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Pedágio: a sexta e mais nova espécie tributária

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15/09/2005 às 00:00
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5 - A análise da norma

            Então devemos seguir os passos e os preceitos do ilustre professor Tárek Moysés Moussallem, que em seu festejado e elucidativo livro ‘Fontes do Direito Tributário’, Ed. Max Limonad, 1ª ed., 2001, nos ensina que devemos iniciar a análise da norma pelo texto posto e nunca por idéias anteriores e pré-existentes, devendo encontrar o sentido claro e preciso de cada palavra e também sua ingerência e significação dentro do contexto existente.

            "A distinção clara entre as palavras e as coisas é um produto tardio do espírito humano. (fls. 25)

            ...

            De acordo com o "giro lingüístico", a experiência, além de só se tornar possível por causa da linguagem, resta condicionada pela própria linguagem. A palavra não é só a materialização do pensamento, é o próprio pensamento. (fls. 29)

            ...

            Impende-nos destacar que, na averiguação das fontes do direito, percorreremos este caminho: partiremos da análise do produto para estudarmos o processo, ou seja, o nosso objeto de estudo imediato é a regra posta, e a partir dela é que buscaremos, por elementos de linguagem, a sua fonte produtora, quais sejam, o procedimento e o agente (fls. 134)"

            A novel Constituição Federal de 1988 veio dar novos contornos ao Pedágio. De forma que a apreciação de sua singularidade e de suas características, deve se dar a partir da promulgação desta nova carta magna, destas novas palavras, significados e pensamentos, que se desenvolveram e alteraram com a evolução histórica e dogmática dos conceitos. Mesmo que tardiamente, devemos encontrar a distinção clara. Não se podendo a toda evidência, pretender-se que as cartas anteriores ainda estejam vigendo. Agora, além de mantido no rol dos tributos, foi o Pedágio alçado ao patamar de uma espécie autônoma.


6 – O pedágio é tributo

            Inicialmente devemos verificar a condição de tributo do pedágio, utilizando o elemento gramatical e lógico de interpretação, restando claro que ao vedar a cobrança de tributos como meio de limitar o tráfego de pessoas ou bens, deles ressalvando apenas a cobrança do pedágio, o texto do artigo 150 lhe atribuiu a natureza jurídica de tributo.

            Vejamos que, além de expressamente nominado como Tributo pela própria CF/88, assim como acontecia nas anteriores, o Pedágio também atende às demais características inerentes e elencadas no artigo 3ª do ‘Livro Bom’, subsumindo-se perfeitamente à figura jurídica do conceito legalmente posto de tributo. Afinal, o Pedágio é uma prestação pecuniária, em moeda. É compulsório. Não constitui sanção de ato ilícito. Deve ser instituído em lei. E, deve ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

            "Art. 3º

. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

            ..."


7- A natureza jurídica das taxas na atual constituição

            Nossa atual Constituição Federal, de 1988, recepcionou, no particular, o conceito de taxa já exposto no ‘Livro Bom’. E dando efetividade a tal conceituação, nos mesmos termos, no inciso II do seu artigo 145, expressamente prevê a existência, conceitua e define o alcance dos tributos da espécie taxa, que somente se instituirão para remuneração de serviços prestados em função do poder de polícia do Estado, fiscalização, ou, da utilização de serviços públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte. Não sendo possível ampliar-se seu alcance para incidir sobre o uso de patrimônio público ou assemelhado. Sendo então de sua natureza jurídica a condição de tributo de espécie autônoma. Não existindo assim, em nosso ordenamento, ainda hoje, a figura da taxa de uso.

            "Art. 145

. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

            ...

            II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

            ..."


8 – A natureza jurídica do pedágio na constituição de 1988

            De forma diferente das previsões existentes nos sistemas constitucionais anteriores, a atual Constituição mesmo mantendo o Pedágio como um tributo, não lhe dirigiu aquele cunho remuneratório, que o atrelava à natureza jurídica dos tributos da espécie taxa.

            O artigo 150, inciso V, da CF/88, transcrito acima, prevê que a ressalva à proibição de se estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, somente se dá em relação ao Pedágio, mantida então aquela exceção já conhecida. Mas, agora, o Pedágio é devido pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. E não mais para indenizar ou remunerar quaisquer serviços de conserto, construção ou manutenção.

            Não se trata neste atual sistema jurídico constitucional, como dantes, de instituir o Pedágio tendo como fato gerador, ou, como leciona Paulo de Barros Carvalho, hipótese tributária, a ‘indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas’, ou mesmo, o ‘custo de vias de transporte’.

            A instituição e a cobrança do pedágio têm hoje como fato gerador/hipótese de incidência a utilização da via. A Conservação da via é ordenamento voltado ao poder público como condicionante para instituir o Pedágio. Assim como, por exemplo, é necessária a delimitação do momento da devolução dos valores arrecadados, para os empréstimos compulsórios. Hoje, em relação ao Pedágio, não há previsão constitucional de que os valores apurados devam ser revertidos em função dos gastos ocorridos. Há sim, a previsão que, para sua instituição, as vias onde será cobrado devem estar conservadas pelo poder público.

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            Realmente, o Pedágio tem a natureza jurídica de tributo vinculado ao uso de bem público. Mas, taxa não é. Pois, efetivamente, constitucionalmente não há no nosso ordenamento a figura da taxa de uso. Assim, sua natureza jurídica, tudo indica, é a condição de tributo de espécie autônoma.


9 – conclusão

            Assim, pelo princípio das particularidades específicas que identificam as espécies autônomas, vemos que o Pedágio, já identificado como Tributo, ante a nova configuração que lhe emprestou a Constituição Federal de 1988, tem também características únicas e diferenciadoras dos demais tributos, elevando-o à condição de espécie autônoma. Não se confundindo com as já reconhecidas e aceitas pela doutrina majoritária.

            É Ele o único tributo ao qual a Constituição, em exceção ao princípio da vedação à liberdade de locomoção por meio de tributos, permitiu limitar o tráfego de pessoas ou bens. E, neste momento, ao criar exceção à regra de que tributos não podem limitar o trânsito, indiscutivelmente, a atual Constituição, mais uma vez, alçou o Pedágio à condição de tributo.

            É também o único tributo cuja hipótese de incidência é o uso, é a utilização de via conservada pelo Poder Público. É a utilização da via que é tributada e não o serviço de conservação. Utiliza-se a via. Não é a utilização do serviço. Serviço a ser remunerado é fato gerador de taxa. Como era nas constituições anteriores. Alguns doutrinadores, assim, entendem insistir ser este o caso. Contudo, não é o serviço que é tributado, mas a utilização da via, de modo que não há convergência ou identidade entre as figuras. Havendo, hoje, neste novo sistema constitucional, diferenciação substancial. Com o que, o Pedágio não é mais uma Taxa. E, assim, mais uma vez, resta demonstrado ser uma outra espécie de tributo.

            O artigo 4º do nosso ‘Livro Bom’, diz que o fato gerador, por vezes chamado hipótese de incidência, é que identifica a espécie tributária, e, portanto, ainda sob este ângulo, mesmo que vasta doutrina entenda não mais aplicável, sendo o Pedágio o único tributo que tem como fato gerador/hipótese de incidência a utilização de vias conservadas pelo poder público, certamente Ele é uma espécie autônoma:

            "Art. 4º. A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

            I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

            II - a destinação legal do produto da sua arrecadação."

            De modo que, se o Pedágio não se enquadra em nenhuma das definições referentes às demais espécies de tributo. No máximo parecendo ser uma taxa de uso. E, se taxa pelo uso de qualquer bem público, como já vimos, não existia antes e nem existe em nosso ordenamento jurídico constitucional vigente. Não pode haver quanto a isso confusão, o Pedágio não é uma taxa e muito menos taxa de uso.

            A nossa atual Constituição deu nome próprio e diferenciado ao Pedágio. Diferente dos demais tributos, pode Ele impedir o trânsito de bens e pessoas, até seu efetivo pagamento. E, também, diferente de todos os demais tributos, tem Ele como fato gerador, próprio e distinto, a utilização, o uso da via pública, que esteja conservada, bem entendido, pelo Poder Público. Assim, indiscutivelmente, vemo-nos obrigados a concluir ser o Pedágio a sexta espécie tributária existente em nosso sistema jurídico tributário atual.

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Sobre o autor
Gildo Dalto Junior

advogado, pós-graduando em Direito Tributário, membro do CIPET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALTO JUNIOR, Gildo. Pedágio: a sexta e mais nova espécie tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 804, 15 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7293. Acesso em: 19 abr. 2024.

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