Propõe-se, no presente texto, a análise do art. 192, § 3º, da Constituição Federal. Estudo esse necessário, em razão das implicações da interpretação do mesmo para a sociedade.
O aludido dispositivo preceitua que "as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano, a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar". Observa-se, a princípio, que se faz referência, no texto constitucional, à necessidade de instrumento normativo a regular dispositivo do preceito em tela. O legislador constituinte vinculou à edição de lei extravagante a devida punição às transgressões ao limite previsto para a cobrança de juros.
Acontece que, inobstante a transparência e a clareza com que se aborda a questão na Carta Magna, os ministros Supremo Tribunal Federal, corte esta instituída para a defesa dos dispositivos constitucionais, têm decidido pela inexigibilidade do acima transcrita norma, com supedâneo na ausência de lei a regular o limite na cobrança de juros. A exigência de instrumento normativo, contudo, conforme já ventilado, só se aplica à punição referente ao desrespeito ao limite previsto para os juros, conforme anteriormente ventilado.
Com o escopo de se revestir o presente estudo com maior confiabilidade e respaldo doutrinário, utilizar-se-á de técnicas de interpretação, através das quais serão obtidas conclusões incisivas.
Mediante a interpretação gramatical, pode-se estudar o citado parágrafo, in fine. Ao se proceder a análise sintática da parte final do preceito em questão, constata-se ser, a expressão "em todas suas modalidades", um aposto e, assim, pode ser excluída sem qualquer prejuízo para o sentido da oração. O resultado da exclusão seria o seguinte: "a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido nos termos que a lei determine". A expressão "nos termos que a lei determinar" refere-se, tão-somente, à punição ao crime de usura, tanto que o verbo ("punido"), que antecede a esta expressão, concorda com o termo "crime de usura". Nenhuma relação existe entre a norma ordinária, a ser elaborada posteriormente, e o limite estipulado no parágrafo correlato.
Carece de qualquer lógica, ou suporte válido, entendimento no sentido de se condicionar a observância coercitiva do limite constitucional à superveniência de lei ordinária. A norma constitucional não pode ser alterada através de instrumento legal hierarquicamente inferior. Com isso, mesmo que a lei preceituasse índice diverso do consagrado na Constituição, este prevaleceria, em virtude do imperioso respeito aos ditames constitucionais, na formulação das normas extravagantes.
Relevante, ainda, na abordagem das discussões acerca da exigência do limite aos juros, a interpretação teleológica do dispositivo constitucional, ora em exame. Verifica-se que, com a inclusão do mesmo no diploma máximo do ordenamento jurídico, o constituinte teve a intenção de impor restrições à cobrança de juros nas operações creditícias e, com isso, coibir abusos dos agentes financeiros. Finalidade esta louvável e fundamental para o estabelecimento de relações de crédito, que não onerem de forma lesiva o devedor.
Dentre os profissionais do direito, que advogam em defesa da inexigibilidade do limite constitucional aos juros, existem, ainda, aqueles que alegam a falta de lei complementar exigida no caput do art. 192. Proceder-se-á a transcrição dos termos do mesmo, a fim de se eliminar as dúvidas que possam existir quanto à absoluta inconsistência desta teoria.
"Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a prover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá inclusive:
(Omissis)"
Segue ao texto acima uma série de incisos, os quais são utilizados, de acordo com a técnica legislativa, para enumeração. Dessa forma, os incisos indicam, enumeram, as matérias que devem constar na lei complementar, a qual ditará as regras aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional. O limite imposto à cobrança de juros, todavia, encontra-se inserido em parágrafo do artigo acima colacionado. Dessa forma, a aplicabilidade da norma sobre os juros não tem qualquer dependência quanto à elaboração da lei complementar, a qual se faz alusão no art. 192, da Constituição.
Há de se considerar, ainda, a complexidade que envolve a estipulação do limite para a cobrança de juros em um país como o Brasil. Veicula-se com constância, nos meios de comunicação, as razões indicadas pelos economistas que compõem o alto escalão do governo federal como justificativa para taxas de juros tão exorbitantes, como a que ora se vigoram no Brasil. O Banco Central do Brasil calcula a taxa básica de juros, através da somatória de três índices: inflação estimada, a taxa de juros americana e o risco Brasil. Ao se excluir o percentual referente ao índice inflacionário, obtém-se a denominada taxa real de juros.
Com relação, à expectativa de inflação anual, como o Brasil, através de seus governantes, comprometeu-se com a consecução de metas com o FMI, quanto ao controle da inflação, geralmente, o índice correspondente a este fator coincide com o percentual acordado com o mencionado Fundo. A associação dos juros praticados no país como acordos com entidades internacionais, indica a forte influência do capital estrangeiro na economia pátria. Característica esta que se torna ainda mais evidente e clara com a inclusão dos percentuais referentes à inflação americana.
No que cerne ao risco-Brasil, novamente nota-se a submissão às regras externas; na medida que o mesmo reflete o juro pago por títulos do Brasil. O risco-Brasil é incluído à taxa básica de juros, como incentivo aos investimentos estrangeiros. Determinado por agências internacionais de avaliação, o índice em questão reflete a margem de risco para se aplicar recursos no país.
O Brasil, em razão da política econômica ora adotada, corresponde a um dos países com a maior taxa de juros, cobradas sobre operações creditícias. Recentemente, o Banco Central, entidade responsável pela fixação dos índices em questão, anunciou a manutenção da taxa básica de juros em 18,5%.
Demonstra-se imperativa, por fim, a menção aos inaceitáveis índices cobrados pelo uso do cheque especial. Mesmo considerando-se que os entes bancários, a fim de viabilizar a rentabilidade de suas operações, devem incluir, nos juros por eles cobrados, margem de lucro, os impostos e o risco de inadimplência; não existem explicações plausíveis a justificar taxas, que alcançam os 150 % ao ano. A sujeição dos correntistas das instituições financeiras a atual cobrança abusiva de juros deve-se a inexistência de norma jurídica que imponha limites a esta prática. O dispositivo constitucional, criado para estabelecer a devida restrição à cobrança de juros no mercado financeiro, tem sua aplicabilidade recusada pelo Supremo Tribunal Federal.
Não se pode admitir que a Carta Magna, o diploma que assume a posição superioridade na hierarquia das normas jurídicas, seja desrespeitada de forma tão flagrante e reiterada. Caso seja fundamental para a economia do país que as operações creditícias sejam submetidas às atuais taxas básicas de juros, cabe às autoridades responsáveis proporem a necessária emenda à Constituição. Eis o motivo pelo qual a própria Carta Magna prevê a possibilidade de alteração de seus preceitos: a necessidade de adequação à realidade social, política e econômica. Fato insuportável, acentua-se, consiste o patente desrespeito às normas da Lei Máxima, suporte de todo o ordenamento jurídico pátrio.