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Cultura da licitude: um salto de qualidade no sistema correcional em Minas Gerais

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18/08/2019 às 22:06
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7.  A QUESTÃO DA PRESCRIÇÃO DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS

A questão da prescrição das transgressões disciplinares sempre foi tema de extraordinária importância para o Direito Administrativo Disciplinar no que se concerne à segurança jurídica no processo disciplinar, considerando que a pretensão punitiva da Administração Pública deve ter tempo determinado a exemplo das ações penais, evitando-se ações intermináveis contra agentes transgressões da norma.

Consoante artigo 37, § 5º da Constituição da República, a  lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de ato doloso de improbidade administrativa. A decisão foi tomada em agosto de 2018 no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 852475, com repercussão geral reconhecida.

Por sua vez, a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências, determina que as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas na lei de improbidade podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei. 

Trazendo o assunto para questões locais, tem-se que a Lei nº 869, de 1952, traz o comando geral de aplicabilidade em Minas Gerais, e em seu artigo 258, aduz o seguinte:

Art. 258 - As penas de repreensão, multa e suspensão prescrevem no prazo de dois anos e a de demissão, por abandono do cargo, no prazo de quatro anos.

O Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi instado a enfrentar a questão da prescrição, in verbis:

“A analogia, neste caso, revela-se apropriada, na medida em que a expressão "por abandono de cargo" há de ser entendida como meramente exemplificativa. (TJMG -  Mandado de Segurança 1.0000.12.073900-8/000, Relator (a): Des. (a) Carlos Levenhagen, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 24/04/2013, publicação da súmula em 17/05/2013)”

Por seu turno, a Lei Federal nº 8.112, de 1990 regulamenta satisfatoriamente a questão da prescrição da ação disciplinar, em seu artigo 142, segundo o qual a ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

Nesse sentido, o prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

Já os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

Acerca deste assunto já positivado na Lei Federal nº 8.112/90, em agravo no Amapá, o STJ assim se posicionou:

“1. Em caso de infração administrativa decorrente da prática de crime, aplica-se o prazo prescricional previsto na legislação penal, contado da data em que o fato se tornou conhecido, conforme os §§ 1º e 2º do art. 158 da Lei Estadual n.º 66/1993, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos do Estado do Amapá. (AgRg no RMS 27.998/AP, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 15.10.2012).”

O STF também já julgou a questão da matéria de prescrição:

‘CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO. I. - Inocorrência de prescrição: na hipótese de a infração disciplinar constituir também crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm aplicação: Lei 8.112/90, art. 142, § 2º. II. - Demissão assentada em processo administrativo regular, no qual foi assegurado ao servidor o direito de defesa. III. - Inocorrência de direito líquido e certo, que pressupõe fatos incontroversos apoiados em prova pré-constituída, não se admitindo dilação probatória. IV. - O fato de encontrar-se o servidor em gozo de licença médica para tratamento de saúde não constitui óbice à demissão. V. - M.S. Indeferido.’ (MS nº 23.310/RJ, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 27/6/03 – grifei).

‘RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. MERA REPETIÇÃO DOS ARGUMENTOS DO MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO EM INSTÂNCIA PRÓPRIA. DESCUMPRIMENTO DE DEVER RECURSAL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR CAPITULADA COMO CRIME. HOMICÍDIO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR. PRAZO FIXADO A PARTIR DA LEI PENAL (ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990). NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.’ (RMS nº 30.965/DF, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 29/10/12).

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A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.

Vale ressaltar que a lei nº 5406, de 16/12/1969, Lei Orgânica da Polícia Civil de  Mias Gerais, atualmente com vigência parcial, em seus 222 artigos, não há  nenhum dispositivo que dispõe sobre os prazos prescricionais para as punições administrativas.

E, mesmo após derrogação e substituição desta lei pela nova Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais – lei complementar 129/2013 – não se encontra sequer menção a prazos prescricionais.

O Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula 467, firmou entendimento do prazo prescricional para promoção da execução da multa por infração ambiental: 

“Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da administração pública de promover a execução da multa por infração ambiental.”

A Lei n° 14.310, de 19 de junho de 2002, que dispõe sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais prevê regras da prescrição no artigo 91, a saber:

Art. 90 – Contados da data em que foi praticada a transgressão, a ação disciplinar prescreve em:

I – cento e vinte dias, se transgressão leve;

II – um ano, se transgressão média;

III – dois anos, se transgressão grave.

Concretamente, pode-se afirmar que na hipótese de a infração disciplinar constituir também crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm aplicação, conforme disposições da Lei nº 8.112/90, em seu art. 142, § 2º, o que nos parece mais coerente com a posição dos Tribunais Superiores deste Torrão.

Outra questão de entendimento consolidada é no sentido de que a Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais, antiga e moderna, nenhuma faz alusão ao instituto da prescrição, tomando de empréstimo disposições de outras leis em vigor, como no caso do artigo 258 da Lei nº 869, de 1952, que preceitua que as penas de repreensão, multa e suspensão prescrevem no prazo de dois anos e a de demissão, por abandono do cargo, no prazo de quatro anos, silenciando sobre o prazo de prescrição para aplicação da demissão noutros casos verificados, fora dos casos de abandono do cargo e condutas disciplinares que continuem crime, cujo prazo será no prazo deste, artigo 109 do Código Penal.

Neste quesito, seria de bom tom que hajam dispositivos positivados a fim de se evitar possíveis ofensas ao princípio da segurança jurídica, e sobretudo, ficando a mercê de pareceres de outros órgãos do estado que a depender especialista pode mudar as posições acerca do assunto. 

O assunto ganha extrema relevância, uma que vez alcançados os prazos legais, prescrita estará a pretensão punitiva da Administração Pública, não havendo mais que se falar em instauração de processo administrativo disciplinar, o que contribui causa indesejável para aumentar a síndrome da impunidade em casos de desvios de conduta de agentes públicos, e mais que isso, em detrimento da credibilidade da Administração Pública.


8. DA REABILITAÇÃO ADMINISTRATIVA

No Direito Penal, o instituto da reabilitação aparece disciplinado no artigo 93 a 95 do Código Penal e artigo 743 a 750 do Código de Processo Penal. “É a declaração judicial de reinserção do sentenciado ao gozo de determinados direitos que foram atingidos pela condenação" ( NUCCI ).

“É a medida de Política Criminal consistente na restauração da dignidade social e na reintegração no exercício de direitos, interesses e deveres, sacrificados pela condenação” ( REALE e DOTTI ).

“É o instituto por meio do qual o condenado tem assegurado o sigilo sobre os registros acerca do processo e de sua condenação, podendo, ainda, por meio dele, readquirir o exercício de direitos interditados pela sentença condenatória”( NEY MOURA TELES ).

 “É a declaração judicial de que estão cumpridas ou extintas as penas impostas ao sentenciado, que assegura o sigilo dos registros sobre o processo e atinge outros efeitos da condenação” ( MIRABETE ).

“É a reintegração do condenado no exercício dos direitos atingidos pela sentença” ( DAMÁSIO). 

“É declaração judicial de que o condenado se regenerou e é, por isso, restituído à condição anterior à sua condenação” (CELSO DELMANTO ). 

A reabilitação administrativa segue a mesma lógica, consistente  na retirada das anotações das penas de repreensão, suspensão e destituição de função dos registros funcionais do servidor (§ 2º do art. 253 da Lei Estadual nº 869/1952).

O servidor pode requerer a reabilitação administrativa, após o decurso dos seguintes prazos, conforme a penalidade aplicada:

1 - três (3) anos para as penas de suspensão compreendidas entre sessenta (60) a noventa (90) dias ou destituição de função;

2 - dois (2) anos para as penas de suspensão compreendidas entre trinta (3) e sessenta (60) dias;

3 - um (1) ano para as penas de suspensão de um (1) a trinta (30) dias, repreensão ou multa.

Os prazos mencionados serão contados a partir do cumprimento integral das respectivas penas. A reabilitação será concedida uma única vez.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Cultura da licitude: um salto de qualidade no sistema correcional em Minas Gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5891, 18 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72870. Acesso em: 25 abr. 2024.

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