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Limitação constitucional dos juros:

por que a polêmica do art. 192, § 3º, da CF?

Leia nesta página:

Esse segundo texto que escrevo, assim como o primeiro, intitulado "O efeito suspensivo em agravo de instrumento" tem por objetivo contribuir para o deslinde de questões polêmicas, através de conhecimento adquirido por meio de pesquisas feitas na jurisprudência e na doutrina, bem como, acrescentar a minha convicção particular para a questão posta.

Antes de discorrer sobre o assunto, é necessário verificarmos o conteúdo do art. 192 § 3º da CF para delimitarmos o cerne deste trabalho.:

          Art. 192 da CF.: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em Lei Complementar, que disporá sobre:

          ........................................................;

          § 3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos que a lei determinar.


Pois bem, a polêmica na jurisprudência e na doutrina que a meu ver não tem razão de existir é a seguinte.: O parágrafo acima descrito tem eficácia plena, ou tem eficácia limitada, dependente da edição da Lei Complementar mencionada no caput do art. 192 da CF?

Antes, gostaria só de relembrar que normas de eficácia plena são aquelas de aplicabilidade imediata, direta, integral, independendo de legislação posterior para sua inteira aplicação. Normas de eficácia limitada são aquelas normas que dependem de uma legislação posterior para adquirirem eficácia, dividindo-se em normas de principio institutivo ( art. 18 § 3º da CF ) e normas programáticas ( art. 205 da CF ).

Alguns adotam a primeira corrente, com o aval da maioria dos Ministros do STF, segunda a qual, o § 3º do art. 192 tem eficácia limitada, pois, depende da edição da mencionada Lei Complementar. Outros entendem que o mencionado parágrafo tem eficácia plena, ou seja, não depende da edição de qualquer legislação posterior, em razão de possuir contornos já bem definidos.

A meu ver, o § 3º do art. 192 da CF não tem eficácia plena nem tampouco eficácia limitada. Na verdade, referida norma tem eficácia contida. Explica-se.

Normas de eficácia contida são aquelas que tem aplicabilidade imediata, integral, plena, mas que podem ter reduzido seu alcance pelo legislador infra-constitucional. Como exemplo temos o sempre citado art. 5º, inciso XIII da CF.

Se atentarmos para o estatuído no parágrafo em debate, resulta de forma cristalina que os juros reais permitidos são de no máximo 12% ( doze por cento ) ao ano, ou seja, pode-se praticar de imediato no mercado tal taxa de juros reais, em razão de permissão expressa no texto constitucional, pois, a norma posterior que viesse a regulamentar tal dispositivo, ficaria restrita a limitar a taxa de juros reais em 12% ao ano ou, determinar uma taxa de juros reais inferior ao contido na Constituição Federal, daí resultando ser a norma de eficácia contida.


Pode-se questionar.: E os juros reais, não precisariam de regulamentação, no tocante à sua definição?

A resposta à essa indagação está no próprio corpo do § 3º do art. 192 da CF.: " .... juros reais nela incluídos comissões e quaisquer remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito...." Assim comissões e remunerações provindas direta ou indiretamente da concessão de crédito são juros reais, alias, o mercado financeiro sabe bem o que são juros reais, pois, os mesmos são nele praticados todos os dias, não havendo estrita necessidade de uma legislação para tratar da matéria.


Sem entrar no debate quanto as possíveis leis que regulamentam atualmente a taxa de juros, entendo que os mesmos são regulamentados pelo Decreto 22.626/33 em razão de ser competência do Congresso Nacional dispor sobre matéria financeira.

Quanto aos crimes relacionados à prática de juros extorsivos temos legislação em vigor para coibir tal prática, como a Lei 1521/51 que regulamenta os crimes contra a economia popular e, a Lei 7492/86 que trata dos crimes praticados contra o sistema financeiro nacional.

Desta forma, entendo que não há razão para tanta polêmica em torno do § 3º do art. 192 da CF, pois, o mesmo tem plenas condições de ser aplicado imediatamente, em razão de ser uma norma de eficácia contida, sendo que atualmente, o Decreto 22.626/33 que regulamenta a matéria, permite cobrança de juros à uma taxa de 12% ao ano.

É bom destacar que a norma aqui em debate não abriu exceções à prática de juros reais superiores à 12% ao ano. Por ser de eficácia contida tal norma, quaisquer pessoas que pratiquem taxa de juros no mercado não o podem fazer a taxas superiores ao limite estabelecido na Constituição Federal, sob pena de incidirem em crime de usura, sendo que as normas anteriores à Constituição Federal que permitem tal prática, devem ser consideradas revogadas e, eventuais normas posteriores à Constituição Federal que venham a permitir tal prática, devem ser consideradas inconstitucionais.

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Uma questão aqui merece ser colocada.: Em determinado capítulo do Código de Processo Civil, denominado " Da declaração de Inconstitucionalidade " mais especificamente no art. 481, a legislação processual civil preceitua.:

          Art. 481 do C.P.C - Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida será lavrado acordão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.

Parágrafo único - Os orgãos fracionários dos Tribunais não submeterão ao plenário, ou órgão especial , a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Do acima exposto resulta a seguinte questão.: Havendo manifestação do STF sobre a eficácia do § 3º do art. 192 da CF, impede que os Tribunais manifestem-se sobre esta mesma questão? Entendo que não.

Na verdade, quando o parágrafo único do art. 481 do C.P.C veda o pronunciamento dos Tribunais a respeito de arguição de inconstitucionalidade, havendo anterior manifestação do STF ou do próprio Tribunal, está se referindo aos pronunciamentos ligados à constitucionalidade ou não de leis ou atos normativos, e em hipótese alguma, à questão referente à eficácia de normas constitucionais, sendo que na prática, indiretamente, ao entender o STF ser de eficácia limitada o § 3º do art. 192 da CF, tem feito com que normas infra-constitucionais sejam declaradas constitucionais quando não o seriam se o entendimento fosse outro.

Do parágrafo anterior resulta que: os Juízes e Tribunais podem livremente possuir seu particular entendimento à respeito de qual espécie de eficácia possui o § 3º do art. 192 da CF, inclusive como fundamento de julgamento em questões contratuais, por exemplo, onde determinado contrato impõe a cobrança de juros superiores à 12% ao ano. Mas não podem, por entender plenamente aplicável o referido parágrafo do art. 192, declarar uma norma inconstitucional se já houver a respeito da mesma, pronunciamento do STF em Adin, dando a mesma por constitucional, pois, caso contrário, perderia sentido a Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Vale lembrar também que a Ação Direta de Constitucionalidade vincula o Poder Judiciário por força do estatuído no art. 102, § 2º da CF.

De tudo que aqui foi dito, podemos extrair a seguinte conclusão .: apesar dos juízes não poderem se manifestar sobre a constitucionalidade ou não de leis ou atos normativos já submetidos ao crivo do STF, devido ao parágrafo único do art. 481 do C.P.C, não necessariamente a questão dos juros estará resolvido pelo que dita uma lei infra-constitucional, ao contrário, pela própria eficácia do § 3º do art. 192 eventuais decisões poderão ter referido parágrafo como fundamento.


Espero que este trabalho possa contribuir para fortalecer a corrente da jurisprudência e doutrina que entende ser auto-aplicável o § 3º do art. 192, como de fato é. O fato do parágrafo merecer interpretação conjunta com o caput, não impede, em especial no presente caso, que entendamos ser referido parágrafo do art. 192 da CF plenamente aplicável, diante de sua cristalina redação que diga-se de passagem, lhe dá ampla autonomia.

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Sobre o autor
Márcio Vinicius Jaworski de Lima

procurador do Município de Campinas (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Márcio Vinicius Jaworski. Limitação constitucional dos juros:: por que a polêmica do art. 192, § 3º, da CF?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/726. Acesso em: 19 dez. 2024.

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