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Conhecendo o novo Código Civil.

Série completa (3 partes)

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07/10/2005 às 00:00
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20- DIREITO DAS COISAS

O direito das coisas abrange os artigos 1.196 a 1.510. Embora mantida grande parte da disciplina do código anterior, algumas modificações significativas foram introduzidas A partir de agora trataremos da posse, propriedade, e direitos reais em espécie.

De antemão, porém, se pode dizer que o novo código civil adotou alguns pontos de vista que refogem a tradicional disciplina privatista do direito das coisas. A revisão legislativa também conduziu à exclusão de vetusto instituto.


21-POSSE [70]

As feições da posse não foram substancialmente alteradas, continuando sua definição legislativa associada ao exercício de algum dos poderes inerentes a propriedade (a expressão domínio não foi repetida) [71]. Mas há melhorias na redação dos dispositivos.

O artigo 1.197 por exemplo, passa a expressamente admitir que o possuidor direto defenda sua posse contra o indireto, o que não era negado pela doutrina e pela jurisprudência, mas que agora está positivado.

O artigo 1.198, ao definir o detentor, menciona esta qualificação, o que não acontecia com o artigo 486 do revogado C.C., e, em um parágrafo único, estabelece a presunção de relação de detenção quando o agente manifestar o comportamento definido no caput.

Permanece intacta a classificação da posse justa como aquela que não é clam, vis ou precária.

No que diz respeito à aquisição, o artigo 1.204 não repete o conteúdo do artigo 493 do revogado código. O artigo 1.204 determina que a posse somente é adquirida quando é possível o exercício proprio nomine de qualquer dos poderes inerentes a propriedade. Talvez a redação do dispositivo não tenha sido muito precisa ao mencionar a "possibilidade" de exercício. Possibilidade de exercício sempre há. Tem que existir algo mais, um poder de fato que gera a possibilidade de exercício das faculdades inerentes ao domínio. [72]

No artigo 1.205, foi excluída uma das hipóteses do artigo 494 do revogado código, e outra foi aglutinada. Com efeito, não foi repetida a menção ao constituto possessório e a aquisição pela própria pessoa foi seguida diretamente pela menção a representante. As demais disposições foram repetidas em relação ao Codex anterior.

Nos efeitos da posse, o artigo 1.210 prevê, além da proteção possessória de manutenção, em caso de turbação, e restituição, em caso de esbulho, a segurança ao possuidor em caso de "violência iminente, se tiver justo receio de se molestado". No caso de turbação e esbulho, o possuidor pode fazer uso dos interditos possessórios. No caso de violência iminente, poderá valer-se do interdito proibitório, que é uma forma de tutela inibitória (artigo 932 do CPC, que deve ser aplicado conjuntamente ao artigo 461 do mesmo diploma).

Verifica-se nesta parte final mais um fundamento para a tutela liminar da posse, que encontra previsão no CPC. Destarte, a natureza preventiva da tutela implica em que a intervenção judicial tenha de operar-se antes de ocorrer a turbação ou o esbulho, o que logicamente conduz à figura da tutela liminar.

Do dispositivo se podem extrair ilações que nos conduzem ainda mais longe. É que não se repete a figura do prazo de ano e dia que se mantém, porém, no CPC. Mas como o C.C. é lei posterior, e se prevê a tutela liminar sem prazo específico, podemos sustentar o cabimento da antecipação de tutela ex artigo 273 do CPC, com base neste artigo 1.210, sem necessidade de observação de prazo específico e em concomitância alternativa com a liminar específica [73].

O parágrafo primeiro contempla o desforço pessoal, antes previsto no artigo 502 do revogado código.

A alegação de propriedade (e não mais a de "domínio") continua a não obstar a reintegração ou manutenção de posse. Mas não se repetiu a ressalva antes constante do artigo 505 do código revogado segundo a qual "não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio". A alegação tornou-se inviável como exceção no pleito possessório, e somente poderá surtir efeito como mero elemento de convicção. Os demais artigos repetem disposições do revogado código.

As disposições acerca da perda da posse foram bastante simplificadas, citando o artigo 1.223 a perda do poder fático, referida no artigo 1.196.


22- PROPRIEDADE

O revogado código tratava separadamente da propriedade e posteriormente dos "direitos reais sobre coisa alheia". No código vigente, o título II trata dos direitos reais e a propriedade é o primeiro deles (art. 1.225, inc. I); Todavia, pela importância do instituto, efetuaremos uma abordagem separada da propriedade, seguindo posteriormente com os demais direitos reais.

O código não define a propriedade. O artigo 1.228, nos moldes do artigo 524 do revogado código, inicia por fixar-lhe os contornos, mas foram inseridos cinco parágrafos de largo alcance.

Deveras, prescreve o parágrafo primeiro que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas." Cuida-se, em síntese, da função social da propriedade [74].

A função social da propriedade surgiu com o constitucionalismo social, cujas raízes remontam ao início do século passado. Sua positivação em legislação infraconstitucional foi, porém, mais lenta, podendo ser citado como paradigma o código civil italiano da década de quarenta. No Brasil, já podíamos identificar reflexos da função social da propriedade em legislações relativas a desapropriação [75] e agrária [76]. No âmbito do direito constitucional, o preceito já existia nas Constitutições de 1946 e 1967.

A Constituição Federal de 1988 expressamente agasalhou o princípio, como se pode ver dos artigos 5º, inciso XXIII e 170, inciso III. Também é objeto de menção nos artigos 182, § 2º [77], e 186 [78], da CF/88.

É da interpretação sistemática e conjunta de todos estes dispositivos que extraímos a feição e o espectro da função social da propriedade, cuja conseqüência mais evidente reside na mitigação do privatismo absoluto que foi erigido a dogma maior na tratativa da temática.

O parágrafo segundo versa sobre o abuso do direito de propriedade, que é uma modalidade do abuso de direito, ato ilícito (artigo 187) apto a ensejar indenização. Consoante o preceptivo, "são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem." A presença de intenção de prejudicar caracteriza, aliás, prática dolosa, que pode ensejar, inclusive, responsabilização penal dependendo da conformação fática.

O parágrafo 3º é relativo à desapropriação, e nada mais faz do que repetir conteúdo constitucional, mais precisamente o artigo 5º, inciso XXIV, da CF/88.

Diz o parágrafo quarto do artigo 1.228: "O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante." É um fundamento novo para a expropriação, pois não se cuida do usucapião urbano do artigo 183 da CF/88, e tampouco de desapropriação para reforma agrária, do artigo 184 da Carta Constitucional.

De fato, observa-se que não se repete a limitação do artigo 183 em termos de limitação do tamanho da área ou da inexistência de propriedade de outro imóvel ou mesmo da destinação dada à área (moradia própria).

Por outro lado, não se cogita de destinação específica para reforma agrária ou necessidade de aferição de requisitos de produtividade. Aliás, a rigor a desapropriação in casu, pode dar-se tanto em áreas rurais como urbanas na ausência de limitação expressa.

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Na verdade, o que temos é um verdadeiro usucapião coletivo, onde a legitimidade para postulação é dos beneficiários. [79] O dispositivo atingirá situações de loteamentos irregulares e mesmo de áreas rurais invadidas.

O artigo 1.230 estabelece dicotomia entre a propriedade do solo e as jazidas, recursos minerais, potenciais de energia hidráulica, monumentos arqueológicos [80] e outros referidos em leis especiais, excetuando a possibilidade de utilização dos recursos minerais para emprego na construção civil, desde que não haja industrialização prévia. [81]

A seção II trata da descoberta, denominada no antigo código de "invenção". Como novidades temos o parágrafo único do artigo 1.234, relativo à fixação do montante da recompensa do que efetuar a restituição da coisa achada [82], e a determinação de que em caso de não ser encontrado o proprietário e vendidos os bens, haver destinação do valor, deduzidas as despesas, ao Município, e não mais ao Estado ou União.

No que diz respeito às formas de aquisição da propriedade imóvel, o novo código não repetiu a disciplina do revogado, que partia de uma enumeração legal (art. 530), voltando-se para a tratativa imediata das formas, a qual inicia-se pela usucapião.

Na usucapião, tivemos mudanças, a iniciar pelos prazos. A prescrição longi temporis (usucapião extraordinária) foi reduzida para quinze anos. Este prazo é reduzido para dez anos se o possuidor houver "estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".

As formas de usucapião rural e urbano, de pequenas propriedades, de até 50 hectares e lotes de até 250 metros quadrados, foram inseridas no C.C. Em ambos os casos há aplicação direta do princípio da função social da propriedade, embora não expressamente mencionado. No caso das pequenas propriedades rurais, há, ainda, incidência do princípio da valorização do trabalho [83], e no segundo, no de lotes urbanos, da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF/88).

Na usucapião ordinária, que carece de justo título além da boa-fé, os prazos também foram reduzidos para dez e cinco anos, neste último caso desde que adquirido onerosamente e registrado, ainda que cancelado posteriormente o registro, e desde que tenha sido instalada no local moradia ou realizados investimentos de interesse econômico e social (art. 1.242). [84]

A aquisição pela transcrição do título teve a redação dos dispositivos simplificada. O artigo 1.245 deveria ter mencionado em seu caput que a propriedade que é transmitida necessariamente por esta forma é a imóvel, o que pode, porém, ser inferido da menção a Registro de Imóveis. A eficácia do registro tem por termo a data de apresentação para protocolo (prenotação), ainda que a data do efetivo lançamento do registro (lato sensu) seja posterior.

Na aquisição por acessão, o regramento relativo ao aluvião não mais repete disposição pertinente ao avanço ou recuo de águas estagnadas, que constava no artigo 539 do revogado código.

Na tratativa acerca das construções e plantações, o artigo 1.255 estabelece a possibilidade de o que age de boa-fé, construindo ou plantando, adquirira a propriedade do solo, desde que o valor da plantação ou construção seja consideravelmente maior do que a da propriedade do solo.

A mesma possibilidade existe para o construtor que invadir área alheia, de boa-fé, desde que não seja superior a 1/20 da área lindeira e o valor da construção seja consideravelmente maior do que o da área, pagando indenização. Se de má fé, para adquirir a propriedade pagará as perdas e danos em décuplo.

Se a invasão for de boa fé e maior do que 1/20, pagará perdas e danos, contabilizando-se a desvalorização da área, o valor da área perdida e mais o valor acrescido a sua (art. 1.259. Se de má fé, é obrigado a demolir e pagar mais perdas e danos.

No caso dos móveis, temos prazo de usucapião de três anos para a usucapião ordinária e de cinco para a extraordinária. A tradição é a fórmula por excelência na transmissão da propriedade dos móveis [85], seja ela brevi manu o longa manu. [86] O código vigente manteve quase intacta a tratativa da tradição, assim como em relação à especificação, confusão, comissão e adjunção e ao achado de tesouro.

Nas hipóteses de perda, o prazo para arrecadação de imóveis foi unificado em três anos, sejam rurais ou urbanos.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código Civil.: Série completa (3 partes). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 826, 7 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7234. Acesso em: 6 mai. 2024.

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Fusão de série de três trabalhos do autor, com o título: "Conhecendo o novo Código Civil"

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