O papel ativo do Estado na proteção da mulher servidora pública vítima de violência

14/03/2019 às 14:38
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Esse artigo apresenta uma análise do papel do Estado na proteção à família e da mulher servidora pública em situação de violência.

Introdução

A Lei  11.340/2016, mais conhecida como Lei Maria da Penha, teve como motivação a história de uma mulher que sofreu várias tentativas de feminicídio por parte de seu ex-marido. Em uma das tentativas, sob o pretexto de que havia ladrão em casa, seu ex-companheiro atirou nas suas costas, tendo esta perdido as funções dos membros inferiores necessitando, atualmente, de cadeira de rodas para se locomover.

Não satisfeito, o ex companheiro tentou alterar a fiação do chuveiro elétrico em outra tentativa de feminicídio.

A violência contra a mulher tem atingido todos os níveis sociais, não estando fora das estatísticas a violência sofrida por muitas servidoras públicas, especialmente as que ajudam na manutenção de suas casas, já que os ex-companheiros almejam, também, serem beneficiários de eventuais pensões.

O Estado como regulador da vida em sociedade deve ser personagem ativo na proteção das mulheres, especialmente as servidoras públicas que estão sobre sua ingerência, devendo, pois, dar preferência em pedidos de transferências/remoções acaso a servidora expresse o requerimento de ser lotada em outro lugar, longe de seu algoz.

Da violência doméstica no âmbito das servidoras públicas

É fato notório e conclamado em muitas decisões jurisprudenciais que o Ordenamento Jurídico, de forma geral, não é capaz de prever todas as hipóteses da vida em sociedade, o que, todavia, não induz à negativa de direito, já que a própria lei, artigos 4 e 5º da LIDB – Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro, elegeu instrumentos de interpretação e integração das normas para tais omissões.

Assim, tem-se que muitos órgãos têm negado requerimento de transferências de mulheres por alegarem ausência de normas internas, todavia a Administração deve observância ao Princípio das Decisões motivadas consoante o art. 2º da Lei 9.784/99, Lei esta que vincula todos os órgãos públicos:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Em tais requerimentos, as mulheres recebem negativa informando não haver previsão em normas internas ou ausência de vagas, todavia, não se trata de motivação idônea para referidos casos concretos. Eis o conceito do Princípio da Motivação que também norteia as decisões administrativas:

“O princípio da motivação determina que a autoridade administrativa deve apresentar as razões que a levaram a tomar uma decisão. A motivação é uma exigência do Estado de Direito, ao qual é inerente, entre outros direitos dos administrados, o direito a uma decisão fundada, motivada, com explicitação dos motivos. Sem a explicitação dos motivos torna-se extremamente difícil sindicar, sopesar ou aferir a correção daquilo que foi decidido, por isso, é essencial que se apontem os fatos, as inferências feitas e os fundamentos da decisão. A falta de motivação no ato discricionário abre a possibilidade de ocorrência de desvio ou abuso de poder, dada a dificuldade ou, mesmo, a impossibilidade de efetivo controle judicial, pois, pela motivação, é possível aferir a verdadeira intenção do agente.

Dito isto, tem-se que motivar não significa simplesmente apontar fatos e fundamentos que não se coadunam com as demais normas do regramento jurídico, eis que normas internas de órgãos públicos, sem a participação do legislador - legitimamente escolhido pelo povo - não podem se contrapor a leis que passaram por este crivo, sendo pois leis cogentes e erga omnes¸ ou seja, de observância obrigatória, mormente quando o Estado de Direito optou por dar especial proteção a determinados bem tutelados na própria Constituição, quais sejam, a  vida, a saúde, a dignidade e a proteção da criança e do adolescente, à mulher. É o dispõe o art. 227 da CF abaixo transcrito:

Art. 3o  Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o  O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2o  Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

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Embora haja independência de decisões nas instâncias administrativas e judiciais, tem-se que, quando a materialidade do fato já fora confirmada no Judiciário que detém de meios e instrumentos mais aptos na busca da verdade real, tais provas devem ser aproveitadas e emprestadas e levadas em consideração nas decisões administrativas, principalmente quando se busca uma decisão que contenha a motivação mais idônea que a Lei 9784/90 visou resguardar.

Para rechaçar qualquer dúvida a Lei Maria da Penha fez expressa referência a tal situação não havendo arrimo algum nos indeferimentos de transferências que se baseiem em pedidos de proteção:

Art. 9o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

Conclusão

Assim é que comprovada a situação de risco é dever dos órgãos estatais, dar meios à servidora de mudar para cidade ou lotação longe de seu agressor, promovendo o que estiver ao alcance da instituição para dar efetividade de proteção.

Os órgãos Administrativos, ao analisarem pedidos de transferência/remoção e diante de fortes indícios de que a mulher servidora pública se encontre em situação de violência, devem priorizar tais pedidos, por se tratar de situação excepcionalíssima, qual seja, o risco de vida, de segurança e de saúde, sob pena de trazer para si a responsabilidade pela demora na medida.

Referências Bibliográficas

<Fonte: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/295239/principio-da-motivacao-cpp>

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Sobre a autora
Karina Albuquerque

Advogada Pública Federal, especialista em Direito Empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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