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Conhecendo o novo Código Civil.

Série completa (3 partes)

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07/10/2005 às 00:00
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13-FIGURAS EXCLUÍDAS E ACRESCIDAS

Várias figuras contratuais não receberem novamente menção na lei codificada. O contrato de edição, por exemplo, que já havia\ sido revogado pela lei de direitos autorais, não recebu menção. Na mesma esteira seguem a locação de serviços, a representação dramática, a parceria rural, regrada pelo Estatuto da Terra posteriormente a edição do revogado C.C.

Outros isntitutos receberem tratamento dentro dos contratos, diversamente do que ocorria anteriormente. É o caso dos contratos comercias, da transação e do compromisso.


14- ATOS UNILATERAIS

Sob esta epígrafe estão reunidos quatro institutos que antes não tinham distribuição topológica seqüencial. Trata-se da promessa de recompensa, da gestão de negócios, pagamento indevido e enriquecimento sem causa.

Na promessa de recompensa, foi inserido expressamente o direito de reembolso por parte do contratante de boa-fé que tiver feito despesas quando ocorrer revogação da promessa antes de prestado o serviço ou implementada a condição. Na gestão, o texto apenas foi adaptado à nova numeração.

No pagamento indevido, foi inserida tratativa acerca do pagamento relativo a obrigação de fazer ou de não fazer, hipótese em que há obrigação de indenizar aquele que fez ou se absteve.

No caso de repetição relativa a coisa dada decorrente de fim ilícito, imoral ou proibido por lei, os bens serão destinados a instituição de beneficência, a critério do juiz. O código revogado era omisso quanto a esta destinação.


SEGUNDA PARTE

Síntese: Texto que efetua um resumo de todas as principais alterações operadas pelo novo código civil. Esta segunda parte abrange enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, títulos de crédito, direito empresarial e direito das coisas.


15- ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Os artigos 884-886 tratam do enriquecimento sem causa. A matéria não recebia tratativa específica no revogado código [44], o que não impedia a invocação do princípio como causa de pedir em diversas hipóteses, citando-se, por exemplo, o caso dos títulos prescritos [45].

Há também, expressa previsão de atualização monetária dos valores (leia-se, correção monetária) [46]. A restituição por enriquecimento somente não poderá ser pleiteada se a lei oferecer ao lesado outros meios de se reaver do prejuízo. Á evidência que a menção é a meios específicos, pois a ação ordinária é sempre possível.


16- TÍTULOS DE CRÉDITO [47]

A disciplina dos títulos de crédito não constava da lei civil revogada e encontrava-se esparsa em diversas leis extravagantes (mais de vinte). Estas várias leis não foram revogadas, pois as disposições codificadas são gerais. A epígrafe dos títulos de crédito encontra-se dividida em quatro capítulos a saber: disposições gerais, do título ao portador, do título a ordem e do título nominativo.

As disposições gerais iniciam por definir as características dos títulos de crédito, positivando princípios que eram versados pela doutrina. Tratam-se da cartularidade, da autonomia, da literalidade, da abstração e da independência.

A cartularidade caracteriza-se pela materialização do direito na figura de um documento [48]. Perecendo o título, salvo hipótese de substituição, perece do direito nele encartado. O exercício do direito também passa a ser condicionado pela exibição do documento respectivo. Da mesma forma, a transferência do título implica a transmissão dos direitos (art. 893).

A literalidade implica que a natureza e limite do direito constante da cártula será aferida pelo que nela estiver escrito. A própria lei cambiária estabelece o que pode ser escrito, limitando o conteúdo relevante do que consta do documento. Parafraseando a máxima latina relativa ao princípio da judicialização, poderíamos dizer que "quo nom est in titulus nom est in mondo". Tal é o que se depreende do artigo 889, caput, do C.C.

A autonomia tem por corolário a completa desvinculação da relação cambiária de qualquer outra relação anterior envolvendo os titulares anteriores ou obrigados, ao menos sob o prisma do exercício do direito. Quem possui o título "titula" a obrigação nele encartada, sem que se tenha de perquirir outra relação dessa pessoa com o obrigado.

Outras características são ditas acidentais pela doutrina. [49] São a abstratividade [50] e a independência [51]. Esta acidentalidade deve-se ao fato de que em certas hipóteses tais elementos são relativizados, pois o título eventualmente pode relacionar-se diretamente a um negócio jurídico ao qual se vincula [52].

De qualquer forma, prescreve o artigo 888 que a perda da qualidade de título de crédito não interfere no negócio jurídico subjacente. O título pode, segundo as regras específicas de cada espécie, circular livremente, e durante esta circulação, somente o título em si pode ser objeto de medidas judiciais ou ser dado em garantia (art. 895). A fim de proteger esta circulabilidade, o artigo 896 impede que seja intentada reivindicação sobre título adquirido pelo possuidor de boa-fé que o tenha obtido segundo as normas vigentes que disciplinam sua circulação.

Os títulos de crédito admitem garantia, que in casu é representada pelo aval. [53] O aval, que não pode ser parcial (art. 897, parágrafo único), e que pode ser dado mesmo após o vencimento do título (art. 900), torna o avalista equiparado ao por ele indicado ou ao devedor final ou emitente, sendo esta obrigação independente da do avalizado no que tange a nulidades, exceto as de forma (art. 899, § 2º). [54].

Os títulos podem ser ao portador, à ordem ou nominativos. Os primeiros tinham tratativa no revogado código (artigos 1.505-1.511). A transmissão dos títulos ao portador faz-se pela mera tradição e os direitos nele previstos são exercidos pela simples apresentação da cártula, cuja substituição pode ser exigida do emitente em caso de deterioração. Tal espécie somente pode ser emitido com autorização de lei especial, sob pena de nulidade (art. 907).

Os títulos à ordem podem ser transferidos mediante endosso, que se constitui pela assinatura no verso ou anverso do título, devendo ser incondicional e não podendo ser parcial. Assim como o aval, também pode ser constituído após o vencimento O endossante, salvo cláusula em contrário, não responde pelo cumprimento da obrigação constante do título. O devedor somente poderá opor ao portador as exceções pessoais que contra este tiver e as "relativas à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsidade da própria assinatura, a defeito de capacidade ou de representação no momento da subscrição, e à falta de requisito necessário ao exercício da ação." (art. 915). Mas se o portador tiver adquirido o título de má-fé, também as exceções pertinentes a portadores precedentes poderão ser manejadas.

O endosso pode tomar duas formas especiais, quais sejam o endosso-mandato e o endosso-penhor. Em ambos os casos, ao endossatário é conferido o exercício dos direito do título, somente podendo ser por ele endossado novamente na condição de procurador, sendo que no caso do endosso-mandato, com os mesmos poderes que recebeu. Mas o regime de oposição de excreções é diametralmente oposto. É que no caso do endosso-mandato, o devedor somente pode opor ao endossatário as exceções que tiver contra o endossante, ao passo que no endosso-penhor "não pode o devedor opor ao endossatário de endosso-penhor as exceções que tinha contra o endossante, salvo se aquele tiver agido de má-fé."(art. 918, § 2º).

O transmissão de título de crédito à ordem que não se perfaça por endosso será considerada como cessão de crédito (art. 919).

Os títulos nominativos diferenciam-se por constar o nome do beneficiário em registro específico do emitente. Também podem ser transmitidos por endosso, mas essa transferência somente gera efeitos quando averbada no registro do emitente.


17- RESPONSABILIDADE CIVIL E SEU CONTEÚDO

Assim como ocorria com o revogado código, a tratativa da responsabilidade civil é feita em dois locais distintos. No revogado código, a feição da responsabilidade civil era delineada no artigo 159 e seguintes, ao passo que os artigos 1.525 tratavam das obrigações por atos ilícitos. O novo diploma civil trata, nos artigos 927 e seguintes da responsabilidade civil, dividindo o título IX em dois capítulos. O primeiro trata da obrigação de indenizar e o segundo da indenização. Os artigos 186-188 definem o conteúdo do ato ilícito, o que tem ligação direta com a responsabilidade civil, vale dizer, também tratam do tema.

Mas é o artigo 927 que menciona a obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito, definido este nos termos dos citados artigos. Em seu parágrafo único, versa sobre a possibilidade de responsabilidade de cunho objetivo a qual pode surgir em duas hipóteses. A primeira na menção específica de lei. [55] A segunda diz respeito a atividades usualmente lavadas a efeito pelo autor do dano e cuja natureza implicar risco a outrem. Esta segunda hipótese amplia significativamente o espectro de abrangência da responsabilidade civil, ou do dever de indenizar, pois não está necessariamente relacionada a atos ilícitos.

De fato, os artigos 186 e 187 condicionam a existência do ilícito à presença de dolo ou culpa (stricto sensu) ou ao abuso do direito. Em ambas as hipóteses, a atuação do agente extrapola os limites de exercício lícito de atividade, sendo que no primeiro caso se busca o conteúdo da vontade. Na parte final do parágrafo único do artigo 927, temos situação diversa, pois o ato causador do dano pode encontrar-se dentro da esfera legítima de atuação do agente, ou seja, ser um ato lícito, e mesmo assim há o dever de indenizar, que surge, na hipótese, pela criação de risco que é assumido por este. Neste contexto, "basta a ocorrência de dano ligado causalmente a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo agente". [56]

Disto se infere que "o dever de reparar surge, em regra geral, de atos ilícitos, diante dos quais é necessária a demonstração de culpa, sem sentido largo, do lesante, e, em caráter excepcional, por força de disposição legal expressa ou de risco da atividade do agente, de atos lícitos, os quais geram aquele dever com base no fato de o agente ter colocado em ação forças que são de perigo e de potenciais danos para outrem". [57]

O artigo 928 determina que o incapaz responde pelos prejuízos que causar se os responsáveis não tiverem obrigação ou não dispuserem de meios suficientes. Disposição de teor assemelhado não existia no revogado código. Os responsáveis mencionados no dispositivo são os elencados no artigo 932. A situação dos incapazes apresenta problemas diante da responsabilidade aquiliana ou extracontratual. É que uma das formas do ato ilícito pressupõe culpa lato sensu (artigo 186), e utilizando-nos do aporte do Direito Penal, que é válido para a espécie na medida em que no Direito Civil não há conceituação específica dos elementos da culpa (dolo e culpa stricto sensu), observamos que o incapaz não pode cometer ato ilícito desta espécie.

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Quanto à responsabilidade por abuso de direito, por outro lado, não se há de olvidar que o incapaz é representado ou assistido, de modo que os responsáveis intervêm de maneira direta nos atos. No caso da assistência, há expressão da vontade do relativamente incapaz, mas no caso da representação não. Neste última hipótese, a responsabilização do incapaz estaria sendo feita de forma objetiva.

O parágrafo único do artigo estabelece que na responsabilização do incapaz a indenização será eqüitativa e não terá lugar se privar ou incapaz ou seus dependentes do necessário a subsistência. A eqüitatividade da indenização implica em que ela poderá não corresponder necessariamente ao prejuízo causado, e que deverá ser levada em consideração, como fator de redução, a condição do agente. Eqüitatividade na prática, traduz-se em mitigação da correlação entre prejuízo indenização. A limitação na abrangência em relação ao necessário relaciona-se à sobrevivência digna, dentro de padrões aceitáveis e reflete o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da CF/88), e coaduna-se com o objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização (artigo 2º, inciso III, da CF/88). São regras que deverão ser observadas pelo magistrado quando da fixação do montante da indenização. Porém, contrario sensu, se o incapaz houver de arcar com o dever de indenizar e tiver condições para tanto, o direito do prejudicado a uma integral reparação não deverá ser descurado, de modo que a equitatividade não pode servir de arrimo a iniqüidade.

O artigo 929 tem parcial correspondência com o artigo 1.519 do revogado código na medida em que ambos tratam da possibilidade de indenização para dono da coisa no caso de estado de necessidade. A regra segundo a qual se este, o proprietário, não for culpado, poderá pleitear indenização permanece. Mas a redação agora passa a abranger também "a pessoa lesada". A indenização pode ser pleiteada em relação ao terceiro, culpado pelo perigo, ou em relação ao beneficiário do ato que causou o dano.

O artigo 931, sintonizando-se com o CDC, estabelece que os empresários individuais e as empresas respondem objetivamente pelos danos causados por produtos postos em circulação. Poderia e deveria ter mencionado também os serviços.

O artigo 932 é uma regra de extensão que corresponde ao artigo 1.521 do revogado código. As hipóteses de responsabilização indireta são as mesmas, mas o seu regime no que diz á prova é totalmente diverso. De fato, observa-se que consoante o artigo 1.523 do revogado código, havia necessidade de comprovação de que as pessoas elencadas nos artigos 1.521 e 1.522 haviam concorrido para o dano pelo menos com culpa ou negligência (sic). [58] Excetuava-se o caso do inciso V do artigo 1.521, que dizia respeito aos que houvessem participado do produto do crime. Em alguns casos a concorrência para o dano era presumida, conforme se pode ver da Súmula 341 do STF, mas a responsabilidade era subjetiva.

O artigo 933, porém, inverte completamente esta orientação, pois determina que a responsabilidade dos elencados no artigo 932 ocorre "ainda que não haja culpa da sua parte". Agora a responsabilidade abarca a todos é objetiva.

Foi mantida a relativa separação das esferas cíveis e criminais. Na possibilidade de afastamento do dever de indenizar decorrente de atos de animais, não há um rol de circunstâncias, mas mera menção genérica à prova de culpa da vítima ou força maior.

Os co-autores e pessoas designadas no artigo 932, assim como ocorria com os mencionados no artigo 1.521 do revogado C.C., respondem solidariamente com o causador direito do dano.

No que diz respeito à indenização, o artigo 944 positiva princípio que já era de inquestionável aplicação, qual seja o da reparação integral, de acordo com o qual a indenização deve corresponder ao dano causado. Se por um lado não pode restar, ao menos em tese, resíduo de prejuízo ao atingido, por outro também não se há de admitir a denominada industria do dano, que se formou sobretudo em relação ao dano moral, onde não há parâmetros objetivos para quantificação.

Mas no parágrafo único fica permitida a redução eqüitativa da indenização se houver desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Se houvesse uma inarredável correspondência entre dano e prejuízo sempre, algumas situações como por exemplo a de concorrência de causas não imputáveis ao agente não poderiam ser mensuradas.

Na esteira desta constatação, ou seja, de que podem haver concausas, o artigo 945 permite a redução da indenização diante da culpa concorrente da vítima, critério consagrado pela doutrina e pela jurisprudência. Salvo melhor juízo, tal possibilidade de redução é igualmente válida para as hipóteses, todas, de responsabilidade objetiva.

A apuração dos valores, na inexistência de disposição legal ou contratual, far-se-á de acordo com a lei processual civil, vale dizer, por artigos (art. 608 do CPC) ou arbitramento (art. 609 do CPC), conforme se depreende da dicção do artigo 946 do C.C.

Na quantificação da indenização em caso de morte da vítima, o artigo 948, inciso II, inova em relação ao artigo 1.537, inciso II, do revogado código, acrescendo a provável duração da vida da vítima. [59] Embora a lei não o diga, a Súmula 491 estabelece que também a morte de filho menor enseja o pagamento de indenização, ainda que não exerça trabalho remunerado. Escusado referir que a indenização mencionada é a título de pensionamento para os ascendentes, pois o prejuízo com tratamento e outros e o dano moral são certamente indenizáveis. No caso de morte de filho, leva-se em conta o auxílio que este presumidamente daria aos pais durante a vida destes, devendo ser reduzido pensionamento quando o filho atingiria idade por volta dos 26 anos. Esta redução, que encontra respaldo em precedentes do STJ [60], leva em conta o fato de que provavelmente o filho constituiria família própria, reduzindo-se a possibilidade de auxílio.

Em caso de pensionamento por redução da capacidade laborativa, a redação do artigo 950 corresponde a do artigo 1.539 do revogado código, mas a inserção de um parágrafo único permite que o beneficiário exija o pagamento da indenização de uma só vez.

As regras acerca da fixação do montante da indenização aplicam-se aos casos de erros médicos (artigo 951).

No caso dos danos decorrentes de violação à liberdade pessoal, o artigo 1.552 do revogado código limitava o dever de indenizar a autoridade que determinou a prisão ilegal. No código vigente inexiste limitação deste jaez. Porém, à evidência que a responsabilização não pode atingir aqueles que estavam em cumprimento de ordem não manifestamente ilegal.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código Civil.: Série completa (3 partes). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 826, 7 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7234. Acesso em: 16 abr. 2024.

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Fusão de série de três trabalhos do autor, com o título: "Conhecendo o novo Código Civil"

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