A hermenêutica jurídica. Parte 1: Sistemas e meios interpretativos

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18/03/2019 às 18:45
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 11 Interpretação Constitucional ou conforme a Constituição.

11.1 A Interpretação Constitucional. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso[27], ensina que “a integração de sentido dos conceitos jurídicos indeterminados e dos princípios deve ser feita, em primeiro lugar, com base nos valores éticos mais elevados da sociedade (leitura moral da Constituição). Observada essa premissa inarredável – porque assentada na ideia de justiça e na dignidade da pessoa humana –, deve o intérprete atualizar o sentido das normas constitucionais (interpretação evolutiva) e produzir o melhor resultado possível para a sociedade (interpretação pragmática). A interpretação constitucional, portanto, configura uma atividade concretizadora, uma interação entre o Sistema, o intérprete e o problema – e construtiva, porque, envolve a atribuição de significados aos textos constitucionais que ultrapassam sua dicção expressa”. Assim, a interpretação constitucional e o próprio Direito Constitucional, por necessitarem de atribuições de significados outros, que ultrapassam aqueles expressos na Constituição, e só farão um verdadeiro progresso, quando unidos com as filosofias morais e políticas.

11.2 Métodos da Interpretação Constitucional. Gomes Canotilho[28] (73), jurista português, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e Professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, salienta que “um dos problemas mais difíceis da moderna Teoria Juspubliscística, é a interpretação de normas constitucionais, isto é, um conjunto de princípios e métodos diferentes, porém complementares, confirmando o caráter unitário da atividade interpretativa”.

11.3 Diante da variedade de meios hermenêuticos, os intérpretes da Constituição residem, de um lado, em um vasto repertório de possibilidade e, paradoxalmente, de outro, na inexistência de critérios para validar a escolha dos seus instrumentos de trabalho, levando a uma necessidade de complementação e restrição recíproca entre objeto e método, tendo sempre como eixo, o valor justiça. A seguir os principais métodos jurídicos da interpretação da Constituição.

11.3.1 Método jurídico ou hermenêutico-clássico. Para os seguidores desse método, a Constituição Federal, a despeito da sua posição hierárquica e de ser fundamento e fator de integração do ordenamento jurídico, é uma lei e deve ser interpretada segundo as regras tradicionais de hermenêutica que são levadas em conta na interpretação de leis em geral. Os seguidores desse método acreditam que, desconsiderando o caráter legal da Constituição, estaria esta, sujeita a modificações de viés interpretativo que lhe ofenderiam o texto, comprometendo a sua finalidade estabilizadora, avessa às mudanças hermenêuticas. Por isso, a tarefa do intérprete, enquanto aplicador do direito seria descobrir o verdadeiro significado das normas e guiar-se por ele na sua aplicação. Ou seja, o legislador constitucional é o soberano e o juiz é aquele que pronuncia as palavras da lei.

11.3.2 Método tópico-problemático. Tendo em vista que a Constituição Federal é um Sistema aberto de regras e princípios e, portanto, exige distintas interpretações; que um problema permite mais de uma resposta; e que, o tópico é a técnica do pensamento problemático, então, pode-se dizer que os meios hermenêuticos tradicionais não resolvem dificuldades da interpretação concretizadora do novo modelo constitucional e que, por isso, o método tópico-problemático aparece, se não como único, pelo menos, o mais adequado para se chegar até a Constituição.

Dessa forma, tendo as normas constitucionais aquela estrutura aberta e indeterminada, já mencionada, sua efetivação exige o protagonismo dos intérpretes, fazendo com que a leitura constitucional seja um processo aberto de argumentação, onde participam todos os intérpretes da Constituição. Em outras palavras, a Constituição aparece muito mais problemática do que sistemática, apontando-se, assim, para uma necessidade de interpretação que envolve o diálogo, onde todos os argumentos são válidos até que apareça um vencedor. Dessa forma, os Juízes e os Tribunais não seriam os únicos intérpretes da Constituição; boa parte da interpretação do Direito seria feita, fora de situações contenciosas, por cidadãos ou por órgãos estatais.

11.3.3 Método hermenêutico-concretizador. O ponto de partida dos seguidores desse método hermenêutico, de resto, pouco diferente do método tópico-problemático, é a percepção de que toda leitura de texto normativo (inclusive do texto constitucional), começa pela compreensão do intérprete, a quem cabe concretizar a norma a partir de uma dada situação histórica, que nada mais é, que o ambiente em que o problema é posto a seu exame, para que ele resolva de acordo com critérios postos na Constituição e, não, segundo critérios pessoais de justiça. Assim, o limite para a concretização é ancorado no próprio texto constitucional, mas, sem perder de vista, a realidade que ele intenta regular e que, na verdade, lhe esclarece o sentido.

11.3.4 Método científico-espiritual. O que dá sustentação a esse método é a idéia de Constituição como instrumento de integração, não só no sentido jurídico-formal, como instrumento de suporte e fundamento do ordenamento, mas, também, como instrumento de regulação de conflitos e, dessa feita, de construção e preservação da unidade social. A Constituição é a ordenação jurídica do Estado ou da dinâmica em que se desenvolve a vida estatal, embora, o Estado não limite sua vida nos momentos da realidade contemplados na Constituição. Aqui, o Estado é visto como algo dinâmico, que se renova continuamente, a compasso das transformações, da própria realidade, que, suas normas intentam regular. Nessa idéia, a Constituição aparece como instrumento que ordena a vida do Estado, do seu processo de integração e da própria dinâmica social, não só permitindo, como também exigindo uma interpretação extensiva sem necessidade de que o seu texto contenha alguma ordenação nesse sentido.

11.3.5 Método normativo-estruturante. Os seguidores desse método partem da premissa de que há uma implicação necessária entre os preceitos jurídicos e a realidade que eles pretendem regular, uma vinculação tão grande que a própria normatividade parece ter buscado apoio fora do ordenamento como meio de tornar eficazes seus propósitos.

O que realmente importa para o intérprete é a situação que a norma escolheu regular. Interpretação constitucional é, portanto, concretização; aquilo que não aparece de forma clara como conteúdo da Constituição é que deve ser determinado pela incorporação da realidade, de cuja ordenação se trata. Em resumo, o conteúdo da norma só se torna completo com a interpretação que, no entanto, não pode realizar-se apenas com as pretensões contidas nas normas, ainda mais, porque o texto constitucional aparece com conteúdos genéricos e indeterminados, é preciso também levar em consideração as peculiaridades das relações concretas que essa norma pretende regular.

11.4 A Valorização dos Princípios Constitucionais. A valorização dos Princípios Constitucionais é outro ponto que deve ter maior relevância dentro do neoconstitucionalismo, onde a Teoria da Norma Constitucional, começou a ser vislumbrada em dois aspectos: (a) normas/regras constitucionais, que descrevem situações específicas e determinadas, impondo as situações e penas, não reclamam um processo hermenêutico mais completo, como a subsunção, aplicadas de forma automática. Exemplo: art. 18, § 1º, CF, art. 82, CF); e, (b) normas/princípios constitucionais, são normas dotadas de grande abstração que corporificam os mais autos valores de um sistema jurídico, normas de grande densidade axiológica e que demandam uma atividade de interpretação por parte do intérprete, que deve apresentar uma atividade construtiva. Exemplo: Princípio da Soberania (art. 1º, I, CF), Princípio da Cidadania (art. 1º, II, CF); Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF), Princípio dos Valores Sociais do Trabalho e da Livre iniciativa (art. 1º, IV, CF), etc.

11.5 Em se tratando de conflito entre princípios constitucionais não podemos utilizar o critério hierárquico, pois, todos estão na Constituição, nem o critério da generalidade, pois, todos são gerais, nem o critério da cronologia, pois, todos foram produzidos no momento da publicação da Constituição. Temos que examinar qual, ou quais, os princípios que têm maior ou menor dimensão de peso, e estabelecer à luz do caso concreto qual deve prevalecer em detrimento de outros.

11.6 Teoria da Argumentação Jurídica. O intérprete deve argumentar judicialmente, doutrinariamente, costumeiramente, porque escolheu determinada interpretação em detrimento da outra, é o dever de fundamentação das decisões judiciais. Exemplo. art. 93, IX, CF/88.

 Uadi Lammêgo Bulos[29], Professor, Mestre e Doutor, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP , ensina que “a Teoria da Argumentação, aplicada à exegese constitucional, procurou fornecer subsídios para sabermos qual a opção exegética que deve prevalecer diante das diversas possibilidades interpretativas da mesma norma”.

Todavia, por mais que se busquem decisões judiciais seguras ou corretas, jamais será possível desvendar por que existem veredictos contraditórios sobre um mesmo assunto, proferidos por um mesmo juiz, com base em fatos e elementos normativos idênticos. O motivo é simples, pois, a interpretação jurídica é o reencontro gradual do espírito humano consigo próprio.

Por outro lado, por intermédio da fundamentação, as partes saberão se o juiz analisou corretamente a prova, se cometeu algum vício, se deixou de analisar alguma questão de fato ou direito, garantindo assim, ao jurisdicionado, que não haverá arbitrariedade da decisão proferida pelo Estado-juiz. Confira-se posicionamento firmado no Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento do Recurso Extraordinário n. 540.995, acerca da decisão fundamentada:

Recurso extraordinário. Garantia constitucional de fundamentação das decisões judiciais. Artigo 118, § 3º, do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar. 1. A garantia constitucional estatuída no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, segundo a qual todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, é exigência inerente ao Estado Democrático de Direito e, por outro, é instrumento para viabilizar o controle das decisões judiciais e assegurar o exercício do direito de defesa. 2. A decisão judicial não é um ato autoritário, um ato que nasce do arbítrio do julgador, daí a necessidade da sua apropriada fundamentação. 3. A lavratura do acórdão dá conseqüência à garantia constitucional da motivação dos julgados 4. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 540.995, Rel. Min. Menezes Direito, Primeira Turma, DJe 02.5.2008).

No Estado Democrático de Direito (art. 5º, II, CF) tem-se como característica, que o Estado-juiz, deve sempre motivar a sua decisão tomada, em linguagem clara e acessível, o que corresponde com a lógica jurídica, encontrada na Constituição, quando se estabelece o princípio da fundamentação das decisões judiciais como dever do juiz (art. 93, IX, CF).

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11.7 Princípios Instrumentais da Interpretação. Além desses princípios materiais, a Doutrina estabeleceu Princípios Instrumentais da Interpretação, muito importantes, por servirem como postulados da interpretação constitucional, que podem ser extraídos da Constituição Federal de 1988, para orientar a interpretação desta. São princípios implícitos, que serve de norte, para o desenvolvimento do processo hermenêutico. Podemos citar, dentre outros:

11.7.1 Princípio da Supremacia Constitucional. Consiste em considerar a Constituição como o conjunto de Normas Fundamentais de um dado Sistema Jurídico. É a lex fundamentalis (Lei Fundamental). A Supremacia da CF também em no sentido axiológico.

11.7.2 Princípio da Presunção de Constitucionalidade. Presunção de Legitimidade dos atos do Poder Público, tendo o intérprete tomar como premissa, de que os atos do Poder Público são compatíveis com a CF. Evidentemente essa presunção não é absoluta, é relativa iuris tantum (tantum significa apenas, e juris direito, ou seja, “apenas de Direito”);

11.7.3 Interpretação conforme a Constituição.  Por força do Princípio da Supremacia Constitucional, o intérprete deverá, sempre que possível, priorizar o significado que melhor se compatibilize com a norma constitucional, é claro, atendendo aos limites, não podendo prevalecer, atos normativos que são patentemente inconstitucionais. Permite-se declarar a inconstitucionalidade de uma lei, adaptando-a à Constituição, sem retirá-la do ordenamento jurídico;

11.7.4 Princípio da Unidade da Constituição.  Também chamado de Princípio da Concordância, ao integrar o sentido de todas as normas constitucionais;

11.5.5 Princípio da Máxima Efetividade. Tem como objetivo priorizar a produção dos efeitos da Constituição diante da realidade social. Exemplo: art. 37, CF, inciso VII, direito de greve dos funcionários públicos. O STF já decidiu sobre a matéria, no Mandado de Injunção, MI 585, reconhecendo que o direito não pode ser sonegado diante da omissão legislativa, prevendo a aplicação do direito de greve dos funcionários utilizando as regras do direito de greve no âmbito privado, Lei nº 7.783, de 28/06/1989;

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS. ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Configurada a mora do Congresso Nacional na regulamentação do direito sob enfoque, impõe-se o parcial deferimento do writ para que tal situação seja comunicada ao referido órgão.
(MI 585, Relator (a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/2002, DJ 02-08-2002 PP-00059 EMENT VOL-02076-01 PP-00030).

11.7.6. Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade. Também chamado de postulado da razoabilidade, informa a busca de interpretações mais justas e adequadas, necessárias e proporcionais, para servir na solução do conflito entre princípios, auxiliando o intérprete na ponderação de bens e interesses. Esse princípio se divide em três dimensões: (a) adequação ou utilidade que é a adequação entre meios e fins; (b) necessidade que é a vedação do excesso e o dever de buscar restringir o mínimo possível os direitos fundamentais; (c) roporcionalidade, que significa correlação entre custo e benefício.

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Sobre o autor
René Dellagnezze

Doutorando em Direito Constitucional pela UNIVERSIDADE DE BUENOS AIRES - UBA, Argentina (www.uba.ar). Possui Graduação em Direito pela UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES - UMC (1980) (www.umc.br) e Mestrado em Direito pelo CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL (2006)(www.unisal.com.br). Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Publico, no Curso de Direito, da UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ, Campus da ESTACIO, Brasília, Distrito Federal (www.estacio.br/brasilia). Ex-Professor de Direito Internacional da UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO - UMESP (www.metodista.br).Colaborador da Revista Âmbito Jurídico (www.ambito-juridico.com.br) e e da Revista Jus Navigandi (jus.com. br); Pesquisador   do   CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL;Pesquisador do CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL. É o Advogado Geral da ADVOCACIA GERAL DA IMBEL - AGI, da INDÚSTRIA DE MATERIAL BÉLICO DO BRASIL (www.imbel.gov.br), Empresa Pública Federal, vinculada ao Ministério da Defesa. Tem experiência como Advogado Empresarial há 45 anos, e, como Professor, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes ramos do Direito: Direito Constitucional, Internacional, Administrativo e Empresarial, Trabalhista, Tributário, Comercial. Publicou diversos Artigos e Livros, entre outros, 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e "Soberania - O Quarto Poder do Estado", ambos pela Cabral Editora (www.editoracabral.com.br).

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