Durante a Revolução Industrial, os trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho extenuantes, bem como condições de trabalho precárias, incapazes de efetivar o direito à saúde, integridade física e psicológica dos empregados. Na época, a jornada durava cerca de 12 a 16 horas diárias na maioria dos países europeus, havendo, ainda, a mão de obra de mulheres e crianças.
Em resposta a essa problemática, os trabalhadores passaram a envidar esforços no sentido de protestar pela redução da jornada e efetivação de melhorias no ambiente de trabalho, dando origem ao movimento sindical, cuja pressão exercida resultou em inegável avanço nas condições de trabalho.
Dessa forma, na Inglaterra, a jornada foi reduzida para 10 horas diárias em 1847 e, na França, houve a mesma redução no ano seguinte. Em 1915, influenciados pelas manifestações dos movimentos de trabalhadores, grande parte dos países da Europa fixou a jornada em 8 horas diárias (MARTINS, 2010).
No Brasil, verificou-se, na década de 30, atos normativos que limitavam a jornada de trabalho de algumas categorias profissionais específicas, a exemplo do comércio e da indústria. A Constituição de 1934, por sua vez, estabeleceu o limite de 8 horas diárias, mas, somente na Carta de 1988 (CF), falou-se em limitação da jornada semanal em 44 horas (BARROS, 2010).
Tem-se que a importância da redução da jornada reside em diversos aspectos, tais como o psicológico, pois o excesso de trabalho pode causar o esgotamento do trabalhador, com inequívoco prejuízo à sua saúde psíquica; o físico, tendo em vista que jornadas extenuantes resultam em excessiva fadiga do empregado, podendo provocar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais; o social, uma vez que o trabalhador precisa ter tempo para o convívio social e familiar; o econômico, pois a extensa duração do trabalho de um funcionário pode levar o empregador a considerar desnecessária a contratação de novos empregados; por fim, o aspecto humano, em que se busca preservar a dignidade do trabalhador (GARCIA, 2011).
Com o avanço da tecnologia e suas influências no ambiente de trabalho, observa-se que, cada vez mais, os empregadores se valem dos meios tecnológicos para aperfeiçoar a prestação de serviço e aumentar a produtividade. Para isso, utilizam os meios de comunicação para entrar em contato com o trabalhador, inclusive em horários estranhos à jornada de trabalho. Dessa forma, o avanço tecnológico enquanto característica típica da sociedade pós-industrial, ao invés de gerar comodidade, contribui com a violação do direito à limitação da jornada e ao efetivo gozo do direito de lazer do trabalhador.
Nesse contexto, surge o conceito de direito à desconexão enquanto prerrogativa do empregado, seja na modalidade presencial, seja na de teletrabalho, de não permanecer submetido a ordens do empregador ou às exigências do serviço, enquanto estiver no período de descanso, notadamente diante da possibilidade de comunicação por meio de celular, notebook, pager ou outras tecnologias, cada vez mais acessíveis e de uso disseminado pela população. Sobre o assunto, Oliveira (2010, p. 65) esclarece que:
O direito à desconexão pode ser definido como aquele direito que assiste ao trabalhador de não permanecer sujeito à ingerência, solicitações ou contatos emanados do respectivo empregador, pessoa física ou do empreendimento empresarial para o qual o obreiro trabalha, em seu período destinado ao descanso diário (intervalos intra e extrajornada), semanal (descanso semanal remunerado) ou anual (férias), e ainda em situações similares (licenças), em especial diante da existência de novas tecnologias (blackberry, palm, pager, fax, celular, e ainda computador ou notebook munidos de Internet ou de rede).
Assim, esse direito exsurge como resposta às relações de trabalho oriundas da sociedade pós moderna, em que o trabalhador pode ser solicitado a qualquer momento e de maneira fácil e rápida por meio dos recursos tecnológicos, o que representa verdadeira ingerência indevida do empregador na vida privada do obreiro e em seus momentos de lazer. Ora, uma vez que a fiscalização e subordinação transbordam do local de trabalho, assiste ao empregado o direito de se desconectar, de se desligar da empresa nos momentos de folga, para que possa descansar não somente em relação ao esforço físico e intelectual que o trabalho demanda, como também das preocupações dele decorrentes.
Esse direito encontra inequívoca relação com as normas protetivas à incolumidade física e psíquica do trabalhador, tais como a previsão de limitação da jornada (art. 7º, XIII da CF), repouso semanal remunerado (art. 7º, XV da CF), férias (art. 7º, XVII da CF) e redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII da CF), representando uma versão atualizada desses direitos diante dos novos paradigmas trazidos pela tecnologia, de modo a tornar possível uma delimitação mais precisa entre o tempo destinado ao trabalho e o destinado ao lazer. Por meio dele, busca-se evitar que a tecnologia, que deveria ser usada como meio para proporcionar comodidade e praticidade, seja utilizada como forma de exploração do empregado, prejudicando sua intimidade, seu descanso e lazer (ROSEDÁ, 2007).
Embora pareça contraditório falar em direito ao não-trabalho em um contexto de crise e constante preocupação com o desemprego, deve-se observar que o direito à desconexão não se refere ao não-trabalho integral, mas apenas, ao trabalho em quantidade suficiente para não violar a vida privada, a integridade física e mental do obreiro, levando em conta as peculiaridades das relações de trabalho modernas. Maior (2003) aponta, nesse contexto, outro viés do direito à desconexão no que concerne aos altos empregados. Como esses cargos exigem alta qualificação, as mudanças no universo empresarial são constantes e existe hoje um amplo acesso à informação, esses profissionais acabam por utilizar o tempo livre para atualizar-se, a fim de que possam se manter competitivos no mercado.
Importa ressaltar que a possibilidade de acesso ao obreiro, em seu período de descanso, pelo tomador de serviços prejudica sua restauração de energia e revigoramento, tendo em vista que, ainda que os contatos não cheguem a ser efetivados, a sensação de relaxamento resta comprometida quando o empregado fica ciente de que pode ser localizado e solicitado para prestar serviços a qualquer momento. A disseminação das novas tecnologias agravou o quadro, ao facilitar o acesso ao trabalhador, tornando comum o seu acionamento de forma persistente e reiterada nos períodos destinados ao descanso.
Nesse caso, resta ao trabalhador a tutela jurisdicional, através de ação de indenização por danos morais e de tutela inibitória, obrigando o empregador a se abster da prática de solicitar a prestação de serviço do obreiro fora do seu horário de expediente. Há decisões, ainda, que conferem ao empregado, em situações semelhantes, o pagamento de adicional de sobreaviso, uma vez que está à disposição do empregador, fora do local de trabalho, conforme a decisão abaixo delineada:
RECURSO DE REVISTA. (...) 3. SOBREAVISO. O quadro fático descrito pela Corte Regional revela que o reclamante teve reconhecido o direito ao sobreaviso não apenas porque utilizava o telefone celular para atender à empresa, mas devido à necessidade de prestar suporte em informática fora do expediente. Súmula nº 428 do TST. Recurso de revista não conhecido. (...) ”
(RR - 896100-50.2007.5.09.0652, Relatora Desembargadora Convocada: Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira, data de julgamento: 31/10/2012, 2ª Turma, data de publicação: 9/11/2012)
Com efeito, tem-se que a súmula 428 do TST e a OJ 49 da SBDI-1 do TST esboçam entendimento no sentido de que o uso, por si só, do aparelho celular pelo empregado não caracteriza o regime de sobreaviso. No entanto, se o empregado estiver à distância submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados em regime de plantão ou equivalente, será devido o adicional, que demonstra o reconhecimento desse tribunal do direito à desconexão do trabalhador.
A violação a esse direito ganha contornos ainda mais gravosos quando implica em dano existencial ao trabalhador. No momento em que o obreiro deixa de usufruir dos prazeres de sua própria existência e permanece impossibilitado de executar seu projeto ou suas aspirações de vida devido ao excesso de trabalho, pode-se vislumbrar o dano existencial. Sobre o tema, esclarecem Alvarenga e Boucinhas Filho (2013, p. 33):
O dano existencial no Direito do Trabalho, também chamado de dano à existência do trabalhador, decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade, ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social ou pessoal.
São exemplos de situações que podem resultar em dano existencial a exigência reiterada do tomador de serviços de realização de horas extras em tempo superior ao determinado pela lei ou a delegação de quantidade tão extensa de atribuições ao empregado que o leve a cumprir as tarefas nos períodos de descanso, para alcançar o cumprimento das metas ou, ainda que não as cumpra nesses períodos, o empregado não possa usufruir efetivamente de seu tempo livre por estar excessivamente cansado.
Além do prejuízo, da conduta ilícita do agressor e do nexo causal, o dano existencial tem, ainda, como elementos o projeto de vida, que se refere às decisões do indivíduo acerca de sua própria vida, e a vida de relações, isto é, a ofensa física ou mental à pessoa que dificulte sua relação com terceiros (ALVARENGA; BOUCINHAS FILHO, 2013). Embora possam ser cumuláveis, o dano existencial não se confunde com o dano moral, pois, enquanto este se relaciona a um sentir, aquele resulta no fato de o indivíduo não mais poder concretizar suas aspirações de vida, gerando frustração sem necessariamente importar em prejuízo econômico.
Dessa forma, observa-se que a impossibilidade de utilizar o tempo livre para o convívio social e familiar, o exercício da crença religiosa, o desenvolvimento de um hobby ou potencialidade voltada para a felicidade e o bem-estar do obreiro, devido à constante disponibilidade ao empregador por meio dos recursos eletrônicos também pode gerar prejuízos ao projeto de vida do empregado, dando espaço ao dano existencial, o qual não merece o amparo do Direito, sendo necessário o implemento de novas formas de proteção ao trabalhador para coibir esse tipo de prática.
Urge ressaltar a importância de proporcionar um meio ambiente de trabalho saudável aos empregados, que torne possível o exercício de suas funções sem riscos a sua saúde, apresentando como alternativas a realização de pequenos intervalos para a prática de dinâmicas, integração entre funcionários, ginástica laboral, respeito às normas trabalhistas, notadamente no que diz respeito à jornada de trabalho, e treinamento para os titulares de cargos de maior hierarquia, para motivar sua equipe de maneira mais humana e sensível. Essas alternativas contribuem para a promoção de melhorias nas condições de trabalho e maior satisfação dos empregados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. O dano existencial e o Direito do Trabalho. Revista de Direito Trabalhista, v. 19, n. 3, p.32-38, mar. 2013.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Editora Ltr, 2010. 1390 p.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Orientação Jurisprudencial nº 49, de 31 de janeiro de 2011. Horas Extras. Uso do Bip. Não caracterizado o "sobreaviso". Brasília, DF, 31 jan. 2011.
BRASIL. Súmula nº 428, de 27 de janeiro de 2012. Sobreaviso. Aplicação analógica do Art. 244, § 2º da CLT. Brasília, DF, 27 jan. 2012.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão nº RR - 896100-50.2007.5.09.0652. Relator: Desembargadora Convocada: Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira. Brasília, DF, 31 de janeiro de 2012. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2012. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.superior.trabalho;turma.2:acordao;rr:2012-10-31;896100-2007-652-9-0>. Acesso em: 16 ago. 2012.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. 1376 p.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do Direito à Desconexão do Trabalho. Revista do Direito Trabalhista, v. 9, n. 10, p.12-18, out. 2003.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010. 890 p.
OLIVEIRA, Christiana D'arc Damasceno. Direito à desconexão do trabalhador: repercussões no atual contexto trabalhista. Revista Iob: Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 21, n. 253, p.63-81, jul. 2010.
ROSEDÁ, Salomão. O Direito à Desconexão - Uma realidade no teletrabalho. Revista Legislação do Trabalho, v. 71, n. 7, p.820-829, jul. 2007.