1- INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa a analisar de forma sucinta a regulamentação aprovada no Estado do Rio de Janeiro sobre o tema de gestão corporativa. É notório que, após a série de denúncias de corrupção em nosso país, havia a necessidade de uma resposta eficaz para a diminuição dos casos e um maior controle das empresas e do Estado sobre os agentes que transacionam nas relações diárias de cumprimento de contratos.
Após as diversas denúncias de corrupção percebeu-se que somente um controle nos agentes do Estado não é suficiente para que haja a cessação da prática da corrupção, sendo necessário fomentar outros meios de controle externo à administração pública de forma a gerar um sistema de controle efetivo, ágil e com um custo-benefício viável para sua implementação. O sistema adotado foi o de gestão corporativa.
Desta feita, é importante analisar como o sistema de gestão corporativa pode ajudar o controle, bem como as ferramentas necessárias para que haja efetividade. Controle esse que deverá envolver todos os membros da empresa, independentemente da posição hierárquica que ocupem.
O presente artigo analisará as exigências legais mínimas para um sistema de governança corporativa, bem como os pontos relevantes do decreto do Estado do Rio de Janeiro de número 46.366/2.018, assim como as obrigações decorrentes da Lei nº7.753, de 17 de outubro de 2.017, do Estado do Rio de Janeiro. No presente estudo a análise da lei federal nº12.846, 1º de agosto de 2013, será feita de forma subsidiária, pois em alguns pontos há referência da lei federal pela lei estadual e no decreto.
2- ANÁLISE DO ORDENAMENTO
Em âmbito nacional temos a Lei nº12.846, de 1º de agosto de 2.013, que trata do tema de responsabilidade civil e administrativa das pessoas jurídicas por atos praticados contra a administração pública. A nível do Estado do Rio de Janeiro, temos a Lei nº 7.753, de 17 de outubro de 2017, que dispõe sobre a obrigatoriedade da implantação do programa de integridade nas empresas que contratam com a administração pública fluminense.
A lei fluminense estipulou 03 (três) categorias de empresas que são obrigadas a possuir um sistema de integridade: 1- empresas que celebram contrato de consórcio, convênio ou parceria público-privada; 2- aquelas que contratam com prazo superior e 180 (cento e oitenta) dias com a administração; e, por fim, aquelas com valores superiores a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, ainda que na forma de pregão eletrônico.
De forma clara, a lei em seu art. 2º fundamenta qual o motivo de exigir o programa de integridade. O art. 2º reforça que um programa de integridade protege a administração contra atos lesivos que resultem em prejuízos financeiros e garante um melhor desempenho, qualidade, conformidade legal, segurança e os riscos dos contratos.
Como a lei estadual é breve em seus termos, no intuito de deixar mais transparentes as leis no momento da contratação o Estado do Rio de Janeiro regulamentou, através do Decreto nº 46.366/2018, a responsabilidade jurídica das empresas que contratam com o poder público e, seguindo a diretriz da lei federal, estipula uma visão sobre o sistema de governança corporativa.
É notório que um bom sistema de governança corporativa é de suma importância e necessária para adequação da empresa aos novos desafios de uma sociedade comprometida em eliminar desvios de conduta. visando a adequar essa nova realidade à conduta praticada pelas empresas, às leis e metas de conduta esperada.
Conforme se verifica no ordenamento pátrio, após o advento da Constituição de 1.988 se tornou mais forte o viés de busca pela moralidade (artigo 37 CFRB) e conduta proba dos agentes públicos e da administração em geral.
A conduta proba do agente está intrinsecamente ligada à moralidade administrativa e sua nova interpretação. O princípio da moralidade determina que o administrador tenha uma atuação que, ao respeitar a lei, tenha, ainda, uma atuação ética, leal e séria.
O Professor Rafael Oliveira tem como conceito de moralidade, baseado no art. 37 da Constituição Federal, a exigência de atuação administrativa respeitando a lei, mas em concomitância o respeito às normas de ética, de seriedade e abordando a lealdade entre as partes. O professor cita como exemplo o art. 2º, parágrafo único, IV, da Lei nº9.784/1999, que obriga o administrador, mormente nos processos administrativos, a uma “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.”[1]
Na seara empresarial, cresceu nos últimos anos um sistema de gestão mais comprometida em cumprir as leis e diretrizes de boas condutas. Esse sistema de gestão ficou conhecido como governança corporativa.
Um conceito simples de Governança Corporativa seria o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas[2].
Dentro desse sistema existem algumas ferramentas onde uma delas é o programa de integridade (compliance). Um conceito de compliance bastante adotado é a ideia do dever de cumprir estar em consonância com o cumprir as leis, diretrizes e regulamentos internos e externos de forma a diminuir o risco atrelado à reputação.[3]
Os especialistas no assunto defendem que os programas de compliance têm como objetivo designar esforços adotados pela iniciativa privada para garantir o cumprimento de exigências legais e regulamentares relacionadas às suas atividades, observando os princípios de ética e integridade corporativa.[4]
A ideia principal nos programas de integridade é basear na premissa que “ser compliance” é conhecer as normas da organização, seguir os procedimentos recomendados, agir em conformidade e sentir quanto são fundamentais a ética e a idoneidade em todas as nossas atividades. Enquanto “estar em compliance” é estar em conformidade com leis e regulamentos internos e externos.[5]
Mas a dúvida que fica é onde esse sistema com suas ferramentas se enquadra no ordenamento que vem sendo atualizado? Podemos citar o decreto do Estado do Rio de Janeiro que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
Em seu artigo 2º o decreto regulamenta a utilização de um procedimento para a apuração da responsabilidade das empresas que contratam com o Ente público fluminense. Foi estabelecido o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR nos moldes da lei federal:
Art. 2°- A apuração da responsabilidade administrativa de pessoa jurídica que possa resultar na aplicação das sanções previstas no art.6° da Lei n° 12.846/2013 será efetuada por meio do Processo Administrativo de Responsabilização - PAR, que poderá ser precedido de Investigação Preliminar.
Ao analisar o intuito da criação da norma regulamentar, nota-se, claramente, a intenção do legislador em estimular a criação / desenvolvimento, de um sistema de governança corporativa que utilize um programa de integridade. Tal desejo fica claro em diversos pontos do decreto como, por exemplo, na imposição à comissão que está elaborando o PAR em verificar a existência de um programa de integridade, bem como fazer uma análise detalhada para a verificação de conformidade de tal programa
Art. 25 - O relatório final da comissão processante deverá obrigatoriamente ser elaborado com a observância dos seguintes requisitos:
IV - Análise da existência e do funcionamento de programa de integridade;
Art. 26 - Concluindo a comissão processante pela responsabilização da pessoa jurídica, o relatório deverá sugerir as sanções a serem aplicadas e o seu quantum, conforme previsto nos artigos 6º e 7º[6] da Lei Federal nº 12.846/2013, além de outras medidas previstas em lei.
Sabe-se que os decretos são atos administrativos editados privativamente pelo chefe do poder Executivo com o objetivo de reger relações gerais ou individuais.[7] Ao regulamentar a lei federal nº12.846/2013 que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, o chefe do Poder Executivo fluminense almejou dar maior efetividade à lei federal de forma a adequar suas generalidade as peculiaridades do Estado.
Ao fazer uma breve analise da lei federal, verifica-se de forma clara uma visão de estimular e quiçá beneficiar as empresas que possuem um sólido programa de integridade. Podemos citar, por exemplo, o artigo 7º que, ao falar das sanções, contempla as empresas que possuem um programa de governança corporativa com programa de integridade.
Art. 7o, Lei Federal nº 12.846/2013, serão levados em consideração na aplicação das sanções:
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
Para que não pairem dúvidas quanto às vantagens de se ter um programa efetivo de integridade, a Controladoria Geral da União (CGU) elaborou um gráfico demonstrando todas as penalidade e atenuantes da Lei nº12.846/2013, onde se nota, claramente, que o programa de integridade é a maior atenuante que uma empresa pode receber.
Imagem retirada do site: http://www.cgu.gov.br/assuntos/responsabilizacao-de-empresas/lei-anticorrupcao
Tal entendimento foi replicado no decreto estadual, como podemos verificar no momento da aplicação da sanção:
Art. 34 -. Na aplicação das sanções, serão levados em consideração as peculiaridades do caso concreto, a gravidade e natureza das infrações e os demais critérios previstos no artigo 7º da Lei Federal nº 12.846/2013.
Um ponto a ser destacado é que a lei do Estado que trata do programa de integridade é silente quanto atenuantes e agravantes na contratação com a administração pública, o que reforça a necessidade da edição de um ato posterior regulando tal tema.
O decreto segue a lei federal e estipula em seu artigo 36 as atenuantes. No seu inciso V, estipula que o programa de integridade pode gerar uma redução de até 4% da penalidade:
V- Um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no capítulo VII deste Decreto.
Tal incentivo busca obter uma maior aderência das empresas ao sistema de integridade efetivo, lembrando que aquelas que contratam com o Estado do Rio de Janeiro já devem possuir um programa de integridade por força da Lei nº7.753/2017. Dessa forma, entendemos que o incentivo busca dar maior efetividade ao programa.
Outro ponto da lei em que podemos observar um forte estímulo ao efetivo sistema de integridade é no caso em que há um acordo de leniência. O decreto determina que a comissão responsável pela negociação do acordo de leniência faça uma avaliação do programa de integridade e, caso julgue necessário, proponha medidas para aperfeiçoar o programa de forma a evitar a reincidência das condutas reprováveis:
Art. 51 - Compete à comissão responsável pela condução da negociação do acordo de leniência:
IV - proceder à avaliação do programa de integridade, caso existente, nos termos deste Decreto
V – propor cláusulas e obrigações para o acordo de leniência que, diante das circunstâncias do caso concreto, reputem-se necessárias para assegurar:
c) a obrigação da pessoa jurídica, caso seja adequada, em adotar, aplicar ou aperfeiçoar programa de integridade.
Um ponto de suma importância no decreto do Estado do Rio de Janeiro é o fato de ter destinado um capítulo inteiro dedicado ao programa de integridade. Neste capitulo são estipulados parâmetros que devem ser observados para um programa de integridade efetivo.
Esse é um ponto de destaque do decreto uma vez que a lei federal deixou em aberto quais os fatores preponderantes para se considerar como efetivo um programa de integridade e quais os parâmetros mínimos a serem observados não só pelas empresas, mas como também pelos julgadores no momento de aplicar penalidade ou constatar a efetividade dos programas.
A lei do Estado já havia estabelecido parâmetros importantes para os programas de integridade como, por exemplo, no art. 4º, X, que determina a obrigatoriedade de o canal de denúncias ser amplamente divulgado aos funcionários e a terceiros.
O decreto, por sua vez, aprimora a busca pela efetividade do programa, enquanto a lei buscava uma formalidade. Podemos citar o artigo 61 do decreto que determina que o sistema de integridade deve ser estruturado e devidamente atualizado de forma a garantir a sua efetividade. Tal artigo está em total consonância com o conceito de se ter um programa que se viva em integridade e não somente tenha-se um programa no papel, sem que haja um efetivo cumprimento de suas diretrizes no cotidiano da empresa.
Neste sentido, o decreto define parâmetros de efetividade e setores que seriam importantes para um bom sistema de compliance. Um ponto interessante foi a citação de haver um canal para denúncias:
Art. 61 - Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades adotados no âmbito de uma pessoa jurídica e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública estadual.
Vem se adotando como boas práticas de governança corporativa instrumentos que permitem a identificação previa de irregularidades. Tais instrumentos são: empresas de auditoria, adoção de protocolos de procedimentos e canais independentes e anônimos de denúncias.
O decreto deixou em aberto como seriam os canais de denúncias, tendo somente a lei regulamentado a necessidade de amplo conhecimento dos funcionários e publicidade a terceiros.
Entretanto, a melhor praxe ensina que um canal de denúncia efetivo é aquele em que há uma independência, garantia de anonimato do denunciante e que a denúncia seja levada, após apurada, ao mais alto grau de direção da empresa. Entendemos que o decreto deixou em aberto essas especificações por entender que, dependendo do porte da empresa, impor que seja adotada a melhor praxe pode criar um custo que inviabilize a adoção de um bom programa.
Ocorre que o mesmo ato administrativo deixa claro que as diversas comissões irão avaliar o sistema de integridade e, nesse momento, irão avaliar o binômio custo x efetividade. Nota-se que o decreto relacionou pontos objetivos a serem seguidos pelas comissões no momento da avaliação, visando a uma avaliação caso a caso dos programas de integridade adotados.
3- PONTOS IMPORTANTES PARA UM BOM PROGRAMA DE INTEGRIDADE
Após analisarmos as duas leis e o decreto, podemos extrair alguns pontos relevantes para um bom programa de integridade.
· O comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, quando aplicado, evidenciados pelo apoio visível e inequívoco ao programa.
· Padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados, terceirizados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos.
· Treinamentos de funcionários e terceirizados de forma periódica sobre o Programa de Integridade.
· Controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiras da pessoa jurídica bem como registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica.
· Canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé.
· Medidas disciplinares em caso de violação do Programa de Integridade.
· Monitoramento contínuo do Programa de Integridade, visando ao seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos.
· Diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão de terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados.
Esses são alguns pontos importantes de um programa de integridade sugeridos pelo ordenamento, mas devemos ressaltar, entretanto, que se trata de um rol básico.
A empresa, adaptando ao seu ramo empresarial, poderá adotar outras medidas que não estão listadas no ordenamento. Ocorre que os pontos listados pela lei seriam básicos para um programa de integridade e, portanto, devem estar presentes.
Entendemos serem pontos básicos, pois ao observar as leis e o decreto, verificamos de forma clara que serão pontos analisados pelos julgadores e, portanto, sua essência será observada e podendo até ser punida. Desta feita, ao listar tais pontos o ordenamento demonstrou que entende como pontos básicos e norteadores.
Desta forma, podemos concluir que o decreto, a lei federal e a lei estadual têm como objetivo reduzir os casos de corrupção através da obrigatoriedade de um programa de integridade que modifique a cultura da empresa. Um programa que seja observado e cumprido na rotina da empresa modifica a realidade não só da empresa, mas de toda a sociedade.
Um programa efetivo e comprometido é o fim desejado pelo legislador e não um programa no papel que não está presente no cotidiano da organização.
BIBLIOGRAFIA
Aragão, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo – 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
Coimbra, Marcelo de Aguiar e Manzi, Vanessa Alessi Manual de compliance – Preservando a Boa Governança e Integridade das Organizações. SP. Atlas, 2010.
Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo – 6ª ed. Ver. Atual. E ampl. – Rio de Janeiro :Forense, 2018.
Silva, Daniel Cavalcante. Compliance como boa pratica de gestão de ensino superior privado. São Paulo: Saraiva, 2015 fl.32.
Alessandra Del Debbio, Bruno Carneiro Maeda, Carlos Henrique da Silva Ayres, a Conway-hatcher .Temas de anticorrupção & compliance. RJ. Elsevier, 2013.
https://www.ibgc.org.br/governanca/governanca-corporativa
http://www.cgu.gov.br/assuntos/responsabilizacao-de-empresas/lei-anticorrupcao