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A cultura jusnaturalista escolástica-tomista e o neotomismo no Brasil

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09/09/2005 às 00:00
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RESUMO

            O trabalho tem por objetivo abordar algumas das mais importantes contribuições da cultura jusnaturalista escolástica-tomista para a História do Direito no Brasil. Para tanto, dividimos o trabalho em seis partes. Na primeira, tratamos sobre o despertar do processo de divulgação das idéias nos primórdios do Brasil Colonial. Na segunda, abordamos o pensamento de Tomás Antonio Gonzaga e sua obra Tratado de Direito Natural, momento em que foi tecida algumas considerações sobre o despertar do jusnaturalismo no Brasil. Na terceira parte, cuidamos de outras questões, sobre a tradição jusnaturalista escolástica-tomista no Brasil. Na quarta, discorremos sobre o jusnaturalismo escolástico de José Soriano de Sousa. Na quinta, enfocamos a corrente jusfilosófica neotomista no Brasil. Por último, tratamos do pensamento jus-filosófico de André Franco Montoro. Descobrimos que a cultura jus-filosófica brasileira carregou durante muitos anos a tradição jusnaturalista de linha tomista e neotomista. Muitas obras e trabalhos sobre Direito Natural foram produzidos sob a inspiração dos preceitos jurídico-filosóficos de São Tomás de Aquino.


ABSTRACT

            The work has for objective to approach some of the most important contributions of the scholastic-tomista jusnaturalista culture for the History of the Law in Brazil. For in such a way, we divide the work in six parts. In the first, we treat on the wakening of the spreading process of the ideas in arise of Colonial Brazil. In second, we approach the thought of Tomás Antonio Gonzaga and its workmanship. Treat of Natural Law, moment where it was weaved some considerations on the wakening of the jusnaturalismo in Brazil. In the third part, we take care of other excellent questions on the scholastic-tomiste tradition in Brazil. In fourth, we discourse on the scholastic jusnaturalismo of Jose Soriano de Sousa. In fifth, we focus the neotomiste jusfilosófica chain in Brazil. And finally, we treat to approach the thought jusfilosófico of Andre Franco Montoro. We discover that the Brazilian jusfilosófica culture loaded during many years the jusnaturalista tradition of tomiste and neotomiste line. Many workmanships and works on natural law had been produced under the inspiration of the philosophical rules of Saint Tomás de Aquino.


1 O DESPERTAR DO PROCESSO DE DIVULGAÇÃO DE IDÉIAS NO BRASIL COLÔNIA

            De acordo com Paim [01], o Brasil herdou a cultura jurídica e filosófica de Portugal. O tomismo, e de uma forma geral a tradição escolástica, foram trazidos para o Brasil através dos jesuítas, os quais detinham o monopólio do ensino na colônia. Os primeiros letrados tiveram uma formação escolástica. Logo, o início do processo civilizatório brasileiro foi marcado pela reprodução daquilo que se aprendia nos centros de ensino da Metrópole. Portanto, no início do processo civilizatório brasileiro não houve espaço para a criação de idéias originais, uma vez que as produções teóricas neste período limitavam-se à propaganda missionária dos jesuítas. [02]

            No mimetismo sacralizado que marcaria os primeiros séculos da colonização, não comporta registrar uma teoria jurídica secularizada, pois toda concepção sobre lei, direito e justiça restringia-se às diretrizes ético-religiosas da Igreja Católica, que refletia um jusnaturalismo tomista-escolástico. [03]

            Por outro lado, no campo do Direito, é importante observar que as idéias jesuíticas eram impulsionadas pelo ideário da Contra-Reforma, portanto, opostas ao jusnaturalismo que surgia na Europa desde o Século XV.


2 TOMÁS ANTONIO GONZAGA E O TRATADO DE DIREITO NATURAL: O DESPERTAR DO JUSNATURALISMO NO BRASIL

            O Tratado de Direito Natural de Tomás Antonio Gonzaga (1744-1809) é apontado por Machado Neto [04], na história das idéias jurídicas no Brasil, como o primeiro trabalho de cunho jusfilosófico.

            Mesmo antes da independência política já é possível encontrar em nosso precário ambiente cultural uma expressão filosófico-jurídica na obra de Tomás Antonio Gonzaga. Antes disso, seria prematuro esperar que a situação colonial pudesse albergar em seu seio uma tão refinada expressão de vida intelectual. [05]

            Antonio Carlos Wolkmer [06], a respeito de Tomás Antonio Gonzaga, afirma que:

            Ao contrário do que se poderia esperar de um intelectual afinado com certas concepções iluministas, republicanas e liberais, seu Tratado de Direito Natural, ao refletir, sem muita originalidade de pensamento, pressupostos identificados com o jusnaturalismo de inspiração teológica, destinava-se claramente a não desagradar os meios culturais dominantes na Metrópole.

            O jusnaturalismo de inspiração teológica, a que se refere Wolkmer [07], é tomista-escolástico, de linha conservadora.

            Em seu Tratado de Direito Natural, escrito ainda no século XVIII e significativamente ofertado ao Marquês de Pombal, expressão prática da doutrina iluminística do despotismo esclarecido no governo de Portugal, Gonzaga sustenta ser Deus o princípio do Direito Natural, rechaçando, assim, a famosa tese de Grotius, segundo a qual a existência do Direito Natural, por fundar-se apenas na razão humana, prescinde da própria existência de Deus. [08]

            Com efeito, Deus é a primeira palavra da Introdução de Gonzaga ao seu Tratado, e as provas da existência de Deus ocupam o capítulo I do Livro Primeiro da obra, aí sendo ventilados os argumentos clássicos da causa incriada, do ser necessário, do consentimento dos povos, da autoridade dos mais sábios e da existência da alma. [09]

            Quanto à existência do Direito Natural, também ela é objeto de demonstração argumentativa mais ou menos abundante no seguinte capítulo do Tratado.

            Aí se esgrime a imprescindibilidade da lei para o homem, a possibilidade de Deus no-la dar, já que é nosso Criador, coisa que fez ao criar-nos inteligentes e, pois, capazes de conhecer o bem e o mal, o que nos faz aptos a nos governarmos por leis. Também Deus nos fez para a felicidade e a vontade do Criador é lei para as criaturas. O remorso é também alegado como prova de que há uma lei que governa as ações humanas, o que é, por sua vez, atestado também pela opinião universal. [10]

            No que tange aos princípios da filosofia prática, matéria enfocada no Tratado de Direito Natural, Tomás Antonio Gonzaga [11] levantou as seguintes questões, a saber: o livre arbítrio, a teoria geral das ações humanas e a imputação das ações. Quanto aos princípios de Direito Natural, divide-os: um princípio diz respeito ao ser, o outro, diz respeito ao conhecer.

            Para Gonzaga [12], a origem da lei natural está na vontade de Deus, e ao conceituar o Direito, depois de fazer a análise das várias acepções do vocábulo, o que revela ter ele usado o método escolástico para tanto, considerou tratar-se de "uma coleção de leis homogêneas, v.g. Direito Natural, a coleção de todas as leis que provém da natureza civil, as de todas as que deram os legisladores, cada um em seu reino, e vulgarmente as do Império Romano."

            Ao que se nota, o Direito foi definido dessa forma para servir de preparo didático nas clássicas divisões, entre Direito das gentes e civil, divino e humano, civil e eclesiástico. [13]

            No que concerne à justiça, há que assinalar sua curiosa inferência relativa a Deus e que qualifica Gonzaga como alguém que antecipa, a seu modo, a caracterização do valor jurídico da justiça como um valor literal de conduta, tese que a teoria egológica viria sustentar em nosso século a respeito de todos os valores jurídicos. [14]

            Para Gonzaga [15]:

            Em Deus rigorosamente não cabe justiça, pois para pormos um acto de perfeita justiça é necessário pormos dois sujeitos, um com obrigação de dar e outro com direito de pedir. E como não pode haver ente algum que não seja criado por Deus, não se deve neste admitir acto algum de perfeita justiça, pois que fora uma espécie de imperfeição pormos ao Criador obrigado aos mesmos entes que criou e de que é Senhor.

            Portanto, o despertar da Filosofia do Direito no Brasil começou com o Tratado de Direito Natural de Tomás Antonio Gonzaga, que trouxe nesta obra elementos teóricos escolástico-tomista, pois sustentava ser Deus o fundamento do Direito Natural. No entanto, há uma questão curiosa no pensamento de Gonzaga: muito embora procure refutar em sua obra as premissas do jusnaturalismo de Grotius, revela, por outro lado, profundo conhecimento da teoria jusnaturalista que surgia, mencionando em sua obra os principais autores dessa corrente. Ao mesmo tempo, ofereceu o seu Tratado de Direito Natural ao Marquês de Pombal, principal representante do iluminismo português, cujas ações políticas elegeram por inimigos os próprios jesuítas. Existiria, pois, uma contradição no pensamento de Gonzaga a ser examinada como mais profundidade?


3 OUTRAS QUESTÕES SOBRE A TRADIÇÃO JUSNATURALISTA ESCOLÁSTICA-TOMISTA NO BRASIL

            Podemos afirmar que o Brasil incorporou em sua cultura jurídica, elementos do jusnaturalismo; inicialmente com o próprio Tratado de Direito Natural de Tomás Antonio Gonzaga. Contudo, foi a após a Independência do Brasil, com a edificação das Faculdades de Direito de São Paulo e Olinda (posteriormente Recife) que as idéias jusnaturalistas passaram a ser estudadas e difundidas.

            Nestes dois núcleos de estudos das idéias jurídicas, os lentes das primeiras cátedras de Direito Natural redigiram seus cursos em forma de livro-texto. Com base neste procedimento, muitas obras jurídicas de Direito Natural foram produzidas no século XIX por juristas brasileiros. [16]

            Dentre esses juristas convém aqui mencionar a figura de Avelar Brotero, lente do primeiro ano do Curso Jurídico de São Paulo, que teve como obra prima o compêndio intitulado de Princípios de Direito Natural. [17]

            Brotero [18], nesta obra, em certo momento, nega o racionalismo ilustrado e busca uma solução conciliadora com base num jusnaturalismo teológico, ao afirmar que:

            Muitos Authores querem que o direito Natural derive seo nome por causa da promulgação, isto é, por ser promulgado pela razão natural do homem. O Compêndio porém não quer que elle derive seo nome da promulgação, mas sim de seu Author, isto é, Lei dictada pela natureza naturante, pela natureza do universo ou alma do universo, isto é, Deos.

            Por isso, de acordo com Miguel Reale [19], Brotero foi muito criticado por Reynaldo Porchat, segundo o qual:

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            Não tinha noção precisa da materia, e o seu trabalho é uma mistura de theorias, onde o que de mais notável ha a registrar é a confusão em que se obumbram. Sem discriminar idéias, entra o professor em uma exposição indigesta de conceitos da escola theologica e da escola racionalista ao mesmo tempo.

            Mas quando falamos de jusnaturalismo no Brasil, usamos as espécies de jusnaturalismo elencadas por A L. Machado Neto [20] na História das Idéias Jurídicas no Brasil, a saber: ilustrado, escolástico, ultramontano e krausista.

            A nós interessa saber se o jusnaturalismo escolástico-tomista ainda se faz presente nos tempos de hoje, se há algum jusfilósofo que mantém essa corrente viva na academia, que faz a defesa ou que ao menos demonstra certa empatia pelos fundamentos jurídicos de Santo Tomás de Aquino. Para A L. Machado Neto [21]:

            É certo que a tradição jusnaturalista não se esgota, no Brasil, com a obra de João Teodoro Xavier de Mattos, mas, ao contrário, ela se prolonga através de todo o nosso século até os dias atuais, por intermédio da obra dos pensadores tomistas do século XX como Alceu Amoroso Lima, Benjamim de Oliveira Filho, A B. Alves da Silva e tantos outros que fizeram chegar até o nosso século a tradição jusnaturalista em nosso meio.


4 O JUSNATURALISMO ESCOLÁSTICO DE JOSÉ SORIANO DE SOUSA

            José Soriano de Sousa, irmão de dois outros lentes da Faculdade do Recife, nasceu na Paraíba em 1833 e faleceu no Recife em 1895. Formou-se em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro e em filosofia por Louvain.

            Venceu Tobias Barreto em uma disputa pela cadeira de lente de filosofia do Gymnasio Pernambucano e, quatro anos antes de seu falecimento, isto é, em 1891, foi nomeado professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito do Recife. [22]

            Suas principais obras são compêndios voltados ao ensino de filosofia e Filosofia do Direito. As principais obras de filosofia são o Compêndio de Philosophia (1867) e as Licções de Philosophia Elementar, Racional e Moral (1871); em matéria jusfilosófica, escreveu sua obra prima Elementos de Philosophia do Direito editada em 1880.

            Vale consignar que Soriano de Sousa contribui para com a Faculdade do Recife com apostilas de Direito Romano e de Direito Constitucional. [23]

            De acordo com Machado Neto [24], suas principais obras constam de compêndios destinados ao ensino da filosofia moldados em estilo e pensamento escolástico.

            Soriano nos Elementos de Philosophia do Direito enfocava as verdades eternas e universais, verdades que eram enfatizadas por seus pensadores prediletos, Rosmini, Taparelli, Prisco, Tolomei, Romagnosi e Mamiani, todos da escola tradicional escolástica-tomista italiana. "Sul piano della filosophia Del diritto converrebbe, frattando, considerare lê opere di José Soriano de Souza, il cui tradizionalismo scolastico si modella sugl´insegnamenti dei già citati Rosmini e Taparelli, com frequenti riferimenti a Terenzio Momiani, Romagnosi, Tolomei, prisco, ecc., rivelando grande familiarità col pensiero italiano. [25]

            Soriano de Sousa [26] via a filosofia contemporânea à sua época como um verdadeiro embate disputado entre o naturalismo moderno e o sobrenaturalismo clássico ou medieval.

            Naturalismo e sobrenaturalismo, razão independente e fé humilde tais são portanto os termos da magna questão debatida na sociedade moderna, desde que ao grito da independência religiosa do século XVI, seguiu-se o da independência filosófica, escrevendo o patriarca da moderna filosofia na primeira página de seu código a razão humana é por natureza independente. Desde então um espírito maligno e inimigo das crenças da humanidade parece querer destruir todas as cousas estabelecidas, assim na ordem política, como na moral e intelectual. [27]

            Na ordem política o naturalismo moderno nega a influência do fenômeno sobrenatural nas instituições civis, uma vez que o poder é produto da vontade do povo e não mais de Deus. O rei é instituído por vontade popular e não de Deus, e quanto ao Estado, este se divorcia da Igreja. Soriano assistiu este movimento intelectual de perto. A luta existente entre poder terreno e poder divino, e o naturalismo moderno preconizador da disputa pelo poder terreno em nome da liberdade, inquietava a mente de José Soriano. [28]

            A falta de respeito e amor à Pessoa sagrada dos Imperantes, os ungidos do Senhor, quando então o Estado não é mais como uma grande família; nem os súditos como filhos, nem os monarcas como pais, pois quando a inteligência duvida da autoridade, ou a reputa um produto seu, o coração interiormente nega-lhe respeito. [29]

            Na ordem moral, o naturalismo moderno invoca uma moral independente de Deus e da sua divina sanção; por outro lado, permite que o homem atue de acordo com a sua consciência e livre arbítrio. José Soriano alega que a proclamação desses valores tem o condão de provocar um relaxamento dos costumes. [30]

            A redução do direito ao fato material consumado, a conversão da autoridade na soma dos números e fôrças materiais, o egoísmo nos corações, e enfim esse detestável cinismo com que na sociedade se sustentam as mais falsas e perniciosas doutrinas. [31]

            Na ordem intelectual, a filosofia contemporânea à época de José Soriano tinha no centro dos debates as disputas que levantavam a oposição entre razão e fé, e entre revelação e filosofia. A razão, para um defensor do naturalismo moderno, é o único árbitro capaz de distinguir o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, sendo inclusive tratada como fonte de descoberta acerca das verdades religiosas; a razão humana, vista neste prisma, chega a declarar a inutilidade da fé depositada em Jesus Cristo, a ponto dos arautos desse naturalismo considerarem inútil toda a crença alicerçada em uma entidade sobrenatural. [32]

            Soriano [33] também proclama a superioridade da religião sobre a filosofia.

            Não, a filosofia não pode ter o mesmo poder que a religião; aquela vem do homem e é obra de seu espírito; esta vem de Deus, e é obra de sua sabedoria e de seu amor. Não diremos que a filosofia é escrava da religião, porque aquela palavra é odiosa e violenta, mas porque não apelida-la serva afetuosa e humilde, discípula dócil e obediente da religião?.


5 O NEOTOMISMO NO BRASIL

            Tomás de Aquino deixou um grande legado para a Filosofia do Direito. O seu pensamento foi aproveitado pela corrente jusnaturalista católica-neotomista em todo o mundo ocidental. No Brasil podemos citar os nomes de Alexandre Correia, Leonardo Van Acker, Edgard Mata Machado, Alceu Amoroso Lima, André Franco Montoro, entre outros.

            Como se sabe, ainda hoje o neotomismo é uma corrente filosófica muito forte e respeitada no campo da Filosofia do Direito. Entre suas características principais, encontra-se a idéias de reinterpretar o humanismo cristão através do personalismo de Emmanuel Mounier e da leitura do humanismo integral de Jacques Maritain. Também se opõe ao arbítrio do Estado, bem como ao liberalismo econômico, enquanto promotora de desigualdades sociais, condenando o acúmulo da riqueza socialmente produzida. Igualmente, defende o respeito à dignidade humana e a promoção do bem comum.

            Considerando que o Brasil herdou a cultura jurídica e filosófica de Portugal, podemos afirmar que o tomismo foi introduzido no Brasil através dos jesuítas, que detinham o monopólio do ensino na colônia. Portanto, os primeiros letrados tiveram uma formação escolástica, já que o início do processo civilizatório brasileiro foi marcado pela reprodução daquilo que se aprendia nos centros de ensino na Metrópole. O Brasil, por tal razão, herdou uma tradição jusnaturalista escolástica-tomista.

            Fato interessante é que o tomismo nos faz pensar em questões que, embora sejam consideradas superadas por alguns, na verdade ainda continuam presentes em nossa realidade social. Entendemos que há certas indagações jusfilosóficas que jamais serão superadas, pois sempre estarão presente em qualquer tipo de sociedade, contexto histórico e espaço geográfico. Questões do tipo "existe o indivíduo para a sociedade, ou a sociedade para o indivíduo? Existem princípios universais e imutáveis, ou os princípios variam de acordo com as exigências históricas?" continuam sendo objeto de especulação nos centros de produção cultural jusfilosófica. Por isso, o tomismo perdura até hoje, defendido por exaltados humanistas seguindo rumos diversos [34].

            Ora, os estudos jurídico-filosóficos e históricos devem estar a serviço da interpretação critica da realidade atual, bem como dos assuntos de maior polêmica da atualidade. De fato, concordamos com Oliveira Filho [35], quando afirma que "a mesma questão se renova". A cultura jusnaturalista tomista, de tradição secular, parte da idéia de que a finalidade do Direito é assegurar à coletividade o bem de todos, sendo certo que, se encararmos o fenômeno jurídico neste aspecto e se aplicarmos esta concepção aos problemas que nos inquietam na atualidade, o bem comum não será concretizado enquanto o Direito estiver a serviço dos donos do poder, dos conglomerados econômicos e do capital especulativo internacional. Com efeito, a realização do bem comum, traduzida na distribuição eqüitativa das riquezas socialmente produzidas e na justa aplicação das leis, restará prejudicada enquanto o direito individual sobrepujar-se sobre o coletivo. Os ideais do iluminismo e do liberalismo clássico sacralizaram o indivíduo e a propriedade privada, justificando não só o uso da mesma, mas sobretudo seu abuso, o que representa um problema para os direitos da coletividade. Tal concepção tem gerado a exclusão social de gerações e ensejado movimentos sociais reivindicatórios, a exemplo do movimento dos "sem-terras" e "sem tetos".

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Sobre o autor
Renato Toller Bray

Professor da UEMG e do Imesb. Doutor em Direito Político e Econômico. Mackenzie SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAY, Renato Toller. A cultura jusnaturalista escolástica-tomista e o neotomismo no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 798, 9 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7250. Acesso em: 26 dez. 2024.

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