Uso da força policial:limite entre o legal e o arbitrário

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13/02/2019 às 18:17
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3 REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA E A AÇÃO DE POLÍCIA

Segundo Santos et al. (2000) a palavra polícia é derivada do grego polis, que significa cidade, induzindo à compreensão de civilização, progresso, estado adiantado, em oposição a bárbaro que denominava aquele que não vivia nas cidades. Policiais seriam então os vigilantes do local específico de reuniões harmoniosas daqueles que viviam em sociedade.

Mas, afinal, para que polícia? Existe até uma música que questiona “quem precisa de polícia”? Todos os cidadãos precisam de polícia porque vivem num mundo urbano e complexo e a sociedade tem a necessidade simbólica de uma autoridade que a faça limitar-se. A polícia é um segmento da sociedade, instituído pela própria cidadania para que ela se autolimite. Não existe uma sociedade minimamente organizada sem o conseqüente poder de polícia.

O modelo brasileiro de polícia militar funciona bem dentro das peculiaridades do país, no entanto, vive-se hoje uma recrudescente falta de segurança pública; fato amplamente propalado pela mídia, além de sentido e reclamado por todos os segmentos da sociedade, devido ao vertiginoso aumento da escalada de violência, que, a cada dia, revela-se multivariada e perversa, excedendo aos limites da razoabilidade, suportabilidade e aceitabilidade e que a Polícia não tem conseguido avaliar, controlar e evitar. Essa imagem passada pela mídia em relação à conjuntura atual, além de atribuir à Polícia Militar a responsabilidade maior, aduz ineficiência e ineficácia nesse combate.

Entretanto, sabe-se que a efetividade desse controle não depende apenas da Polícia Militar, uma vez que suas causas não resultam somente da falta de policiamento ostensivo, posto que este controla e evita (ou pelo menos tenta evitar) as conseqüências delituais e infracionais e não suas causas. Estas têm origem em outros fatores e aspectos.

A atual conjuntura se define na frase de Sachs apud Freitas (1996) qual seja: "Estado desorganizado; crime organizado!". E, nesse sentido, a Polícia Militar não representa e não é o Estado; ela é apenas instrumento e manifestação deste, mediante o exercício do seu poder. É, pois, o "braço armado e forte" de que dispõe o Estado por intermédio do Poder Judiciário - como sistema de controle criminal e social - na consecução de seus fins: o bem comum.

Além disso, saliente-se que segurança não pode ser medida, alcançada e, concretamente, refletida somente por dados estatísticos. Segurança não se vê, não tem forma, posto ser sensitiva. "E segurança é estado de espírito [...] que nada mais é do que segurança - psicológica" (GOUVEIA, 1989, p. 68), que se manifesta na percepção individual de cada cidadão, com reflexos no grupo social. É, em sentido amplo, um estado sensitivo de bem-estar que influi no coletivo (bem comum). Daí ser objeto finalístico do Estado e não só da Polícia Militar.

Desta forma, é de se supor que os assassinatos, as chacinas, o extermínio, as mortes nos acidentes de trânsito, o crescente estado de pobreza e a miséria, que conduzem à favelização das urbes, o descaso ao presente e ameaçador crime organizado do tráfico de drogas, entorpecentes e armas, não podem ser considerados normais, pois refletem a desorganização do Estado e o descaso dos Governos Federal, Estadual e Municipal na solução e/ou minimização desses problemas, os quais, aliados, à má distribuição de rendas, à perversa concentração de riquezas nas mãos de poucos e a conseqüente falta de terras produtivas, têm sido as causas dessa gigantesca onda de violência. Constata-se então que os instrumentos de repressão à violência constituído das polícias, da justiça, do sistema penitenciário e criminal não são respeitados.

Quando se pensa nas possíveis causas desse desrespeito, em especial quando se refere àqueles primeiros, a primeira coisa que vem à mente é a contraprestação financeira, normalmente irrisória, que os tornam passíveis e vulneráveis às ações de corrupção e os levam a procurar nas horas de folga o exercício de atividades paralelas e estranhas a seus serviços, aumentando a evasão e o desinteresse pela carreira abraçada. Essa observação se aplica às polícias de um modo geral, pois afeta tanto a Polícia Militar como a Civil. No que tange especialmente à essa última pode-se afirmar que é invariavelmente qualificada de corrupta e desacreditada até pela Polícia Militar, numa generalização que não é de todo correta, conforme acentua Chesnais (1998, p. 25):

Se a violência e a corrupção são inegáveis, levando-se em conta as condições de trabalho e dos meios pelos quais se recrutam as forças da ordem, é preciso, entretanto, evitar qualquer generalização prematura, pois a maioria do pessoal é honesta e devotada.

Contudo, a Ouvidoria de Polícia de São Paulo divulgou há anos atrás que, em 1999, o número de pessoas mortas pelas polícias Civil e Militar teria subido 23,8 % com relação ao ano anterior. À Polícia Civil foram imputadas aproximadamente 80 mortes. À Polícia Militar foram imputadas aproximadamente 570 mortes. Em cada um dos anos seguintes a 1999, o índice de mortes cujo agente é o policial só não foi superior às 1.421 mortes ocorridas em 1992, quando, a pretexto de conter uma rebelião, 120 PMs e 1 policial Civil executaram 111 presidiários na Casa de Detenção de São Paulo (MORGADO, 2002).

A existência de quatro polícias (Militar, Civil, Federal e Rodoviária) mal coordenadas e sempre rivais cria geralmente uma confusão que, apesar de elas terem papéis complementares embora mal definidos, impede a eficiência no local quando, por exemplo, acontece um tiroteio. Esse tipo de ocorrência gera sempre muitas críticas quanto à atuação policial.

Mas, há que se considerar alguns aspectos. Primeiramente, é elementar a noção de que cada organização policial é peculiar da comunidade em que está inserida, não se podendo avaliar o instituto Polícia Militar pela somatória de dados das diversas milícias estaduais, nem comparar o nosso modelo de polícia com o de outros países, ou mesmo estabelecer paralelos entre as PMS dos estados. A atividade de polícia está visceralmente ligada às condições sócio-econômicas-culturais de cada grupo onde se desenvolve. Desta forma, é importante observar o problema sob os enfoques: quem é o policial, quem é o destinatário da atividade e qual o tipo de delito enfrentado, não esquecendo que o policial será sempre, via de regra, alguém pertencente à comunidade, com costumes, hábitos, referências políticas, cultura, entre outros, idênticos aos de seus concidadãos.

Por outro lado, o destinatário da ação policial possui características próprias de sua região, e, como a lei penal é igual em todo o território nacional, um indivíduo reage perante a norma de forma diversa do que outro indivíduo de outro Estado ou região. Na medida em que se afasta do Sul e Sudeste do país, a noção de legalidade torna-se mais tênue e as relações interpessoais apresentam maior grau de pessoalismo, o que torna a corrupção mais fácil, e a violação de direitos humanos mais banalizada ou mesmo aceita.

Os delitos também mudam conforme se altera o segmento social analisado ou a região abordada. Em grandes metrópoles a ocorrência de crimes de alta complexidade e gravidade é mais freqüente, bem como a ação de grupos organizados torna-se bastante sofisticada; já em regiões com menos recursos, muito provavelmente, tais delitos nunca serão notícia de jornal.

Por estas razões o tema violência policial não poderia jamais abranger todas as organizações do Brasil, generalizando dados e fatos. Cada Polícia Militar, de cada Estado, é uma polícia diferente, com características próprias, com uma realidade própria, com um contingente peculiar, com uma situação interna diversa.

3.1 A REALIDADE DOS POLICIAIS MILITARES

Por mais numeroso que seja o contingente da Polícia Militar, ela não consegue estar presente em todo o território do Estado. Desempenha inúmeras atividades dentre as quais pode-se destacar como mais significativas: Policiamento Preventivo Ostensivo Fardado, visando sua atividade primeira, a preservação da ordem pública; atividades de Defesa Civil desempenhada pelo Corpo de Bombeiros; Policiamento de Trânsito; Policiamento Florestal e de Mananciais, forte agente de preservação do Meio Ambiente, diretamente relacionado com os Direitos Humanos; Policiamento Montado; Controle de Distúrbios Civis através das tropas de choque.

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Durante seu período de formação os oficiais recebem uma enorme gama de informações jurídicas e sócio-culturais voltadas ao desempenho das funções de comando, no trato com civis, superiores e subordinados. Entre as matérias estudadas destacam-se Sociologia, Deontologia, Comunicação Social e Direitos Humanos, o que faz com que se perceba que ser policial não é algo simples.

Vale ressaltar também que o policial militar é um homem público que está em contato com todos os escamentos sociais e nas mais variadas situações: num mesmo dia tratará o homem da honestidade mais ilibada e o assassino ou traficante de drogas, devendo ter com um e outro um modus operandi e um linguajar completamente distintos. Eles podem se expor a situações que, numa fração de segundos, podem lhes custar a vida.

Em razão de seu trabalho profissional, o policial militar está à vista de todos, sejam cidadãos de bem, sejam mal-feitores. Uns o verão como um defensor, outros como inimigo. Estes últimos, entretanto, agem sempre às escondidas, e não são identificáveis por uniformes ou dísticos como os homens e mulheres da Polícia Militar.

Assim, não tardará que ocorram circunstâncias em que o policial militar – que é um trabalhador como qualquer outro, possuindo família e sendo, via de regra, uma pessoa de honestidade inquestionável, ver-se-á no limite do legal, na estreita linha divisória que o separa do mundo do crime.

Poderá, então, ocorrer que se corrompa, porque talvez não tenha motivação suficiente para permanecer irrepreensível. Talvez falte-lhe formação humana e profissional suficiente para reconhecer a ilegalidade do seu ato. Poderá pensar no seu baixo salário, nas necessidades de sua família, ou ainda, no local onde mora que pode ser uma favela, entre outras coisas.

Tudo isso pode ocorrer em virtude de fatos como, por exemplo, devido aos salários irrisórios, só buscarem essa profissão aqueles que não possuem muita qualificação. Por outro lado, a maioria dos policiais vê-se obrigada a buscar uma atividade extracorporação, o famoso “bico”. Com uma má seleção, não se pode exigir que estes homens compreendam conceitos muito elevados de cidadania, nem que ajam com completa isenção diante de fatos criminosos que abalam e revoltam até os mais esclarecidos. Já a atividade extracorporação acarreta sérias conseqüências tanto a nível profissional, como em termos pessoais.

Profissionalmente o chamado “bico”, sendo exercido em horas de folga, leva o policial ao stress físico e mental em pouco tempo. Muitas vezes, trabalhando durante toda a noite na PM, policiais deixam o necessário repouso para trabalharem fora durante o dia, o que traz como conseqüência que venha a dormir durante seu serviço, seja na PM seja no extracorporação. Os que trabalham de manhã vivem o mesmo regime, apenas invertendo-se os horários. Neste dia-a-dia, muitos são vitimados nas ações por estarem fisicamente pouco dispostos.

Ocorre que, por vezes, o serviço extracorporação remunera melhor que o Governo, levando o policial a ser mais pontual e melhor cumpridor do seu dever fora da corporação, passando, em pouco tempo, a desprezar sua profissão principal. Com este sentimento, acaba por ser um profissional tendente ao relaxamento, ao pouco caso e à falta de empenho. Com o decorrer do tempo as situações acabam se invertendo e a PM é que acaba por ser o “bico”.

Mas é no serviço extracorporação, normalmente como segurança patrimonial ou pessoal, que o policial se depara com a corrupção. É ai também que a vida pessoal do policial encontra sua ruína, pois nas horas de folga estará trabalhando, exposto a vícios de bebidas e drogas. O número de divórcios na PM é assustador e também ocorrem suicídios, embora não com tanta freqüência. Ser policial militar é um meio de vida, e não de morte. Concordando com Bastos Neto (2006, p. 258) pode-se dizer que “não é fácil situar a posição da polícia como parte dos mecanismos repressores do Estado”.

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Sobre o autor
Benedito Tobias Sabba Correa

Tecnólogo em Processamento de Dados, Universidade da Amazônia, 1993. Aluno do Curso de Especialização em Segurança Pública, APM/UNEB, 2007, Aluno do Curso de Direito da UNIFESSPA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho solicitado pelo professor Osvaldo Bastos Neto, da disciplina Sociologia Criminal do Curso de Especialização em Segurança Pública, APM/UNEB, 2007.

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