a força do corpo, o vigor e, conseqüentemente, o emprego da força, a violência, o que coage e faz violência.

Ainda, Nascimento (2006) afirma que os dicionários de francês contemporâneo definem a violência como: a) o fato de agir sobre alguém ou de fazê-la agir contra a sua vontade empregando a força ou a intimidação; b) o ato através do qual se exerce a violência; c) uma disposição natural para a expressão brutal dos sentimentos; d) a força irresistível de uma coisa; e) o caráter brutal de uma ação. Esses sentidos diversos de violência indicam duas orientações principais: de um lado, designa fatos e ações; de outro, designa uma maneira de ser da força, do sentimento ou de um elemento natural - violência de uma paixão ou da natureza.

Feita essa pesquisa etimológica sobre o vocábulo, passa-se a tentar estabelecer o que é violência policial, o que se torna difícil em virtude das conceituações que existem a respeito da violência. Adotar-se-á então uma linha objetiva, levando-se em conta apenas os fatos. Por essa linha admite-se que:

A violência se define, no sentido estrito, como um comportamento que visa causar ferimentos às pessoas por prejuízos aos bens. Coletiva ou individualmente, podemos considerar tais atos de violência como bons, maus, ou nem um nem outro, segundo quem começa contra quem (GRAHAM e GURR apud SOUZA e OLIVEIRA, 2001, p. 16).  

Analisando as definições acima, vê-se claramente que a violência da forma como está colocada se restringe a pessoas ou bens definindo contornos e efeitos, ignorando situações mais insidiosas. Procurando estabelecer uma definição que abarque tanto os estados quanto o ato de violência, assinala Michaud (1995, p. 20):

Há violência quando numa situação de interação um ou vários outros agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses ou em suas participações simbólicas ou culturais.

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Com esta conceituação ampla de violência Michaud (1978) teve por objetivo consagrar justificadamente alguns tópicos:

a) o caráter complexo da possibilidade de interação múltipla de atores, até máquinas administrativas, pois nela se dilui a responsabilidade;

b) modalidades diversas de produção de violência onde os processos caminham no sentido de uma violência produzida individualmente por meios limpos;

c) distribuição temporal da violência, podendo ser maciça de uma só vez ou gradual e até insensível. Pode-se matar ou morrer até de fome (favorecendo condições de subnutrição);

d) diferentes tipos de danos que podem ser impostos: danos físicos mais ou menos graves, danos psíquicos e morais, danos aos bens, danos aos próximos ou aos laços culturais.

Veja-se agora de que outra forma o ambiente estimula a violência.

2.1 BASES NEUROFISIOLÓGICAS DA VIOLÊNCIA

O ambiente gera estímulos que provocam reações nos organismos mais elementares, que sentem aqueles estímulos ambientais como se fossem agressões. Selye (1962) apud Souza e Oliveira (2001) dedicou seus estudos à síndrome de adaptação dos organismos complexos, que reagem às tensões oriundas do meio, isto é, ao stress. A Síndrome Geral de Adaptação (SGA) se traduz na reação geral do organismo atacado (modificações endócrinas, metabólicas), como a febre, as perturbações cardiovasculares e o desfalecimento (desmaio). Já a Síndrome Local da Adaptação (SLA) corresponde às reações inflamatórias locais (úlceras, abcessos, dores localizadas). O organismo recebe um alarme, depois resiste e em seguida esgota-se rapidamente. Daí para a agressividade a distância é pouca.

O elo de ligação entre o stress e a agressividade é a irritabilidade difusa, quando o organismo tem uma modificação em seu equilíbrio, voltando sua energia contra um alvo. A própria agressividade esgota a existência do organismo e aprofunda o nível de stress e o círculo volta a repetir-se. A agressividade transforma-se em energia, e essa energia desviada é a violência, posta a serviço de uma busca ilegítima de poder sobre o outro ou sobre a própria sociedade.

Assim, uma ação violenta é aquela em que o psiquismo humano é afetado marcantemente, tornando as pessoas mais submissas a ponto de perder o seu controle interior.

2.2 TIPOS DE VIOLÊNCIA

A violência pode se manifestar sob vários aspectos: de forma legal ou de forma arbitrária.

a) Violência legal – a violência é legal quando o ato está amparado na Lei e não chega a constituir-se abuso, excesso ou desvio. É a violência juridicamente aceita. Ela constrange, coage, às vezes chega a ser brutal, mas visa a um objetivo maior que é o bem comum, preservando a ordem jurídica.

O art. 292 do Código de Processo Penal contempla o emprego da força para defender-se ou para vencer resistência no caso da prisão legal (em flagrante ou mediante ordem de autoridade competente), usando-se moderadamente os meios necessários, conforme postula:

Art. 292.  Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas (BRASIL, 1941, p. 37).

Como se viu, exige-se, nesse caso, a lavratura de um Ato de Resistência, subscrito pelo executor e duas testemunhas. Por outro lado, o Código de Processo Penal Militar admite o emprego da força, quando indispensável, no caso de desobediência ou tentativa de fuga, como assinala:

Art. 234. O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas. Emprego de algemas. 1o O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242. Uso de armas. 2o O recurso ao uso de armas só se justifica quando absolutamente necessário para vencer a resistência ou proteger a incolumidade do executor da prisão ou a de auxiliar seu (BRASIL, 1969, p. 48-49).

b) Violência arbitrária – quando o ato extrapola os limites e o emprego da força está fora dos parâmetros legais. O artigo 322 do Código Penal brasileiro, para os casos de violência arbitrária, estabelece que, aquele que “praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la” fica sujeito a “pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência” (BRASIL, 1940, p. 88).

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Sobre o autor
Benedito Tobias Sabba Correa

Tecnólogo em Processamento de Dados, Universidade da Amazônia, 1993. Aluno do Curso de Especialização em Segurança Pública, APM/UNEB, 2007, Aluno do Curso de Direito da UNIFESSPA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho solicitado pelo professor Osvaldo Bastos Neto, da disciplina Sociologia Criminal do Curso de Especialização em Segurança Pública, APM/UNEB, 2007.

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