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Terras públicas

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07/09/2005 às 00:00
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9- Permissão, Autorização, Cessão e Concessão.

            Estes institutos aplicam-se aos bens de uso comum e especial. A autorização é definida como o ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público, não tendo forma nem requisitos especiais para sua efetivação, pois que se presta a atividades transitórias para a Administração [57].

            Di Pietro elenca as características da autorização: a) reveste-se de maior precariedade [58] do que a permissão e a concessão; b) é outorgada, no mais das vezes em caráter transitório; c) confere menores poderes e garantias ao usuário; d) dispensa licitação e autorização legislativa; e) não cria para o usuário um dever de utilização, mas simples faculdade. [59] Segundo a mesma autora, as autorizações podem ser simples ou qualificadas, estas últimas ocorrendo quando ocorre a fixação de prazo, o que faz com que se gere uma certa estabilidade na medida em que a Administração obriga-se a respeitar o prazo da autorização [60]. Mas é de ser lembrado que a possibilidade de dispensa de licitação, que surge pelo caráter precário da autorização, não torna a autorização um ato administrativo indene ao controle de sua legalidade pelos meios ordinários.

            A permissão de uso é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário, através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público [61], podendo ser com ou sem condições, gratuita ou remunerada, por tempo certo ou indeterminado, atingindo qualquer espécie de bem [62]. Podemos classificá-las em permissão de primeiro e de segundo grau, consoante se proceda a utilização com empresa ou não, entendida empresa como a utilização de instalações onerosas que se aprofundem no solo ou que aparelhem a parte do domínio ocupado para melhor aproveitamento do local [63].

            A concessão é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público para que a exerça conforme sua destinação. [64] Na definição de Hely Lopes Meirelles, a concessão "é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explore segundo sua destinação específica" [65], podendo ser ou não remunerada ou gratuita, mas sempre precedida de autorização legal.

            Da sua natureza contratual deflui uma estabilidade e uma proeminência do interesse público que a torna incedível sem prévia autorização. Da mesma forma, como contrato administrativo, pode ter suas cláusulas alteradas mediante composição dos danos [66]. Haja vista esta sua caraterística, presta-se preferencialmente à atividades públicas de maior envergadura.

            Temos ainda a cessão de uso, que é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado [67], sendo um ato de colaboração entre repartições públicas. Para Di Pietro, tratar-se-ia de uma espécie do gênero concessão [68]. Invocando a legislação, mais precisamente os artigos 125 e 126 da lei 9.760/46 e Decreto-lei 178/ 67, a autora ressalva que a cessão será sempre por tempo determinado, discrepando da posição antes referida.


10- Da Formação do Patrimônio Público

            Os bens de propriedade do Estado são adquiridos por formas próprias do direito público e por formas comuns do direito privado. Pode o Estado, por exemplo, aceitar doações e é também sucessor dos bens vagos. O recebimento de doações, contudo carece de autorização legislativa a teor do artigo 19 da Constituição, se feitas com encargo. Os bens de heranças vagas passarão ao patrimônio do Estado, Município ou União conforme se situem em seus territórios. [69] Quanto à compra, como visto linhas atrás, está a Administração jungida à observância da Lei de Licitações (8.666/94).

            No caso dos imóveis, é mais comum a utilização do mecanismo da desapropriação, previsto na lei 3.365/41. Vale lembrar que os bens imóveis de uso especial e dominicais carecem de registro ao passo que os bens de uso público comum não


11- Das Terras Públicas in especie.

            Trataremos mais de perto das terras públicas. Em linha de princípio, todos as terras públicas pertenciam à Coroa Portuguesa e sua transferência aos particulares deu-se de forma paulatina através das denominadas sesmarias e datas. [70] Somente com a Lei Imperial 601, de 18/09/1850, surge algo mais consistente em termos legislativos, tendo sido tal legislação regulamentada pelo Decreto Imperial de 30/11/1854. [71] A Constituição de 1891 tratou das terras devolutas atribuindo-as ao Estados, reservando à União somente aquelas que fossem necessárias à defesa nacional (art. 64) [72]. Na atual Constituição, a matéria vem disciplinada nos dispositivos retrocitados.

            Encontramos disciplina acerca das terras públicas ainda em diversas outras leis como v.g. o Estatuto da Terra. Vejamos as espécies sob as quais surgem as terras públicas.

            11.1-Terrenos de Marinha

            Os terrenos de marinha compreendem aqueles localizados até 15 braças craveiras (33 metros), para dentro da terra, contadas a partir do ponto em que chega a preamar médio [73] e pertencem à União. Ditas áreas necessitam de autorização para sua utilização caso não estejam compreendidas em áreas urbanizadas, quando, então, tem sua regulamentação afeita às municipalidades. Além dos terrenos de marinha, encontram-se sujeitos às mesmas disposições os terrenos acrescidos, ou seja, aqueles formados a partir da aluvião ou da avulsão.

            11.2-Terrenos Reservados

            Terrenos reservados são as faixas de terras particulares, marginais dos rios, lagos e canais públicos, na largura de quinze metros, onerados com a servidão de trânsito, instituída pelo artigo 39 da Lei Imperial 1.507 de 1867 e revigorada pelos art. 11, 12 e 14 do Decreto Federal 24. 643/34 (Código de Águas) [74]. No artigo 39 da lei 1.507 constava: "fica reservada para a servidão pública nas margens dos rios navegáveis e de que se fazem os navegáveis, fora do alcance das marés, salvas as concessões legítimas feitas até a data da publicação da presente lei, a zona de sete braças contadas do ponto médio das enchentes ordinárias para o interior e o Governo autorizado para concedê-las em lotes razoáveis na forma das disposições sobre os terrenos da marinha". Já o Decreto nº 4.105 dispunha no art. 1º, § 2º, que os terrenos reservados para servidão pública incluiriam todos os terrenos situados às margens dos rios navegáveis e dos que se fazem os navegáveis, como todos os que, banhados pelas águas dos ditos rios, fora do alcance das mares, vão até a distância de sete braças craveiras (15,4 metros) para a parte da terra, contadas desde o ponto médio das enchentes ordinárias.

            Semelhante disciplina consta do Código de Águas anterior á recente Lei de Águas. Grassa controvérsia acerca da propriedade destes terrenos. O artigo 31 do Código de Águas determina que são dos Estados os terrenos acaso por outro motivo não pertençam à União. Mas a opinião, arrimada na letra da lei, que determina serem bens dominicais ditas áreas sofre forte crítica de Hely Lopes Meirelles, que afirma que o fato de se haver reservado a incidência de servidão sobre estas áreas não as transfere ao domínio público. Segundo suas palavras: "Tal servidão, entretanto, não tem sido entendida corretamente por muitos dos nossos juristas, que a consideram como transferência da propriedade particular para o domínio público. O equívoco destes intérpretes é manifesto, pois as terras particulares atingidas por essa servidão administrativa não passaram para o domínio público, nem ficaram impedidas de ser utilizadas por seus proprietários, desde que nelas não façam construções ou quaisquer outras obras que prejudiquem o uso normal das águas públicas ou impeçam seu policiamento pelos agentes da Administração." [75]. Assim sendo, o domínio continua particular, apenas havendo a constituição de uma servidão.

            11.3- Ilhas

            As ilhas marítimas, fluviais e lacustres também estão, via de regra, dentre as terras públicas. As ilhas fluviais e lacustres situadas em zonas limítrofes com outros países bem como as oceânicas e costeiras que não pertençam ao Estados são bens da União. Obviamente as ilhas referidas aqui são aquelas que estão em águas públicas, posto que as localizadas em águas situadas em áreas particulares aos seus proprietários pertencem.. [76]

            11.4- Terras Indígenas

            Nesta epígrafe estão compreendidas as terras tradicionalmente ocupadas pelo índios nos termos do artigo 20, inc. XI da CF/88. O artigo 231, § 1º, por seu turno, as define como as terras habitadas pelos índios em caráter, permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições. É preciso que se diga que a referência a tradicionalmente ocupadas nada tem com uma prescrição imemorial e o que se lhes foi assegurada (aos indígenas) não foi a posse civil mas uma posse "ab origine", nos moldes romanos. [77] Incluem-se entre os bens públicos de uso especial, podendo-se, mediante autorização do Congresso Nacional e ouvidas as comunidades afetadas, efetuar-se o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, assegurando-se aos índios participação nos resultados da lavra por forma a ser disposta em lei [78].

            11.5- Terras Devolutas

            Esta, sem dúvida, uma das questões mais ricas em se tratando de terras públicas. O marco fundamental da disciplina das terras devolutas é a Lei Imperial 601, de 18.09.1850, que veio disciplinar a ausência de escrituração referente às concessões das sesmarias, diploma este que foi regulamentado pelo Decreto 1.318 de 1854. Segundo o artigo 3º da lei, são terras devolutas as que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal; as que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do governo geral ou provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura; as que não se acharem dadas por sesmarias ou outras concessões do governo e apesar de não se fundarem em título legítimo, forem legitimados por esta lei. [79] O artigo 5º do Decreto-lei 9.760/46 tem uma definição mais ampla. Segundo o dispositivo, seriam devolutas, na faixa de fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito Federal, as terras que, não sendo próprias nem aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, não se incorporarem domínio privado: a) por força da lei nº 601, 18.09.1850, Decreto nº 1.318, de 30.1.1854, e outras leis de decretos gerais, federais e estaduais. b) em virtude de alienação, concessão ou reconhecimento por parte da União ou dos Estados; c) em virtude de lei ou concessão emanada de governo estrangeiro e ratificada ou reconhecida, expressa ou implicitamente, pelo Brasil, em tratado ou convenção de limites; d) em virtude de sentença judicial com força de coisa julgada; e) por se acharem em posse contínua e incontestada com justo título e boa-fé, por termo superior a 20 anos. f) por se acharem em posse pacífica e ininterrupta, por 30 anos, independentemente de justo título e boa-fé; g) por força de sentença declaratória nos termos do artigo 148 da Constituição Federal de 1937. [80] Classificam-se como bens dominicais [81].

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            Para regular a questão das terras devolutas criou-se a Ação Discriminatória, disciplinada, a princípio, pelo Decreto-lei nº 9.760/46, que previa uma fase administrativa e uma fase judicial. Após, veio a Lei 3.081/56, prevendo apenas uma instância judicial. O Estatuto da Terra reavivou a instância administrativa. Sobreveio a lei 6.383/76 mantendo uma duplicidade de processo administrativo e judicial, ambos pautando-se por um procedimento bifásico compreendendo uma fase de chamamento dos interessados e uma fase demarcatória. O processo judicial tem cabimento quando dispensado o processo administrativo ou interrompido por presumida ineficácia, quando houver atentado e contra os que não atenderem ao chamamento administrativo. Segue o processo judicial o rito sumário determinando deslocamento da competência para a Justiça Federal.

            11.6- Faixa de Fronteira

            Quanto a estas, somente as terras devolutas que se encontrem na faixa de fronteira pertencem à União. Mas há restrições quanto ao uso do solo na faixa de 150 Km da fronteira, competindo ao Conselho de Defesa Nacional a propositura de critérios para a utilização desta faixa de terras. as restrições encontram-se atualmente na lei 6.634/79.


12- Conclusões

            Vai de longe o tempo do Estado patrimonial de feição absolutista, que confundia a propriedade do Estado com a do Monarca, porque, então, o Estado era o monarca na célebre frase do Luis XIV. O primeiro grande passo foi separar a res publicae do denominado "domínio da coroa". O advento do Estado Liberal em muito contribuiu para a despessoalização do domínio público, na verdade constituindo este modelo de Estado uma antítese ao sistema anterior.

            O advento, no início deste século, de um modelo de Estado Social, repelindo o Estado-mínimo do liberalismo, carreou ao Estado uma série de pesados encargos sociais. Sobreleva em importância a propriedade de bens pelo Estado, mormente em se tratando de bens imóveis, como elementos indispensáveis à consecução do fim magno do Estado: o bem comum.

            Grassa, com efeito, grande distância entre pura e simplesmente prever em textos legais metas a serem atingidas pelo Estado, como se faz v.g nos artigos 1º a 8º da Constituição e em tornar estas metas, estes objetivos, algo concreto, palpável. O Estado precisa alocar meios humanos e materiais aptos a buscar a efetividade da "promessa" solenemente feita no texto constitucional. Quanto maiores os encargos, maior a massa de recursos humanos e materiais necessários ao cumprimento do mister de administrar.

            Da mesma forma, o conteúdo da propriedade, mesmo a privada, ganha novos contornos que chegam como elementos secundários a influenciar a propriedade pública, que já tem em si ínsito o conteúdo publicístico. A disciplina dos bens públicos tem seu sustentáculo no arcabouço legislativo, sobressaindo, em primeira plana a Constituição. Mas nem por isso é desprezível a contribuição da doutrina e da jurisprudência no deslinde de intrincadas questões que surgem pela impossibilidade lógica de uma lei absoluta que abarque toda a realidade.

            Pudemos ver na linhas passadas uma pequena amostra da feição jurídica dos bens públicos em nosso ordenamento. em especial das terras públicas. A questão do domínio do solo sempre foi capital em nossa história e permanecem com proeminência dentro dos bens públicos os imóveis, firmando-se como imprescindível mecanismo para o Estado na busca do bem comum.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Terras públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 796, 7 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7235. Acesso em: 26 abr. 2024.

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