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As vísceras da violência

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13/09/2005 às 00:00
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A SÍNDROME DE VIOLÊNCIA URBANA

Observa-se que, em razão de os grandes veículos de comunicação de massa do Brasil localizarem-se no eixo Rio-São Paulo, é comum que um fato, ali ocorrido e noticiado, invada nossos lares, do Oiapoque ao Chuí.

Como exemplo, a briga de quadrilhas, pela posse de pontos de tráfico de drogas, foi um acontecimento, na Rocinha, que provocou abalos no ambiente de insegurança das cidades brasileiras, afetando, negativamente, a sensação de segurança de seus moradores.

Policiólogos denominam este fenômeno de Ilusão de Isotopia, isto é, aquela sensação ou aquele sentimento de que se está vivendo naquele lugar onde ocorreu o fato, ou de que, onde se vive, ocorrerá o mesmo fato, inevitavelmente, gerando a "síndrome de próxima vítima".

Estatisticamente, os fatos são representados por uma linha sinuosa, enquanto que a lógica da síndrome é uma reta ascendente, que acumula fatos permanentemente.

A população da cidade de Belo Horizonte não estava imune, padecendo, assim, desta neurose. Contudo, seu sofrimento tem aumentado à medida que vem enfrentando, também, a realidade do aumento da criminalidade violenta, em seu bairro, em sua rua, em sua porta, inclusive, em plena luz do dia. E os acontecimentos na região metropolitana passaram a ser, lamentavelmente, referência para outras cidades, que estão envolvidas pela ilusão de isotopia.

É importante observar que, em concreto, paralelamente aos aspectos de ordem emocional, instalam-se situações geradoras de violência. Por exemplo, há notícias de existência de "feudos" em alguns pontos de periferias e de favelas, nas grande cidades, onde a "polícia não entra", onde são cobrados "pedágios" de comerciantes locais e das redondezas. Isto é extremamente perigoso. Pior, inquietante e preocupante.


O FOCO DA DISCUSSÃO

Quanto ao foco da discussão, constata-se que está voltado apenas para uma parte da questão: para a causalidade, espaço e tempo onde eclodem os delitos e para onde fluem as causas e refluem os efeitos. São raros os trabalhos que abordam, em amplitude e profundidade, causas e efeitos da violência, particularmente da criminalidade. Estes agentes intervenientes – causas e efeitos – sempre foram relegados e pouco analisados, questionados, pesquisados. Estudiosos e autoridades, que se manifestam sobre o tema, fazem uma abordagem tradicional, em maioria sobre a causalidade, sobre o "quê" está acontecendo e, pouquíssimos, sobre o "porquê", sobre causas e efeitos. Face essa superficialidade, quase sempre a conclusão é de que a polícia está perdendo o controle, por falta de recursos ou por incompetência, chegando alguns, inclusive, conforme já se falou, a clamar pelo emprego das Forças Armadas. Aliás, diga-se de passagem, a polícia sempre foi um ótimo bode expiatório para justificar ineficiente administração, principalmente se estiver ocorrendo crise.

Convém à sociedade brasileira que este grave fenômeno social não tenha tratamento tão sazonal (ou espasmódico?) quanto simplista. Já está passando da hora de o problema passar por um exame exaustivo de todas as formas de seu contorno e de sua complexidade, hora de ser dado um basta à administração de surtos (ou administração por susto?), hora de um engajamento multidisciplinar. Afinal, é sabido mas pouco difundido, a violência é muito menos um problema policial que um grave e complexo problema social. Entretanto, por inépcia ou incompetência, nossas autoridades insistem em não enxergá-la desta forma e postergam seu efetivo enfrentamento.

Na sociedade brasileira, as raízes da insegurança estão bipartidas na violência da exclusão social e na criminalidade violenta. A exclusão está presente nas carências de assistência social, moradia e remuneração dignas, na inacessibilidade a serviços médico-hospitalares, na fome, na miséria, no analfabetismo, na deseducação, no desemprego, na desocupação, na concentração de renda. Caminha-se para um consenso de que o intranqüilizador quadro da exclusão social, que agrava o fenômeno da marginalização, é um dos vetores da marginalidade.

Ainda que seja de todo impossível eliminar causas e efeitos da violência no Brasil, é urgente que se implementem medidas que visem sua redução. De um lado, as atitudes que objetivam a inclusão social devem ter como foco a redução de nossa vulnerabilidade socioeconômica e, em paralelo, não apenas o exercício da cidadania (que tem sua prática restrita ao gozo de direitos civis e políticos) mas, principalmente, o estímulo a atividades que conduzam à consolidação da societania (conhecimento e prática de deveres e direitos de integrantes de uma sociedade). Em que pese ser visto como um povo alegre, acolhedor, na realidade o brasileiro parece ter uma auto-estima muito frágil, visto que é um dos poucos no mundo a falar mal de si próprio. Este fato, aliado a outros, como por exemplo a incapacidade de suprir-se conforme os apelos consumistas, contribui para que marginalizados migrem para a marginalidade. Ressalte-se, porém, que nem todo marginalizado é marginal e vice-versa.

Por outro lado, objetivando a redução paulatina de nossa vulnerabilidade civil, devem ser desenvolvidas ações que incidam sobre o vertiginoso quadro da criminalidade violenta. Com certeza, a prioridade deve ser o trabalho de reverter a preocupante sensação de impunidade pela certeza da punição. Evidentemente, não se propugna pela lotação (ou superlotação) de nossos presídios. Afinal, há outras penas que não as privativas de liberdade.


POUCA EFETIVIDADE

Em relação à pouca efetividade das ações, a origem estaria em políticas sociais descontínuas, por serem de governo ou, até, de partido (felizmente, o atual Ministro da Justiça é defensor de políticas sociais de Estado) e/ou inadequadas, em razão de seus objetivos serem tímidos, que, quando alcançados, sempre se apresentaram como paliativos ou assistencialismo hipócrita. Este erro faz persistir e aumentar a marginalização – indivíduos e grupos que são colocados à margem social – além de ensejar o florescimento de subculturas, nestes locais, onde há prevalência de regras e valores comunitários, localizados, em detrimento de regras e valores sociais, de caráter geral. Isto tem como origem uma distopia social (funcionamento anômalo de órgãos de proteção social), que ali se observa. Surgem, em decorrência, e não apenas ali, os desvios de conduta, as infrações administrativas, as contravenções, a permissividade, dando origem a uma marginalidade emergente – indivíduos e grupos que se colocam à margem da lei. À maior freqüência e incidência de crimes, soma-se o ingrediente da violência. Em razão de anacronismos – de leis, de ritos e de rotinas, da processualística penal – reina uma sensação de impunidade entre os marginais, que, então, se organizam em quadrilhas, com seus bem estruturados sistemas de informação, planejamento, operações, logística e administração.

Há muitas notícias, mas poucas informações, que são decodificadas como estímulo, pelos iniciantes no crime, ou provocam indignação e revolta na sociedade civil. Esta se mobiliza, cobra correções, atitudes e soluções dos políticos.

A sociedade política se agita, cria comissões, aprova e executa projetos de políticas sociais. Inadequadas!... O ciclo perverso se reinicia, por absoluta falta de objetividade.


INFORMAÇÃO INSUFICIENTE

Quanto à questão da notícia versus informação, interessante confrontar o tratamento que é dado à violência da criminalidade e a outras doenças do organismo social, como, por exemplo, a AIDS e a dengue. Em relação à primeira, são dadas notícias, quase sempre em manchetes bombásticas, sensacionalistas. Para as outras, são dadas informações, que orientam, formam, educam. Por estas razões, a população conhece bem as origens da AIDS e da dengue, os grupos de risco, as precauções, o tratamento, a recuperação. Campanhas educativas são muito bem produzidas e divulgadas, resultando em absoluto controle desses males, sendo o Brasil, inclusive, referência mundial no controle da AIDS. Em contrapartida, em razão de muita notícia externa e pouca informação interna, nosso país é também referência – negativa – de violência.

A quem interessa uma sociedade desinformada, assustada, intranqüila, que tem reduzidas sua qualidade de vida e sua produtividade, e que se torna uma presa fácil em razão da ausência paulatina da solidariedade? A marginais! Urge que nossos veículos de comunicação de massa se conscientizem de que têm enorme responsabilidade social e que devem assumir um compromisso em relação à violência, particularmente da criminalidade: informar, para orientar, formar e educar ! Estarão contribuindo para que surja uma nova sociedade pacífica, harmoniosa, serena e confiante.

Constata-se que a pesquisa sobre esta doença social é muito tímida, incipiente, insuficiente. É que os recursos para fazê-la (e os há) não são muito visíveis, são muito pouco divulgados. Estímulos ao engajamento são muito difusos (ou confusos?), carecendo de o governo adotar procedimentos claros que despertem a motivação na sociedade civil para esta área, particularmente agora que se "descobriu" a importância de se pesquisar "Causa e Efeito" da violência.


CORRIGINDO OS RUMOS

Temos convicção de que todas estas mazelas e contradições sociais, tratadas até agora, podem ser corrigidas e revertidas. Para fugir do lugar comum de que basta vontade política, é necessário que o Estado brasileiro (não apenas o governo) realize um esforço, que compreenda:

  • um específico Planejamento Estratégico, a ser elaborado por representantes dos três poderes – dos níveis federal, estadual e municipal – e da sociedade civil, de forma pragmática, de forma a não se transformar em mais um glossário, de boas idéias, refrigerado a ar condicionado;

  • um compromisso, sem volta, de operacionalizá-lo integralmente, para que não ocupe lugar, ainda que de destaque, no já imenso "arquivo morto".

Deve contemplar, no mínimo:

  • medidas de fortalecimento das instituições (da família – cujo número de monogâmicas, sob a responsabilidade de mães que, em grande número, "trabalham fora", vem tristemente aumentando; da escola – hoje, simples agência de repasse de conhecimentos – que necessita de transformações, iniciando-se pela restauração do mérito, da importância que têm os professores; da igreja – que se enfraquece, na medida em que se constatam ramificações estranhas, da noite para o dia; do próprio estado – vítima de descrédito generalizado, já de algum tempo);

  • criação e/ou difusão de atitudes firmes de correção de desvios do caráter social (estimulando o respeito a valores sociais e exigindo a obediência a regras sociais – e os veículos de comunicação de massa podem dar uma enorme contribuição).

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A operacionalização deve ocorrer através de efetivos procedimentos da sociedade política e do engajamento e participação da sociedade civil. Portanto, é necessário que:

  • o Legislativo seja mais objetivo, modernize nossas leis, varra os anacronismos, os procedimentos protelatórios, enfim, menos coreografia e mais samba-enredo;

  • o Judiciário reduza ou elimine ritos e rotinas da época do império (de procedimentos burocráticos ao nepotismo e às "férias forenses"), que se modernize logística e administrativamente, que incremente os Juizados de Pequenas Causas e estimule a aplicação de penas alternativas e de penas substitutivas;

  • o Executivo reconheça o extraordinário valor dos assistentes sociais e dos educadores;

  • que os poderes reconheçam o destacado papel que deve ser reservado ao Ministério Público.

A primeira obra de reengenharia política seria conceber e efetivar o Estado de tal maneira que ele pudesse ser mais eficiente, tanto na implementação de medidas distributivas, afastando a ameaça da exclusão, como na consolidação de políticas retributivas, destinadas a controlar a ameaça da criminalidade.

Para a primeira hipótese, o trabalho de assistentes sociais é prioritário e, certamente, a curto e médio prazos, trará resultados concretos e perenes. Para a segunda hipótese, a participação de educadores (resgatando-se-lhes a dignidade profissional, começando pela dignidade salarial) é fundamental na formação do caráter e na preparação da geração, que ora desabrocha, para uma convivência harmoniosa e pacífica. A mim me parece claro que devemos iniciar esta cruzada, de resgate social do povo brasileiro, devolvendo-lhe a paz e a harmonia, investindo maciçamente nestes profissionais, construtores de novos e sólidos alicerces.

Quanto à geração atual, que produz ou que sofre com a criminalidade violenta, fica a esperança de um efetivo funcionamento do sistema de defesa antiinfracional (em muito contribuirá para instalar-se o ambiente de segurança), como resultado do esforço sinérgico das polícias administrativas, da força estadual, das polícias judiciárias, do ministério público, da defensoria pública, da justiça criminal e da emergente polícia prisional (para custódia e reinserção social de apenados). Sem vaidades, sem a prevalência presunçosa de um órgão sobre outro; sem o equívoco semântico da integração (fusão) da força estadual (Polícia Militar) com a polícia judiciária (Polícia Civil), quando alguns querem referir-se à conveniente e necessária interação (ação mútua ou integração de esforços, que não é integração física). Hoje, a grande ameaça é o crime violento; se amanhã for uma epidemia de dengue ou uma catástrofe ambiental ou desobediência coletiva de não pagamento de tributos, a integração da força estadual seria, respectivamente, com a polícia de salubridade pública, ou a polícia de meio-ambiente, ou a polícia fazendária? Que utopia!

O que mais necessitamos é rever a forma de perceber, sistematizar e operacionalizar o provimento da proteção contra as ameaças ao corpo social. Isto se inicia com modificações "de" e não "nos" sistemas: do emergente sistema de defesa social, visando garantir o ambiente de segurança social; do subsistema de defesa antiinfracional (ex-segurança pública), visando garantir o ambiente de segurança antiinfracional.

Sem pretender que isto soe como postura autoritária, ou de mera crítica, gratuita, a determinados procedimentos, entendo que a tudo vem faltando o revestimento do rigor e, em relação à policia, o revestimento da firmeza, da energia. Aliás, faltava. Conforme a imprensa noticiou recentemente, o governador Aécio Neves recomendou rigor nas ações da força policial e da polícia judiciária. Vale dizer, exigiu que uma exerça sua atividade-força com energia, firmeza e que a outra seja mais percuciente, tudo dentro dos limites da lei.

É importante observar que, jamais, sua colocação deve ser interpretada como uma senha para arbitrariedades, atos covardes, comportamento atrabiliário ou simples exercício de elevação da estatística da produção profissional.

Alguém menos avisado pode questionar o fato de o governador manifestar-se, explicitamente, sobre atuação da polícia, dado que energia e firmeza são inerentes ao emprego da força estadual e agudeza e percuciência são intrínsecas ao trabalho investigativo. Ele deve ter sido informado de que parte de sua polícia criminal (a força e a investigativa) está acuada, tensa, recuada, o que vem permitindo à marginalidade ocupar o vácuo (e não será fácil desalojá-la).

Tecnicamente, este retraimento provém de crises institucionais (de identidade, de autoridade) – incômoda herança deixada para o governador – a que se soma a insegurança no trabalho.

A crise de identidade é sentida pelas Polícias Civis e Militares quando, sem qualquer embasamento científico, é proposta a integração, a fusão, a unificação das duas como sendo a solução, a panacéia contra os males da violência. Um exame mais atento indica que cidadãos e entidades, bem intencionados até, vêm confundindo integração dos órgãos com integração de esforços (interação), que é conveniente, positiva e salutar. Se a proposta de interação é ótima, a de integração é péssima, em virtude da agonia da dúvida sobre "quem vai absorver quem". Esta discussão, que confunde e ilude a população, perturba e desvia o foco dos profissionais. Corpos de Bombeiros Militares não devem guardar boas lembranças da época em que estavam integrados às Polícias Militares. A prioridade era adquirir material (armamento, equipamento, munição) e fomentar treinamentos voltados para o policiamento ostensivo. Foi uma fase de sucateamento dos Corpos de Bombeiros que, lembre-se, também é uma instituição militar, ao contrário da Polícia Civil, que não o é. Militar com militar não deu certo! Militar com civil, dará?...

Outra crise – parece fabricada, porque não tem a menor consistência – é a discussão do caráter militar das Polícias Militares. Também nesta questão observa-se pouco conhecimento daqueles que se colocam contra, quando a maioria confunde "caráter" militar com "atividade" militar. A sociedade, parece, ainda não está suficientemente despertada para a necessidade de que toda força seja e esteja controlada, sob pena de correr o risco de voltar-se contra aqueles que tem o dever de proteger. O movimento de 1997, em Minas Gerais, foi uma pequena mostra daquilo que o enfraquecimento do caráter militar pode ocasionar. O exercício do comando é, fundamentalmente, um exercício de liderança. Pleitear aumento de vencimento, somente para oficiais, não foi um salutar exercício que, inclusive, corroeu os alicerces da disciplina e da hierarquia. Se a forma, rebelada, de manifestação é condenável, inaceitável numa organização militar, a situação de orfandade de liderança, a que foram jogadas as praças, ensejou uma legítima defesa reativa. Com certeza, se houvesse comando efetivo, liderança militar na exata acepção, tal fato não ocorreria. O vácuo de liderança militar ensejou surgimento de intervenções de lideranças políticas na Instituição, no que estão totalmente corretos, visto que é do maior interesse do político encontrar espaço vazio de liderança que possa ocupar. E, reconheça-se, grande maioria tem prestado bons serviços às organizações policiais. Pode-se discutir a forma como o trabalho, vem sendo realizado, visto que, a alguns, é intervenção indevida. Mas, qualquer que seja o ângulo de visada, fica patente a necessidade de se cerrar fileira em torno do Comandante-Geral da Força Estadual (que, inadequadamente, tem o nome de Polícia Militar), resgatando-se-lhe a posição de líder-mor, de único interlocutor da Instituição. Instituição que desenvolve atividades ora de Força Pública – garantindo os poderes constituídos – ora de Força de Defesa Social – garantindo o poder de polícia dos órgãos que atuam na proteção social.

Enfim, a sociedade não deve permitir, para seu próprio bem, que a Força Estadual, não trabalhe sob esse extraordinário instrumento, que é o caráter militar, cujos pilares são disciplina e hierarquia.

Constatação grave é a gradual asfixia de líderes militares, em razão de interferências político-partidárias na escolha de ocupantes de cargos de alta chefia, o que reduz a vibração, o entusiasmo, o profissionalismo. Estrategistas, táticos, operacionais, profissionais, na essência, têm sido preteridos em favor de "palacianos" ou "maçanetas".

Uma situação de desgaste da autoridade, que vem sendo desafiada inclusive, também tem contribuído para surgimento de vácuos. Nota-se ausência de autoconfiança para cumprir a missão, visto que policiais estão em condições de inferioridade de meios em relação aos bandidos. Um princípio tático fundamental – a supremacia de força – não vem sendo observado. Os marginais estão melhor armados que a Polícia. Em paralelo, há situações de falta de confiança nos superiores, pela incerteza de haver reconhecimento de ação policial legítima, quando do emprego da força, da energia e firmeza necessárias.

Estas incertezas derivam da rápida transição de autoritarismo para excessivo liberalismo, com destaque aos esclarecimentos restritivos dos direitos fundamentais, estreitando-se o foco do direito da sociedade à proteção, pela interpretação distorcida de alguns direitos individuais.

Emocionalmente, este retraimento da polícia pode ser explicado por uma falta de sintonia que, gradativamente, deu origem a divergências conceituais, que se intensificaram. Os conflitos, que felizmente não evoluíram para confrontos, envolviam uma combativa, persistente e elogiável ação de grupos denominados de defensores, "militantes" dos Direitos Humanos de um lado e, de outro, uma inação policial, ao se constatar deficiente instrução informativa sobre aquela ação.

O exagerado entusiasmo de uns, contrastando com o conhecimento insuficiente de outros, não permitiu que ficasse claro que o objetivo daquelas ações não era prejudicar o trabalho das polícias e, sim, identificar e exigir punição para excessos, para procedimentos que não se enquadrassem em ação policial legítima.

Interesses pessoais e, principalmente, a politização partidária impedem que divergências sejam debatidas, visando a busca de uma resultante, visto que ambos os lados, de formas diferentes – que não necessitam ser antagônicas – buscam o bem comum. Enquanto isto, persiste a acusação elementar de que "a polícia é muito violenta" e a queixa generalizada de que há, em maioria, "militantes de direitos humanos de bandidos"; que estes não distinguem emprego de energia (que é inerente à força) com a violência desmedida, desnecessária (que é abominada). Uma queixa particular, que se aproxima da mágoa, é de que os militantes nunca foram vistos, confortando as viúvas e os órfãos, em velórios de policiais que morreram defendendo a sociedade.

Todos queremos uma polícia profissional, uma polícia forte, enérgica, uma polícia adorada pelas crianças, respeitada pelos adultos e temida pelos marginais. Como sempre foi a força estadual de Minas Gerais!

A senha para reversão dessa adversidade social momentânea – a violência da criminalidade – já foi dada pelo governador às instituições de polícia (administrativa, ostensiva, judiciária e prisional). Estima-se que repercuta nos demais órgãos e entidades envolvidos com a Defesa Social, sejam da sociedade política, sejam da sociedade civil.

Afinal, a segurança – deveria ser defesa (nacional e social) – é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos nós, consoante nossa Constituição, ainda que, sob a ótica policiológica, se equivoque conceitualmente.

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Sobre o autor
Amauri Meireles

coronel da Polícia Militar de Minas Gerais, policiólogo, ex-professor da Academia da Polícia Militar de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRELES, Amauri. As vísceras da violência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 804, 13 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7286. Acesso em: 18 abr. 2024.

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