Proposta a respeito de um projeto de lei que objetiva equiparar a falsa acusação de estupro a crime hediondo

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O seguinte artigo busca responder de forma clara e fundamentada a proposta a respeito de um projeto de lei que objetiva equiparar a falsa acusação de estupro aos crimes hediondos.

O seguinte artigo busca responder de forma clara e fundamentada a proposta a respeito de um projeto de lei que objetiva equiparar a falsa  acusação de estupro aos crimes hediondos. Nesse sentido, é preciso primeiramente caracterizar tanto os crimes tidos como hediondos quanto o estupro.

Os crimes considerados hediondos são apresentados na lei 8072/90 do código penal. Analisados como aqueles delitos que possuem uma grande reprovabilidade social e jurídica de maneira que no universo dos variados tipos de infrações eles se encontram no topo da pirâmide, pois são considerados os mais graves e sórdidos dos delitos.

Nesse viés, possuem um tratamento mais diferenciado e severo e por isso com maior rigor ao acesso de benefícios e a progressão de pena, são ainda inafiançáveis, e não cabíveis de anistia, graça ou induto que são formas de renúncia estatal ao direito de punir, ou seja, é o ato de perdoar a pena.

O estupro por sua vez é uma dos diversos tipos de abusos sexuais, sendo considerado um dos mais violentos ,pois gera uma profunda dor para as vítimas e aqueles que a cercam ,afetando-as física e emocionalmente. Trazendo-lhes, assim, uma série de transtornos que iram acompanha-las durante toda sua vida como vergonha, depressão, baixa autoestima, transtornos de sono dentre outros.

 Nesse sentido, ele é tipificado na Lei nº 12.015/09 no artigo 213 que afirma ser o estupro qualquer ato a “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. “ .

Partindo disso, é possível perceber por meio dos diversos casos relatados pela mídia que as vítimas de estupro tendem a serem em regra mais vulneráveis que seus agressores e a desenvolverem após o ataque uma característica de introspecção, passando a terem medo de expor o que lhes aconteceu. Isso é fortalecido ainda mais durante o iter victimae, qual seja, o caminho da vítima, aspecto estudado pela criminologia que ao avalia-lo constatou a ocorrência de um processo que leva a vítima a sofrer ainda mais violência.

Nessa perspectiva, a pessoa que sofreu a agressão além de passar pela vitimização primária se refletindo como sendo o cometimento do crime em si. Ela também passa pela denominada vitimização secundária quando o aparelho estatal que deveria dar suporte e acolhê-la acaba fazendo-a reviver a situação de violência e o pior a discriminando. Muitas vezes banalizando, duvidando ou desprezando até mesmo o delito que ela padeceu partindo de preconceitos e de uma cultura machista. Isso gera uma grande descrença nas autoridades e no direito diminuindo ainda mais o número de denúncias e as repelindo, pois existe um temor por parte da pessoa que passou pela agressão.

Há ainda a vitimização terciária empreendida pela sociedade que acaba segregando, humilhando e culpando a pessoa que foi estuprada. Isto reflete também sobre os indivíduos que estão ligados ao sujeito violentado como a própria família, caracterizando dessa forma uma vitimização indireta.

Todos esses conjuntos de violências sofridas terminam reproduzindo no individuo o processo chamado de revitimização, ou seja, a ideia reiterada por todos esses meios de que a culpa do crime ocorrido foi da vítima acaba levando ela mesma  a acreditar e a se ver como culpada pelo que aconteceu ,fugindo inclusive a lógica racional .

Tudo o que foi exposto faz com que as vitimas desista ou várias vezes nem chegue a cogitar fazer alguma denúncia, eles acabam caindo então  nas cifras negras para se ter uma ideia segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública  uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos, mas apenas 30% casos  de estupro são registrados e em  2014, mais 47 mil mulheres foram estupradas no Brasil.

Todavia o número de queixas tem mudado gradualmente por causa da exposição que se deu em face aos casos cada vez mais revoltantes de estupro e do crescimento desse ato. Tais como o caso da jovem de 16 anos  violentada por, pelo menos, 30 homens, em uma comunidade da Zona Oeste no Rio de Janeiro em 2016.Isso gerou uma maior visibilidade o que levou o Estado a se atentar para essa questão, não só ele mais também a mídia que começou a apresentar cada vez mais pesquisas a respeito do assunto. As universidades passaram a ensejar uma reflexão  sobre o tema por meio de debates possibilitando o crescimento de estudos um pouco mais profundos .

A partir daí foi sendo construída uma maior conscientização por parte da população e, por conseguinte das vítimas que passaram a tomar consciência do próprio estado e a se sentirem mais seguras agora, tomando aos poucos a coragem para relatar a violência sofrida e a buscar ajuda do poder estatal. Por isso se a proposta for aprovada iremos regredir com as conquistas até então alcançadas, por que ela irá acabar gerando uma barreira para as vítimas que agora estão passando a denunciar nessa onda de expor as violências que estavam por debaixo dos panos.

É bem verdade e é preciso reconhecer, que existe uma supervalorização da palavra da vítima, isso acontece por que a maioria dos crimes de estupro não ocorre em público pelo contrário, possuem somente a palavra da suposta pessoa que sofreu o ataque contra a palavra do aparente agressor.

Nesse raciocínio, é possível ocorrer o que nomeado pela vitimologia de Síndrome de Potifar, nome baseado na narrativa bíblica ocorrida no livro de gêneses que retrata a história da esposa de Potifar e José um escravo que trabalhava para o seu esposo Ela logo se agradou dele, mas ao tentar seduzi-lo não teve nenhum êxito. Em um dos dias os dois estavam a sós é então que ela faz sua última tentativa pedindo para que ele se deita-se com ela ,não aceitando no entanto o escravo que por ser leal ao seu senhor foge deixando sua túnica quando Potifar chega a mulher acusa José de tê-la estuprado então ele é preso.

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Abstraísse, portanto, o fato de que muitos dos sujeitos que denunciam a prática de estupro nunca o sofreram realmente, tais agem desse modo com o objetivo a se vingar ou prejudicar o individuo acusado, seja por alguma rejeição sofrida ou por qualquer outro motivo. Assim se evidência a necessidade de analisarmos também o ponto de vista de quem sugeriu este projeto, pois tal pessoa provavelmente esteja preocupada com as consequências sofridas pelos que tiveram os seus direitos fundamentais violados, mesmo sendo inocentes e dos consecutivos resultados produzidos por isso.

Os efeitos originados por uma falsa a acusação de estupro são devastadores. Pois além da supressão de direitos essenciais como a própria liberdade do individuo, na cadeia eles sofrem violentas e sucessivas agressões físicas e morais que deixam sequelas profundas que eles iram carregar por toda a vida de forma que vários chegam a ficar com as marca psicológicas provocadas pelos sucessivos insultos e humilhação passadas ou mesmo a contrair doenças tais como o HIV resultado do período que passaram presos. Ademais ainda é notável que tais ao serem expostos, principalmente pela mídia são rotulados e sofrem com o ódio e o preconceito da população sendo alvos muitas de agressões, mesmo que estejam fora da prisão por serem considerados inocentes. Eles também perdem a sua credibilidade frente a sociedade, por conseguinte não conseguem arrumar trabalho para assim se sustentarem .

Além de terem seus relacionamentos pessoais destruídos tais como os  amorosos, amizades dentre outros ,ainda podem ser vitimas de constrangimentos em ambientes educacionais como  em faculdades ,são afetadas ainda  a vida de seus familiares abaladas por uma mentira inventada.  Tudo isso pode levar um individuo que não seria criminoso a delinquir, por isso essa situação deve ser encarrada pelo estado e pela sociedade. Entretanto a saída para esse problema não é tornar a falsa acusação de estupro em crime hediondo, por motivos como a  crise do sistema penitenciário e a existência de resposta que já se encontram previstas na lei para esse tipo de conduta.

Primeiramente é preciso lembrar que o sistema presidiário brasileiro possui a quarta maior população carcerária do mundo, segundo a Super Interessante. Nesse contexto, há uma superlotação de selas, pois elas não possuem infraestrutura suficiente para comportar tantos encarcerados Fatos comprovados, ainda pela a mesma revista ao afirmar que para cada cela que deveria acolher seis pessoas vivem na verdade treze, prevalecendo as péssimas condições de saúde e um ambiente cheio de precariedades.

Além disso, esse sistema gera um gasto por demasiado oneroso para o Estado, conforme o site Estadão relata cerca de 60%  da receita dos estados são gastos com o sistema carcerário, para se ter uma percepção se consome mais com um presidiário do que com a própria educação. Pois o O globo afirma que cada preso custa quase o triplo do valor que se gasta com um aluno.

A partir disso, constata-se que seria falta de lógica por em prática no Brasil as ideias do direito penal máximo, pois é grandemente dispendioso em todos os sentidos. Até por que esse pensamento já foi superado prevalecendo na sua grande maioria o que é denominado de direito penal mínimo, ou seja, os doutrinadores no geral consideram o direito penal como sendo a ultima ratio, ou seja, o recurso final usado somente quando os demais ramos não conseguem responder a situação apresentada.

Mas ao olharmos para o ordenamento jurídico é perceptível que já existem aparatos normativos suficientes que podem suprir a conduta relativa à falsa acusação de estupro. E isso se dá tanto nos ramos do direito civil ,como até mesmo no próprio direito penal, pois ambos trazem textos em abstratos que dão a possibilidade de serem enquadrados nesse tipo de comportamento defesos na lei não havendo, portanto, a necessidade de impor essa ação como crime hediondo.

Tais para citar a titulo de exemplo se dão através processo cível por danos morais com base nos artigos 186, 187 e 927 podendo a pessoas acusada injustamente ser indenizada. Ainda pode ser inserido como denúncia caluniosa tipificada no código penal artigo 339 cuja texto diz : “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:

“Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.”. Assim diante de tudo o que foi avaliado reitero o que já foi defendido no texto acima, qual seja, a afirmativa de que não seria viável a aprovação da proposta, me posiciono ,portanto contra o pedido de tornar em crime hediondo a falsa acusação de estupro.

Bibliografia:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-com-pessoal-consome-60-da-receita-dos-estados,70001939477

https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brasil-gasta-com-presos-quase-triplo-do-custo-por-aluno-3283167

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