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Conhecendo o novo Código Civil.

Série completa (3 partes)

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07/10/2005 às 00:00
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23- DIREITOS DE VIZINHANÇA [87]

O direito de vizinhança é campo profícuo para conflitos e pode-se dizer que a redação do artigo 554 do revogado código não fornecia a flexibilidade necessária para o trato da matéria, no que o vigente diploma foi mais feliz.

Dessarte, ao tratar do direito de impedir as interferências prejudiciais, o artigo 1.277, sem eu parágrafo único, determina que "proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança." [88]

Mas a proibição cai por terra quando as interferências "forem justificadas por interesse público", o que não afasta, porém a indenização (art. 1.278 e 1.279).

Nas árvores limítrofes não há novidades, mas a disciplina da passagem forçada foi simplificada, não se repetindo as disposições dos artigos 561 e 562 do revogado código que tratavam da perda do direito e dos casos onde não seria considerada passagem forçada a existência de passagens particulares. O novo C.C. trata, porém, da transmissão da obrigação em caso de alienação. Foi acrescido o dever de tolerar o proprietário a passagem de cabos e tubulações.

Na tratativa das águas, o C.C repete previsões do revogado código e insere outras que já existiam no denominado Código de Águas (Decreto nº 24.643/34), no sentido de garantir o acesso á água de forma democrática, sempre ressalvado o direito de indenização do prejudicado. Coíbem-se as práticas de abuso de direito que poluam ou desviem indevidamente águas em prejuízo dos demais utilizadores. [89]

Na limitação entre prédios e tapagem, não se observam modificações, mas no caso do direito de construir, a distância de 75 centímetros foi estabelecida para janelas ou abertura que não tenha abertura direta sobre a linha divisória, mantidas as demais disposições. Foi mantido o prazo de ano e dia para a oposição do prejudicado postulando o desfazimento da obra. Em edificações rurais, o limite de distância entre edificação e terreno vizinho passou para três metros (antes era de metro e meio). Ficam vedadas construções, inclusive escavações, cuja execução coloque em risco prédios vizinhos sem prévia execução de obras acautelatórias.


24- CONDOMÍNIO GERAL E EDILÍCIO

O condomínio é dito sementeira de conflitos e não sem razão, sendo situação cuja manutenção não é estimulada pelo direito positivado. Pouco foi alterado em relação ao condomínio geral no código vigente.

Novidade, sem dúvida há na incorporação da disciplina do condomínio edilício, cuja presença na época do código de 1916 não justificou legislasse sobre a matéria o revogado C.C. A matéria foi, então, regulada pela Lei nº 4.591/64, denominada Lei de Condomínio e Incorporações, a qual era dividida em duas partes distintas, sendo pertinente ao condomínio os artigos 1º a 27.

O condomínio edilício caracteriza-se pela existência de partes que são propriedade exclusiva de cada condômino e partes que são propriedade comum. As partes de propriedade exclusiva podem ser alienadas livremente e a elas corresponde uma fração do solo e partes comuns, calculada proporcionalmente de acordo com o valor da unidade imobiliária, o qual é apurado em vista do valor da edificação. São inseparáveis as partes acessórias das frações ideais correspondentes, assim como em relação a estas, o direito de fruição das áreas comuns. É permitida a alienação da partes acessórias de um condômino para outro, e excepcionalmente para terceiros se a convenção assim o permitir.

O condomínio edilício pode ser instituído por ato inter vivos ou causa mortis (testamento), devidamente registrado no cartório de registro de imóveis. Sua constituição demanda convenção, que deve ser subscrita por no mínimo 2/3 dos titulares das unidades, e que vale desde já entre os condôminos, mas que carece de registro no CRI. A convenção deverá conter disposições nos moldes dos artigos 1.332 e 1.334 do C.C.

O condômino tem deveres (art. 1.336) [90] e direitos (art. 1.335) [91], e pode ser compelido a pagar multa de até o quíntuplo do valor da contribuição condominial por força de decisão tomada por ¾ dos condôminos em assembléia, em caso de falta com seus deveres.

A mora no pagamento da contribuição condominial sujeita o inadimplente a juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 2% do débito. Esta multa, no regime da Lei nº 4.591/64 podia alçar o percentual de 20% (art. 12, § 3º).

Salvante os reparos urgentes, todas as demais obras dependem de autorização da assembléia, sendo que a construção de outro pavimento ou edifício no solo depende da unânime aprovação dos condôminos. Mas o condômino que fizer obras e reparos necessários será reembolsado.

A administração do condomínio é lavada a cabo por um síndico, que pode ou não ser condômino, eleito por assembléia, para um período de até dois anos. Autorizado pela assembléia, pode ele delegar algumas de suas funções a terceiros. Para análise de suas contas,.pode ser instituído conselho fiscal com três membros instituídos para dois anos.

Salvo necessidade de quorum especial, as decisões da assembléia são tomadas pela maioria do condôminos, presentes mais da metade do número total, em primeira convocação, e mais da metade dos presentes em segunda convocação. Mas a mudança de destinação do condomínio ou unidade depende de aprovação unânime.


25- PROPRIEDADE RESOLÚVEL E FIDUCIÁRIA

A propriedade resolúvel já tinha previsão nos artigos 647 e 648 do revogado código e os artigos 1.359 e 1.360 repetem o texto daqueles dispositivos.

A propriedade fiduciária não tinha tratativa codificada, e era objeto de normatização pela Lei nº 4.728/65, artigo 66 seguintes. Este artigo, em seu caput, a definia como o negócio jurídico que "transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.’

No artigo 1.361 do código civil vigente sua definição é bem mais simples, afirmando o dispositivo que "considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia transfere ao credor" [92].

Outrora, havia determinação de registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos a fim de que valesse contra terceiros. O parágrafo primeiro do artigo 1.361 determina, porém, que somente se constitui a propriedade fiduciária mediante esta providência. Em caso de veículos, deverá constar menção a propriedade fiduciária no respectivo registro administrativo.

Continua a vedação do pacto comissório, não podendo o credor tomar para si o bem. O devedor, por outro lado, pode usufruir do bem de acordo com sua destinação ordinária, mas fica obrigado como depositário.


26- DIREITO DE SUPERFÍCIE

Este direito real demanda uma epígrafe separada para sua tratativa, pois representa novidade no direito brasileiro. O denominado direito superficiário não é da tradição do direito brasileiro, onde a propriedade imobiliária sempre implicou a unidade do imóvel (superfície e subsolo).

O direito de superfície "é direito real imobiliário, autônomo e limitado" e se caracteriza pelo direito de "construir ou plantar em terreno alheio por prazo determinado". [93]

Não ficam inviabilizadas construções no subsolo se inerentes ao objeto da concessão (art. 1.369, parágrafo único). [94]

A concessão, que pode ser gratuita ou onerosa, implica transmissão dos ônus relativos a encargos e tributos, e pode ser transmitida a terceiros ou aos herdeiros do superficiário, não podendo o concedente estipular nenhum pagamento pela transferência. Quer em caso de alienação do imóvel como do direito de superfície, tem o proprietário e o superficiário direito de preferência.

A finalidade estipulada pelo concedente obriga o superficiário, de modo que se der destinação diversa da estabelecida, resolve-se a concessão. Em caso de extinção, seja por que motivo for, somente haverá indenização pela construção ou plantação, que passa a pertencer ao concedente, se assim se houver estipulado. Em caso de desapropriação, a indenização será para o proprietário e para o superficiário, em correspondência ao direito de cada um.

O direito em testilha constitui-se por escritura pública, que deverá ser levada a registro. Há também, previsão do direito de superfície no Estatuto das Cidades (lei nº 10.257/01).

Na doutrina [95], suscita-se a possibilidade de aquisição originária deste direito, o que na prática é extremamente difícil de ocorrer. Realmente, quem exerce a posse pode postular o usucapião da propriedade, faltando interesse em postular-se mero direito superficiário [96].


27- OUTROS DIREITOS REAIS

Os demais direitos reais já tinham previsão no revogado código e sua disciplina foi em essência mantida, pelo que receberão tratativa sob o mesmo título.

Nas servidões, estabeleceu o artigo 1.380 que poderão ser constituídas por declaração expressa dos proprietários ou por testameneto, seguidos do registro. No caso das servidões aparentes, os prazos para usucapião são agora de 10 ou 20 anos, conforme exista ou não justo título (foi suprimido o prazo de 15 anos, mencionado no artigo 698 do revogado código). Há agora, por força do artigo 1.384 possibilidade também de o dono do prédio dominante mudar de local a servidão, as suas custas, se houver considerável incremento e não implicar em aumento de gravame para o prédio serviente. A ampliação da servidão também poderá ocorrer se "as necessidades da cultura ou da indústria do prédio dominante o impuserem", sempre com indenização ao proprietário do prédio serviente, que é obrigado a tolerar a ampliação.

No usufruto, haverá necessidade de registro quanto a imóveis desde que não resulte de usucapião. Antes, tal providência era dispensada se resultasse de "direito de família" (art. 715 do revogado código). No regime do revogado código, o usufruto era alienável ao proprietário da coisa, com possibilidade de cessão do exercício a terceiros a título gratuito ou oneroso. O artigo 1.393 afirma que não se pode transferir o usufruto por alienação, sem fazer qualquer ressalva. Nos direitos e deveres do usufrutuário, pouco mudou, mas agora é obrigado a dar ciência ao dono de qualquer lesão à posse ou aos direitos deste. Nas formas de extinção, notam-se pequenas modificações. Foi inserida a renúncia do usufrutuário. Em caso de pessoa jurídica, se ela própria não se extinguir, o prazo limite de duração de 100 anos foi reduzido para 30. Na destruição da coisa, foi suprimida a menção a ser não ser fungível. No caso de culpa do usufrutuário, foi inserida a disposição de deixar de dar a destinação específica aos valores relativos a títulos de crédito, nos termos do artigo 1.395.

Quanto ao uso e habitação, foram feitas somente modificações redacionais e de estilo.

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Foi inserido o direito do promitente comprador, que tinha previsão legislativa no Decreto-lei nº 58/37 e na Lei nº 6.766/79, que disciplina o parcelamento do solo urbano. A promessa de compra e venda é contrato, celebrado por instrumento público ou privado, que, se não pactuado direito de arrependimento [97] e devidamente registrada no Registro de Registro de Imóveis, confere ao promitente comprador direito a aquisição do imóvel, vale dizer, à celebração do contrato de transmissão da propriedade ou providência equivalente, seja a adjudicação compulsória com rito sumário ou pedido cominatório.

O regime do Decreto-lei nº 58/37 estava condicionado ao registro do contrato (Súmula 167 do STF), salvo se o promitente vendedor tivesse se obrigado a fazê-lo. Mas a inscrição imobiliária poderia ser feita no curso de ação (Súmula 168 do STF). Não obstante, a interposição de embargos de terceiro escudada na alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda, ainda que desprovido de registro, é admitida (Súmula 84 do STJ). Por força do artigo 1.417 do C.C, caí por terra a Súmula 239 do STJ, que previa possibilidade de adjudicação mesmo sem o registro do contrato. [98]

Nas disposições gerais pertinentes ao penhor, anticrese e hipoteca, que não estão mais sob a epígrafe "direitos reais de garantia", embora mantida a vedação ao pacto comissório, há possibilidade de o devedor dar a coisa em pagamento após vencida a dívida.

No caso específico do penhor, a cláusula constituti, que permitia que o bem ficasse em mãos do devedor, além do penhor agrícola e pecuário, foram inseridos o industrial, o mercantil e o de veículos (art. 1.431, parágrafo único). O artigo 1.432 expressamente determina que o penhor deverá ser levado a registro junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Os artigos 1.433 e 1.435 elencam os direitos [99] e deveres [100] do credor pignoratício.

No penhor legal, há, agora, possibilidade de o locatário impedir sua constituição mediante caução idônea. Ao efetivar o penhor legal, o credor deverá passar recibo ao devedor dos bens de que se apossar.

O penhor rural pode ser agrícola ou pecuário, sendo admitida em ambos a emissão de cédula rural pignoratícia. Para sua constituição, há necessidade de registro no Cartório de Registro de Imóveis. Os prazos, segundo o artigo 1.439. são de três anos para o penhor agrícola e quatro para o pecuário, prorrogáveis por igual período.

O penhor industrial não era objeto de tratativa codificada, mas sim de legislação extravagante, mais precisamente do Decreto-lei nº 413/69. O mercantil tinha previsão no C.Com. Para ambos há necessidade de registro do instrumento, público ou particular, no Registro de Imóveis sendo admissível a emissão do respectivo título de crédito.

Também inova o código ao prever a possibilidade de penhor de direitos e títulos de crédito. [101] O penhor de direitos faz-se mediante registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos do respectivo instrumento público ou particular. Pode ser constituído mais de um penhor sobre o mesmo direito, gerando-se direito de preferência, que é perdido, porém, se o credor, diante da notificação de um dos demais credores deixar de promover a oportuna cobrança.

Já o penhor sobre título de crédito constitui-se por instrumento público ou particular, ou endosso pignoratício e tradição do título. O devedor, uma vez intimado do penhor, não pode pagar ao credor originário, sob pena de responder solidariamente com este perante o credor pignoratício.

Também poderão ser objeto de penhor os veículos, agora com previsão específica. Tal penhor constitui-se pelo registro do título no Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor e anotação do certificado de propriedade. O prazo máximo é de dois anos, prorrogável por mais dois, com a respectiva averbação no registro. A alienação ou mudança do veículo sem anuência do credor importa em vencimento do penhor.

No rol de bens passíveis de hipoteca, foram acrescidas as aeronaves (art. 1.473. O artigo 1.475, em disposição que não existia no revogado código, estabelece que é nula a cláusula que impede o proprietário de alienar o bem hipotecado, podendo ser convencionado que a alienação implicará vencimento do crédito hipotecário, mas foi mantida a possibilidade de mais de uma hipoteca sobre o mesmo bem.

O adquirente de imóvel hipotecado pode exonerar-se abandonando o imóvel, desde, é claro, que não tenha se obrigado pessoalmente para com os credores. Tal faculdade poderá ser exercida até 24 horas após a citação executiva. Poderá, também, remir a hipoteca dentro de trinta dias do registro do título aquisitivo, e se não o fizer, ressarcirá aos credores hipotecários a desvalorização que por sua culpa o bem vier a sofrer mais as despesas judiciais, ficando porém, assegurado o direito de regresso contra o alienante. Poderá, igualmente, remir o imóvel até a publicação da sentença de adjudicação ou assinatura do auto de arrematação.

A hipoteca pode ser prorrogada por mera averbação por até vinte anos, após o que novo título será necessário. Fica possibilitada a emissão da cédula hipotecária, autorizada pelo credor e pelo devedor. Também é possível a constituição de hipoteca para garantia de dívida futura ou condicionada e sobre imóvel que posteriormente venha a ser fracionado. No primeiro caso, fica a execução condicionada ao consenso de credor e devedor quando ao implemento da condição e valor, gerando-se em caso de impugnação, incidente cognitivo, com ônus da prova a cargo do credor. No segundo, há o fracionamento do ônus para as unidades, não podendo o credor opor-se, salvo se provar que o fracionamento implica diminuição garantia. O desmembramento afasta a responsabilidade do devedor originário por eventual saldo após a execução da hipoteca.

A hipoteca legal poderá ser substituída por caução de títulos da dívida pública (art. 1.491), mas continuam a dever ser registradas e especializadas (art. 1.497). O prazo para o julgamento de dúvida permitir a retroatividade do registro à data do protocolo passou de trinta para noventa dias (1.496).

Nas formas de extinção, não foram mencionados, como ocorria com o artigo 849 do revogado código, a sentença passada em julgado e a prescrição. A arrematação ou adjudicação não extingue a hipoteca sem a notificação judicial dos demais credores hipotecários que não forem partes na execução. A hipoteca de vias férreas foi mantida cm poucas alterações.

Na anticrese, a possibilidade de hipoteca se estende também a terceiros, e não somente ao credor anticrético. Há estipulação de necessidade de apresentação de balanço anual pelo credor, e se o devedor anticrético o impugnar, poderá requerer a transformação em arrendamento.

O registro da anticrese legitima o credor a vindicar seus direitos frente ao adquirente do bem, credores quirografários e os hipotecários posteriores ao registro. Em caso de execução, tem o credor titular da anticrese de exercer seu direito de retenção, sob pena de o perder (art. 1.509). Ao adquirente de bem gravado de anticrese é facultada a possibilidade de remir os bens. O credor anticrético não tem o preferência sobre a indenização do seguro nem tampouco em relação á desapropriação.

A criticada anfiteuse não foi prevista no novo C.C. sendo defesa a constituição de novas anfiteuses, subenfiteuses ou a cobrança de laudêmio ou prestação análoga em relação à transmissões de bens aforados, sobre o valor das construções ou plantações.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código Civil.: Série completa (3 partes). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 826, 7 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7234. Acesso em: 19 mai. 2024.

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Fusão de série de três trabalhos do autor, com o título: "Conhecendo o novo Código Civil"

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